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Inteligência Artificial em medicina veterinária: A evolução gradual de um novo mundo por descobrir

Ilustração: Al Costa

O recurso à Inteligência Artificial (IA) na medicina veterinária tem vindo a tornar-se uma realidade e permite fazer a predição de risco de desenvolvimento de doença, ajudar ao diagnóstico precoce e à prevenção. Mas também ajustar protocolos de tratamento e melhorar os resultados clínicos. Mas há que acautelar também as limitações éticas e legais.

O potencial de IA na medicina veterinária é vasto e pode abranger várias áreas.  Segundo o estudo AI in Veterinary Medicine: The Next Paradigm Shift, apresentado em fevereiro último e conduzido pela Digitail – empresa que se dedicada à inovação em medicina veterinária – em parceria com a American Animal Hospital Association (AAHA) concluiu que 39,2% dos inquiridos usam ferramentas ou software de IA no seu ambiente de trabalho. Por outro lado, 69,5% dos entrevistados experimentaram ferramentas de IA e assumem o seu uso diário ou semanal.

 

Além destas conclusões, foi ainda notória a preocupação por parte dos inquiridos acerca das questões éticas e legais a ter em consideração. A este respeito, um artigo publicado no site da American Veterinary Medical Association (AVMA), em outubro de 2023, ressalva questões com “mau prognóstico, onde algumas interpretações podem levar a uma decisão de eutanásia, o que torna ainda mais vital desenvolver melhores práticas para proteger as equipas, os pacientes e os clientes”.

Rui Martins, engenheiro PhD, investigador sénior / principal do INESC TEC, no Porto, sublinha algumas das áreas onde a IA pode ter uma boa intervenção, desde logo pela “simplificação de processos de gestão e burocracia, ao bem-estar animal, pelo apoio à medicina veterinária personalizada, pela possibilidade de acompanhamento e monitorização/diagnóstico remoto, e no aumento da rapidez e precisão de diagnósticos e intervenções direcionadas”, começa por defender.

 

Muito se tem debatido sobre o potencial da IA na área da saúde e em outros setores existindo sempre algumas reservas sobre a substituição dos homens pelas máquinas. “A IA não pode ser vista como um substituto do raciocínio e aprendizagem humana, mas sim como uma ferramenta que nos ajuda a lidar com dados cada vez mais complexos e grandes volumes de informação, alavancando a transformação de informação em conhecimento (a base para as decisões poderem ser tomadas)”, esclarece. A vantagem da IA, na opinião de Rui Martins, reside na capacidade de ter informação processada para ser avaliada no contexto médico-veterinário e esta ser  interpretada para conhecimento, que de outra forma estaria inacessível .

Um dos maiores potenciais das novas ferramentas de IA associadas a dispositivos inteligentes é “a capacidade de implementação de sistemas de medicina veterinária preventiva, tanto em animais de companhia como de produção”, explica o investigador. Isto significa, na prática, que alguns dos investimentos muto canalizados nos tratamentos possam ser aplicados em prevenir doenças, adiar e /ou melhorar as condições de tratamentos. Uma das principais utilizações da IA na medicina veterinária de animais de companhia é “o diagnóstico com recurso a algoritmos que podem analisar dados de várias fontes, como registos médicos, exames imagiológicos e resultados laboratoriais, para identificar padrões e fazer um diagnóstico diferencial, de forma integrada e mais célere”.

 

“Devemos encarar a IA como uma ferramenta auxiliar que nos permite poupar tempo na interpretação e decisão sobre os dados, mas que não substitui o conhecimento e experiência humana” – Rui Martins, INESC TEC

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A verdade é que a IA ainda está no início no que respeita à sua integração no setor. No entanto, espera-se que venha a ter “um impacto profundo na profissão nos próximos anos, remodelando a forma como a veterinária é praticada”, explica Joana Lourenço, professora auxiliar convidada da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona de Lisboa, na área de oncologia médica e médica na área de oncologia clínica no Consultório Veterinário, no Porto. Ao nível do diagnóstico, estão a ser desenvolvidos alguns algoritmos de IA para diagnosticar doenças em animais, com uma maior precisão, destaca, “envolvendo o uso de técnicas de aprendizagem de máquina para analisar dados clínicos, imagens de diagnóstico por imagem, como radiografias, ultrassonografias, tomografia computorizada, ressonâncias magnéticas e resultados de testes laboratoriais”. Fazendo a comparação com os radiologistas, estes algoritmos vão permitir detetar, segmentar e classificar as anormalidades na imagem, delimitá-las e categorizá-las, permitindo, por exemplo, perceber se um animal é positivo ou negativo para metástase.

 

Um artigo da Currents in One Health, publicado no Journal of the American Veterinary Medical Association (JAVMA), em maio de 2022, comprova precisamente isto. “A utilização da IA na prática clínica de diagnóstico por imagem continuará a crescer, em grande parte, porque muitos dos dados – radiografias, ultrassom, tomografia computadorizada, ressonância magnética e medicina nuclear – e os relatórios correspondentes estão em formato digital”.

Até 2022, avança a também doutoranda no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar com o tema: “Aplicação de métodos de Inteligência Artificial à Predição do Risco de Morte em Animais Cirúrgicos Oncológicos e comparação com não Oncológicos”, existiam “alguns sistemas de IA para diagnóstico por imagem disponíveis comercialmente, mas que “não foram submetidos aos rigores de revisão por pares”. Na predição de doenças ou prognóstico, “a IA poderá ser usada para identificar padrões em grandes conjuntos de dados de pacientes e prever o risco de desenvolvimento de certas doenças”. Alguns modelos predizem o prognóstico do animal relativamente a determinada patologia, o que pode ajudar os médicos veterinários a tomar medidas preventivas precoces para manter e prevenir a saúde dos seus animais.

A IA na decisão clínica

A médica veterinária destaca também o desenvolvimento de sistemas de IA para dar recomendações e orientações aos veterinários durante o processo de tomada de decisão clínica. “Podem incluir sugestões sobre tratamentos com base em evidências científicas e dados específicos de cada animal. São disso exemplo: VetBloom, Vet Companion, IBM Watson for Veterinary Medicine, entre outros.” E, na monitorização de saúde e dos cuidados com o animal de companhia, alguns aparelhos eletrónicos e sensores conectados à internet são usados como “medidores de parâmetros vitais que monitorizam continuamente a saúde e o bem estar dos animais. A IA pode ser utilizada para analisar os dados colhidos por esses dispositivos que ficam gravados e alertar os veterinários e proprietários sobre qualquer alteração preocupante”. Joana Lourenço refere como exemplos, o FitBark, o PitPat, entre outros.

Especificamente no que respeita à medicina regenerativa veterinária, a IA pode ajudar a desenvolver novas terapias em lesões musculoesqueléticas e doenças degenerativas. Em oncologia veterinária, área a que a Joana Lourenço se tem dedicado, “pode prever a eficácia de diferentes opções de tratamento e ajudar os veterinários a selecionar a abordagem mais adequada para cada caso, bem como analisar imagens médicas, como radiografias e ultrassonografias, para identificar tumores e avaliar a sua progressão”. No controlo da dor, a IA também tem um papel primordial, como o desenvolvimento de sistemas de monitorização de dor em animais de companhia, “que analisam sinais comportamentais, fisiológicos e bioquímicos para avaliar o nível de dor de um animal e ajudar os veterinários a ajustar os protocolos de tratamento, de modo a melhorar o conforto e bem- estar do paciente”.

Em paralelo, na área da fisioterapia e reabilitação estão igualmente a ser desenvolvidos dispositivos eletrónicos que ajudam na reabilitação de animais após lesões ou cirurgias. “Estes aparelhos monitorizam atividade física, marcha e o progresso do animal durante todo o processo de recuperação, fornecendo feedback ao veterinário e proprietário”, destaca a médica veterinária.

Rui Martins sugere as novas perspetivas em ‘Precision Livestock Farming’ (PLF) sobre como gerir o bem-estar e saúde animal e a interface com a saúde e alimentação humana que, na sua opinião, vão liderar a introdução de novas ferramentas que depois se estenderão à prática clínica. “A área de PLF tem muito a ganhar em termos de produtividade e sustentabilidade com IA, onde é crítica a capacidade de prevenir, monitorizar e agir atempadamente.” Estas ferramentas, adianta, “passam desde a capacidade de monitorizar sinais vitais e diagnósticos moleculares ‘in-situ’; assim como a introdução da robótica como interface e plataforma de interação com os animais, libertando o médico-veterinário para tarefas onde pode focar o seu poder de análise, diagnóstico e tratamento de cada animal”. A utilização de sensores para recolher dados sobre o comportamento dos animais e a produção pecuária em PLF tem, na sua opinião, várias potencialidades, “incluindo a deteção precoce de doenças e outros problemas de bem-estar animal, a melhoria do desempenho da produção, a otimização da utilização de recursos naturais e a minimização do impacto ambiental”.

Apesar de considerar que a IA é uma área “ainda muito jovem na medicina veterinária”, José Gómez, diretor médico da AniCura Ibéria destaca as principais utilidades no campo do diagnóstico laboratorial: coprologia, sedimento urinário e hematologia/citologia/anatomia patológica. “Também está presente em outros exames de diagnóstico como em cardiologia, auscultação cardíaca com estetoscópios inteligentes, na deteção de arritmias e anomalias nos sons cardíacos, na interpretação de eletrocardiogramas ou holters, por exemplo”. E onde existirá margem de melhoria? “No aperfeiçoamento de algoritmos de diagnóstico alimentados por milhões de dados verificados por especialistas.”

Até ao momento, na Clínica Veterinária da Boa Nova, no Porto, é utilizada a Inteligência Artificial Einstein da plataforma Salesforce, para estudos preditivos de desenvolvimento de cancro através de aprendizado de máquina, com utilização de  grandes quantidades de dados, obtidos de casos clínicos, no mesmo local, com uma variabilidade aproximada de até 10% entre o valor preditivo da IA e o resultado real. Quem é o diz é Joana Lourenço que explica que “estes estudos possibilitaram prever em casos de animais com determinadas características obtidas desde a anamnese até ao exame físico e parâmetros laboratoriais, de desenvolverem um tumor, antecipando tempo ao diagnóstico”. Também a telemedicina e a gestão de dados e registos médicos são praticados nesta clínica.

Joana Lourenço abriu recentemente um novo espaço direcionado e especializado ao animal oncológico. “A utilização de IA será uma aposta a curto prazo, com a predição de doença tumoral, monitorização de saúde e suporte à decisão clínica”, afirma.

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Na AniCura Ibéria, atualmente, estão a ser implementados dispositivos analíticos para amostras laboratoriais e a aguardar por novas utilizações noutras áreas em desenvolvimento.

A evolução é gradual e Rui Martins refere algumas vantagens: “Estas novas ferramentas vão impulsionar os consultórios veterinários face ao cenário atual, onde os serviços, meios de diagnóstico e laboratórios estão concentrados nos hospitais e/ou laboratórios centrais. A democratização das tecnologias “Point-of-Care” (POC), imagiologia, genética e ‘ómica’, alteram o panorama dos consultórios médico-veterinários”. Mas esta “revolução”, como lhe chama, tem alcançado também os tutores dos animais. Como? É possível hoje “observar os movimentos, registar os sons, assim como monitorizar temperatura, ritmo cardíaco e movimentos respiratórios do animal com dispositivos, conhecendo os seus padrões de comportamento, alimentação e bem-estar”. Ao serem adicionadas essas capacidades “à democratização dos testes de diagnóstico”, a medicina preventiva e personalizada “será uma realidade generalizada na próxima década”.

Também a democratização da sequenciação genética é uma das ferramentas disponíveis e muito úteis na medicina veterinária, defende, “permitindo entender previamente quais são as implicações dos alelos presentes em cada animal, e/ou outros problemas de origem genética (por exemplo, SNPs) originados pela seleção humana, ajudando a orientar estratégias de prevenção, tratamentos e/ou novos métodos de reprodução para mitigar, ou mesmo, corrigir esses problemas”.

Comparativamente a outros países, Portugal começa a dar os primeiros passos e a implementação da IA irá acontecer de forma gradual. “Internacionalmente, os avanços em IA têm sido mais expressivos”, diz Joana Lourenço, que refere, a título de exemplo, a Escola de Medicina Veterinária da Universidade da Califórnia, Davis, nos Estados Unidos, tem um programa de pesquisa ativa em IA aplicada à medicina veterinária, assim como, uma empresa global,  com sede em Portugal, oferece soluções em IA para análise de imagens médicas e diagnóstico clínico. No entanto, apesar dos estudos exponenciais em medicina humana sobre IA, a veterinária e comparativamente à medicina humana, apresenta uma baixa percentagem desses estudos e a sua implementação, ainda tem um caminho a ser percorrido.

Rui Martins faz uma comparação do contexto nacional com o europeu, mas sublinha que “não é algo que nos possa orgulhar, uma vez que estamos muito atrasados no que diz respeito à utilização da IA em medicina veterinária e produção animal, assim como em muitas outras áreas”. Refere ainda a heterogeneidade do panorama internacional com a utilização da IA a não ser ainda  “sistemática e estrutural, existindo atualmente o uso específico de ferramentas por médicos veterinários que são entusiastas e exploram individualmente essas novas possibilidades”. O cenário em Portugal não é diferente. “É necessário cada vez mais conhecimento e formação de interface para que os médicos veterinários possam trabalhar eficientemente com a IA, ou mesmo participar em equipas de desenvolvimento de sistemas inteligentes com equipas de engenheiros, permitindo a criação de novas soluções eficientes”.

O que acautelar para aplicar a IA num CAMV

Joana Lourenço, médica veterinária dedicada à oncologia clínica, considera que a implementação de IA num CAMV necessita de definir objetivos concretos. Por exemplo:

  • Servidores fortes, clusters de computação de alto desempenho e capacidade de armazenamento de dados escalável para grandes volumes de dados clínicos;
  • Plataformas de software especializadas para desenvolver, treinar e implantar modelos de IA em nedicina veterinária;
  • Infraestrutura de conectividade de dados que permita a integração de sistema de informação médica, registo de pacientes, entre outros. Desenvolver APIs para facilitar troca de dados entre sistemas;
  • Medidas de segurança cibernética (autenticação de usuários, controlo de acesso, etc,);
  • Educação sobre o uso das ferramentas de IA e resiliência das equipas;
  • Melhorar a prática clínica, os resultados em saúde animal, a qualidade de vida do paciente, mas também de todos os colaboradores e veterinários.

Que impacto pode ter a IA nos colaboradores?

Não há uma única resposta para esta questão. Uma vez que este é um tema relativamente recente na medicina veterinária, o receio por parte dos colaboradores e dos médicos veterinários tem o seu peso. “Dever-se-á ter em conta, que os algoritmos podem ajudar na tomada de decisão, mas não nos substituem. Ciência, empatia, compaixão, instinto, inteligência emocional, experiência são próprios do ser humano e não substituíveis por máquinas”, defende Joana Lourenço. Isto significa que os profissionais com “habilidades e soft skills continuarão com os seus postos de trabalho”. Como benefícios, a IA pode ajudar #a automatizar tarefas administrativas e operacionais rotineiras que tiram muito tempo e desgastam colaboradores, tais como, o agendamento de consultas, registos médicos, etc. Isto permite que os colaboradores se concentrem em atividades de maior valor, como o atendimento mais próximo aos animais e proprietários e diminua os níveis de stress vivenciados em muitos CAMV, tornando-se assim mais produtivos e eficientes”.

Outra das vantagens é a integração de IA na prática clínica através do desenvolvimento de habilidades e competências, “sobretudo com a utilização de sistema de informação e análise de dados, oferecendo, desta forma, crescimento profissional e expansão da carreira”. Ainda que seja necessária uma adaptação às mudanças para que os colaboradores aproveitem o que de bom a tecnologia pode oferecer, não a receando, Joana Lourenço defende que “é importante fornecer treino e suporte”.

Será essencial também a utilização responsável e informada por parte dos colaboradores. Tirar partido das novas tecnologias, ter formação e ter presente que também estas ferramentas têm limitações. “A decisão final é efetuada por um humano. Portanto, os conhecimentos sobre os limites de funcionamento terão de ser incorporados na prática e com formação clínica”, defende Rui Martins. Por um lado, os colaboradores necessitam de formação para esta nova fase de interação com sistemas e dispositivos inteligentes, mas sempre com a perspetiva de complementaridade, de adaptação. “Devemos encarar a IA como uma ferramenta auxiliar que nos permite poupar tempo na interpretação e decisão sobre os dados, mas que não substitui o conhecimento e experiência humana.”

José Gómez corrobora de esta opinião. “A utilidade desta tecnologia é inquestionável por diversas razões, entre as quais, a rapidez com que os resultados são recebidos, praticamente em tempo real, a disponibilidade 24 horas por dia e a possibilidade de obter resultados em situações em que não é possível a presença de um especialista para efetuar o diagnóstico, especialmente nos serviços de urgência.”

 “As opções atualmente disponíveis não requerem investimentos elevados e o retorno é relativamente fácil de obter com um volume de trabalho médio” – José Gómez, AniCura Ibéria

Será este um investimento com retorno ou inatingível? Joana Lourenço considera que “a utilização da IA é um investimento com muito retorno a médio/longo prazo, desde que os objetivos estejam bem delineados”. Já Rui Martins considera que a maior recuperação do que se investe não está diretamente ligada ao “tempo de  diagnóstico, eficiência de tratamento e seguimento dos pacientes, ou à medicina preventiva e que o maior impacto será notado quando existir uma abordagem sistemática à IA e à sua implementação, criada por equipas integradas de medicina veterinária e engenharia”.

Tudo depende do domínio em que a tecnologia é aplicada, defende José Gómez. “As opções atualmente disponíveis não requerem investimentos elevados e o retorno é relativamente fácil de obter com um volume de trabalho médio.”

Que limitações ou obstáculos?

Já referimos algumas questões éticas e legais que podem colocar-se no recurso à IA em medicina veterinária. Desde logo, a questão do proprietário dos dados. “Deve ficar estabelecido de quem são os dados, como eles são usados e gerenciados”, refere Joana Lourenço. Há que ter em consideração a confidencialidade e a segurança no que respeita às informações do paciente. Outra questão prende-se com a regulamentação dos produtos de IA para aplicações médicas em medicina humana e a sua regulamentação através de uma entidade própria dos EUA ou em outros países semelhantes. “Não existe um quadro regulamentar para a IA em medicina veterinária. A regulamentação será importante para o uso ético, responsável e direcionado, determinando assim o sucesso de IA em medicina veterinária”, sublinha, já que este processo demonstrou ser complicado em medicina humana.

O diretor médico da AniCura Ibérica José Gómez considera que a principal preocupação está relacionada com a fiabilidade dos algoritmos utilizados pelo sistema para fornecer diagnósticos exatos. “A segurança do tratamento dos dados sensíveis dos pacientes é outra das principais questões.” Os principais desafios atuais e a médio prazo “provêm dos exames de diagnóstico por imagem (Raio-X, ecografia, ressonância magnética e TAC). “A IA na medicina veterinária é um imenso campo ainda por descobrir.” Joana Lourenço partilha desta visão. “Os algoritmos de IA podem ser suscetíveis de viés, refletindo preconceitos nos dados, sendo importante implementar medidas para diminuir ou eliminar este viés, garantindo que os sistemas de IA sejam justos.”

Um dos maiores perigos diz respeito à possibilidade de ferramentas de IA serem desenvolvidas sem a participação de médicos veterinários devidamente capacitados para esta nova realidade, defende Rui Martins. “A participação não se deve resumir apenas à cura e ao registo da documentação clínica, mas deve envolver-se e compreender-se o processo de desenvolvimento, uso e participação ativa na validação dos sistemas.” Ao contrário do que acontecia no passado – em que as tecnologias de medicina humana eram adaptadas à veterinária, o investigador sénior considera que os propósitos da medicina veterinária devem ser criados de raiz para os propósitos da medicina veterinária, “dadas as especificidades das diferentes espécies de animais e seus contextos fisiológicos”.

Mas as limitações não ficam por aqui. Joana Lourenço considera que algumas responsabilidades críticas a serem consideradas são “o estabelecimento de casos de uso, responsabilidade fiscal quando as tecnologias da IA são adquiridas, suficientes infraestruturas (softwares ou hardwares), estabelecendo assim bons princípios de gerenciamento de dados. Outras a considerar são os testes de aceitação e implementação clínica”. Por outro lado, do lado dos tutores e clientes, há que equacionar a sua aceitação. O recurso a IA “deve ser apoiada pelo veterinário através da transparência e educação do mesmo”.  Para tal, o veterinário deve ser devidamente “capacitado e treinado nas ferramentas de IA e conseguir interpretar corretamente os resultados de IA em contexto clínico”.

A médica veterinária abriu um novo espaço, em maio de 2024, direcionado para os cuidados médicos em oncologia, um serviço especializado e direcionado ao animal oncológico, que pretende também dar apoio a outros colegas, como serviço de referenciação na mesma área. “A utilização de IA será uma aposta a curto prazo, com a predição de doença tumoral, monitorização de saúde e suporte à decisão clínica”, afirma.

Tecnologia desenvolvida pelo INESC TEC permite resultados em um segundo

“A maioria das tecnologias Point-of-Care (POC) tenta reproduzir e miniaturizar os testes existentes em laboratório por meio de reagentes e/ou reações específicas, como as tecnologias de ‘biochip’ ou ‘lab-on-a-chip’”, explica o investigador sénior do INESC TEC, Rui Martins. A tecnologia POC que desenvolvem no laboratório já pertence à era da IA. Mas, como funciona este sistema? “Através da utilização de IA dedicada para espectroscopia que garante a especificidade da informação que está a ser usada para a quantificação do constituinte da amostra. “

De momento, o POC está a ser usada para quantificar o hemograma em cães e gatos com apenas uma gota de sangue. “Os protótipos atuais já cabem no bolso de cada um de nós, ou seja, podemos andar com uma máquina de diagnóstico do hemograma para qualquer lugar, onde os resultados são obtidos em 1 segundo, e sem consumíveis, bastando para isso reutilizar o sistema de cápsulas ou lâminas.” Atualmente, a equipa está a trabalhar em conjunto com parceiros de medicina veterinária para estender as capacidades destes POC aos parâmetros da bioquímica sérica e urianálise.

A grande vantagem desta tecnologia, explica Rui Martins, é não utilizar consumíveis e/ou reagentes, sendo que os requisitos de utilização são mínimos, não necessitando de um laboratório ou condições especiais de utilização, podendo ser usada tanto em ambiente clínico como em trabalho de campo. “Pelo facto de não usar reagentes, ser reutilizável, e pelo baixo custo por análise, pensamos que vai ter um impacto muito importante na capacidade de monitorização, medicina preventiva e diagnóstico médico-veterinário.” O uso de apenas uma gota também vem simplificar a colheita de sangue e o bem-estar animal, reduzindo também o tempo despendido e a mão-de-obra, afirma.

 

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