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Hospital Veterinário de Loures: Tutores tranquilos, equipa motivada

Hospital Veterinário de Loures

Comemorou recentemente um quarto de século e a celebração trouxe uma mudança de imagem. O Hospital Veterinário de Loures já passou por várias mudanças rumo ao crescimento. Com uma equipa de 20 pessoas, a pandemia trouxe mudanças à gestão e o futuro pode trazer novos investimentos. Parar não é opção.

Como em qualquer hospital veterinário, a rotina não se instala. Na manhã em que a equipa da VETERINÁRIA ATUAL esteve em reportagem no Hospital Veterinário de Loures (HVL), as consultas sucediam-se, mas também os banhos e as tosquias e as cirurgias. Pertencente ao Grupo Veterinário São Francisco de Assis, que comemorou 25 anos de existência no final do ano passado, o rebranding foi uma das primeiras iniciativas de muitas que estão preparadas para 2022. Mesmo em tempo de pandemia, a celebração ligeiramente adiada no tempo pretende integrar todos aqueles que fizeram e fazem parte da história do grupo.

 

Mas recuemos ao início. A empresa foi criada em 1996 na Malveira com um consultório que só abria ao final do dia. A entrada da atual diretora clínica Sónia Moura acontece em 2004 e os investimentos sucederam-se, tanto em novos espaços, como em equipamentos. “Em 2010, adquirimos uma loja mais ampla e central e formámos um hospital veterinário na Malveira. Dois anos depois, criámos um consultório satélite em Loures.” Em 2014, inverteram a lógica para dar resposta às necessidades que os tutores e clientes iam apresentando. Assim, o grupo passou a contar com o Centro Veterinário da Malveira e o hospital veterinário passou para Loures porque se percebeu que as pessoas que vivem numa zona mais urbana têm maior resistência em ir para a Malveira. “Entretanto, em 2017, expandimos também este hospital e já temos duas lojas. Esperamos ter mais novidades em breve”, avança, sem detalhar pormenores.

Em jeito de balanço, a médica veterinária lembra os tempos em que o trabalho se dividia entre ela e uma auxiliar. Atualmente, a equipa conta com 20 pessoas, o que representou uma preocupação acrescida quando a pandemia chegou sem aviso prévio. “Sou uma pessoa otimista por natureza, mas fiquei muito preocupada. Pensei o que seria de nós e das 20 famílias que dependem deste trabalho”, conta. Não se ficou, porém, pelo sentimento de incerteza e de inquietação. “Como não era possível fazer uma previsão a médio – longo prazo, e achei que deveria encarar esta área de uma forma um pouco mais séria, fui tirar um mestrado em gestão empresarial no ISCTE.” Sónia Moura está a acumular esta formação com a especialidade em oncologia pelo Colégio Europeu.

 

A equipa divide-se em médicos veterinários a trabalhar a tempo inteiro e outros tantos a colaborar em regime de prestação de serviços, no que toca a consultas de especialidade (exóticos, cardiologia, comportamento, ortopedia, endoscopia, acupuntura, etc.), enfermeiros e auxiliares. Já são várias as gerações familiares que seguem os seus animais de companhia no HVL. “Em alguns casos, já temos clientes que pertencem à terceira geração e apesar de termos uma equipa grande e de trabalharmos por turnos, tentamos que os tutores se mantenham com o mesmo médico ainda que os sensibilizemos para o facto de ser vantajoso ser acompanhado por uma equipa multidisciplinar para ter acesso a outras perspetivas”, explica Sónia Moura.

Demover o tutor do caminho do sofrimento
 

É uma das premissas da prática clínica. O interesse da diretora clínica pela área de oncologia, quer ao nível de formação, quer em termos de consultas de primeira vez ou de segunda opinião, tem acompanhado o envelhecimento dos animais e o aumento da casuística. “Temos hoje mais pessoas predispostas a dar alguma qualidade de vida e a promover o bem-estar aos seus animais. Por vezes, os tratamentos não são assim tão caros como os tutores imaginam e também existem aqueles que querem apenas cuidados paliativos, mas pressupõe-se o devido acompanhamento contínuo. Temos de perceber muito bem o tutor e quais as suas expetativas”, salienta. Acima de tudo, acrescenta, “há que fazer perceber o que é a doença, quais as probabilidades de termos determinadas opções, ajudar os próprios tutores a tomar decisões e a respeitar o que decidirem. Tentamos sempre demover o tutor do caminho do sofrimento”, explica Sónia Moura.

 

“Temos hoje mais pessoas predispostas a dar alguma qualidade de vida e a promover o bem-estar aos seus animais” – Sónia Moura, diretora clínica

As instalações do hospital são tipicamente as de um CAMV: basta dar uns passos para percebermos que há uma nova sala ou um espaço mais escondido, mas bem aproveitado. À entrada e em alguns consultórios, frases alusivas ao bem-estar animal decoram as paredes e não deixam quem chega indiferente. Além da sala de espera separada para cães e gatos, o próprio internamento e os cuidados intensivos são divididos por espécies. Há ainda uma sala de internamento para exóticos e, no que respeita aos equipamentos disponíveis, o hospital dá resposta ao nível de análises, ecografia, Raio-X direto e ecocardiografia. Também os banhos e tosquias são cada vez mais procurados porque há uma maior preocupação com a estética. “Nós incentivamos e educamos os clientes para manter a higiene e o pelo saudável ao longo de todo o ano e acho que há cada vez mais esse cuidado. Os animais também estão mais em casa e esta é uma zona muito urbana, o que justifica a procura.” Foi o caso do Kuki que, no dia da reportagem da VETERINÁRIA ATUAL, até posou para a foto depois de passar pelas mãos da groomer Sandra.

Atualmente, a sintomatologia gastrointestinal é muito frequente durante a noite e, por vezes, também as convulsões. “Recebemos também casos muito desafiantes: as hemorragias, as torções do estômago e os acidentes. Depois, há alturas do ano mais específicas. Por exemplo, com as trovoadas surgem mais casos de epilepsia e consequências de gatos paraquedistas. As gastroenterites são mais frequentes no Natal e na passagem de ano recebemos também animais com problemas comportamentais”, revela a diretora clínica.

Durante a pandemia, a casuística tem sofrido algumas alterações, fruto do tempo que os tutores têm passado com os seus animais em casa. As próprias rotinas relacionadas com os serviços médico-veterinários mudaram muito. “Havia muita procura ao sábado, mas as pessoas já conseguem organizar-se e vir ao hospital durante a semana, devido ao facto de estarem em teletrabalho e terem maior flexibilidade ao nível de horários. Isso sente-se depois na procura das consultas.”

O desenvolvimento de consultas de telemedicina também tem sido uma boa aposta ainda que esta solução não se enquadre em todos os casos. Sónia Moura sente-se muito à vontade com esta nova modalidade sobretudo em casos de acompanhamento de determinado plano de tratamento. “Nestas situações, acaba por ser mais confortável para os tutores e para os próprios animais que ficam no seu ambiente e não têm de deslocar-se.” Sónia Moura assume que gostaria de continuar a oferecer o serviço de telemedicina, assim a Ordem dos Médicos Veterinários o permita. “Há casos que conseguimos seguir perfeitamente através de dispositivos eletrónicos.”

Relativamente aos problemas que mais foram surgindo, notou-se um aumento de doenças causadas por stresse nos animais, sobretudo nos gatos. “Recebemos mais cistites idiopáticas que requerem sempre uma primeira consulta, mas o acompanhamento pode ser feito a partir de casa. Tivemos pacientes para os quais foi um alívio os tutores voltarem para os seus trabalhos, mas outros passaram pela ansiedade de separação [após os períodos de teletrabalho decorrentes dos confinamentos].”

Um novo modo de trabalhar devido à pandemia?

No âmbito da tese de mestrado em gestão que está a desenvolver, Sónia Moura decidiu desenvolver um balance scorecard para veterinária, o que vai permitir ter uma mudança no atendimento que se fará sentir em breve no atendimento. Os tutores habitualmente dirigem-se ao hospital depois de uma marcação, mas há quem não marque e podem também surgir casos urgentes. “Com o objetivo de reduzir a ansiedade na sala de espera ou de avaliar se determinado caso é ou não urgente, o paciente vai passar a ser visto em triagem”, explica a diretora clínica. Baseado no sistema de triagem de Manchester à semelhança do que acontece em medicina humana, será atribuído um código de cores aos animais, consoante a gravidade, com o objetivo de melhorar o tempo de espera e atenuar a ansiedade dos tutores.

“Com o objetivo de reduzir a ansiedade na sala de espera ou de avaliar se determinado caso é ou não urgente, o paciente vai passar a ser visto em triagem [triagem de Manchester como em medicina humana] logo a partir do momento em que chega”, destaca a diretora clínica

Esta triagem será assegurada pelos enfermeiros que terão como responsabilidade decidir se o caso é urgente e deve seguir de imediato para tratamento ou se pode aguardar na receção e ser enquadrado nas consultas já previamente agendadas. Sónia Moura não esconde o entusiasmo: “Criámos um gabinete e protocolos internos com esse intuito pois uma das principais queixas dos clientes em inquéritos de satisfação que realizamos tem sido ao nível do tempo de espera.” Depois de instalado este balance scorecard, a médica veterinária vai avaliar os resultados obtidos.

Durante os períodos de confinamento e nesta pandemia de covid-19, Sónia Moura confessa que “foi muito bom sentir a energia e a união da equipa. Conseguimos gerir internamente tudo muito bem.” Desde logo, as colegas que estavam grávidas foram mais protegidas e ficaram em casa. “Fechámos a clínica da Malveira e mantivemos o hospital aberto em regime de urgências.” Ao grande espírito de organização, juntou-se o sentimento de partilha entre a equipa. “Tínhamos aquela sensação de sermos quase uns heróis porque as pessoas estavam em casa e nós tínhamos de prestar serviço e uma obrigação perante um vírus que não sabíamos o que era. Vínhamos trabalhar como se fôssemos para uma sala de cirurgia: com toucas, viseiras, máscaras e tivemos sempre imensos cuidados.” A organização entre todos foi natural e esteve muito presente. “Inscrevemo-nos desde logo para que o nosso ventilador fosse usado em medicina humana em caso de necessidade.”

As restrições às visitas mantiveram-se ao longo do tempo existindo um horário específico para tal. Mas também surgiram inovações que têm agradado aos tutores e vieram para ficar. “Por vezes, fazemos videochamadas por WhatsApp e esta é uma forma de reduzir a ansiedade. A partir do momento em que passámos a filmar e a partilhar vídeos, os familiares também passaram a estar mais confortáveis e tranquilos.” Sempre que possível, a equipa grava a hora da refeição ou o acordar de uma cirurgia. “Tentamos envolver a equipa nisto no sentido de todos os elementos perceberem que é muito importante o tutor receber notícias sobre os seus animais e que se o mesmo estiver tranquilizado, o nosso trabalho fica muito mais facilitado.”

O futuro neste virar de ano

“Há 20 anos havia um atraso muito grande no setor. Temos assistido a uma grande evolução da tecnologia e no mundo digital. Até mesmo ao nível de formação, há muito coisa que é possível realizar hoje de forma online”, explica a diretora clínica. Na especialidade que está a tirar no Colégio Europeu, consegue perceber a realidade vivida em cada país na área de oncologia. “Também percebemos que já não estamos tão atrasados e que estamos muito equiparados a outros países. A globalização garante-nos o acesso a informação de forma muito mais rápida e isso é incrível.”

Perante o desafio de se manter atualizada, aposta em estudar e saber mais. Gostava de assistir no futuro à existência de uma unidade de radioterapia para animais que ainda não existe em Portugal. “A mais perto que temos é em França, mas, por outro lado, conseguimos enviar casos facilmente, se o tutor mostrar esse interesse e disponibilidade.”

A aposta na comunicação e nas redes sociais é uma lacuna atual e que carece de desenvolvimento. “É uma preocupação nossa e estamos a pensar abrir uma vaga para um gestor de imagem e de marketing para comunicarmos melhor. Temos Facebook, Instagram, Tik Tok e Linkedin, mas esta é uma área que não está muito trabalhada internamente.” O site do grupo e do HVL também está a ser atualizado.

A diretora clínica não quer parar por aqui. Investir em novos equipamentos e instalações é uma prioridade. E isso passa também pela aposta nos elementos da equipa e na forma de estar na profissão. Há um desejo de vê-los evoluir, mas também a flexibilidade de os deixar sair e procurar novas oportunidades se assim o entenderem. Sem pressões. “Quando um determinado elemento da equipa acha que o melhor é sair, não vale a pena contrariar. Atualmente, estamos a assistir a uma fase em que três colegas decidiram regressar ao hospital depois de terem saído para viver outra experiência profissional.” É algo que Sónia Moura vê de forma muito natural e como necessária ao crescimento profissional. “Tudo depende da forma como encaramos as situações, mas quando isto acontece e há a vontade de voltar, é para mim um motivo de orgulho e de satisfação”, explica.

Sónia Moura pretende dar o exemplo à equipa de forma a manter todos os elementos motivados. “Vivemos os pequenos momentos e reagimos mais rapidamente às adversidades.” Sente-se hoje mais próxima dos colegas veterinários e considera que os problemas que surgem na classe se devem essencialmente a falta de comunicação. “Mas sinto que estamos hoje mais unidos”, conclui.

*Artigo publicado originalmente na edição n.º 156 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de janeiro de 2021.

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