O programa do VET Mental Summit, que decorreu a 14 de junho, incluiu duas conferências nas quais dois profissionais do coaching − Miguel Moura Esteves e Teresa Amoêdo Pinto − lembraram que há sempre uma componente individual que pode ser cuidada, fomentada e trabalhada na melhoria da saúde mental da comunidade veterinária.
No primeiro congresso dedicado à saúde mental da comunidade veterinária fez parte do programa a participação de coach’s, especialistas em desenvolvimento pessoal, que procuraram deixar à assistência composta por médicos veterinários, enfermeiros veterinários e assistentes algumas ferramentas que os pudessem ajudar a melhorar a forma como encaram os desafios diários das várias profissões.
Afinal, como começou por admitir Miguel Moura Esteves, “a gestão emocional é uma das competências que não treinamos, nem equacionamos, quando pensamos em dedicar-nos a esta profissão”. O médico veterinário – que se especializou em programação neurolinguística (PNL) e hoje é orador e formador na área da comunicação, gestão emocional e liderança – lembrou aos presentes que todos os profissionais acabaram o curso “sem estarem preparados para lidar com clientes difíceis, para lidar com colegas difíceis e com algumas partes inevitáveis da profissão, como são as eutanásias”, situações que exigem grande flexibilidade e capacidades de comunicação. Aliás, essas são, para o orador, duas das ferramentas mais importantes para lidar com as várias idiossincrasias da veterinária.
“Temos todas as condições, enquanto classe, para definir políticas, protocolizar questões e definir limites a partir dos quais não é aceitável trabalhar.” – Miguel Moura Esteves, coach
 
E para conseguir lidar com as dificuldades associadas ao dia-a-dia de consultórios e hospitais, é importante aprender a trabalhar a gestão emocional a nível individual, algo que o coach compara à medicina preventiva, pois só com essa regulação se pode prevenir o surgimento de patologias do foro mental. Para gerir as emoções, existem estratégias que podem ser adotadas, a começar pelo básico, que até pode ser o mais difícil, mas será um bom princípio: escolher uma boa alimentação, ter uma boa higiene do sono, praticar exercício físico e fazer práticas de mindfulness.
O médico veterinário apresentou outros exemplos práticos, como a utilização de um acrónimo simples que pode ser usado quando o profissional se sente mais assoberbado para tentar recuperar o controlo das emoções. STOP é o acrónimo e cada letra corresponde uma tarefa: “S” [stop] parar, “T” [take a break] tirar um momento para respirar, “O” para observar o que se passa no exterior e no interior ao nível das emoções, e “P” para prosseguir, idealmente já num outro estado de espírito e, sobretudo, com mais clareza de pensamento.
Este trabalho de análise individual é fundamental para conseguir identificar as emoções, os gatilhos que impulsionam as pessoas e a forma como reagem a cada um desses acontecimentos. No fundo, frisou Miguel Moura Esteves, é como se a pessoa fizesse “uma auto-anamnese e questionasse onde é que sente que a sua saúde mental não está como deveria estar, em que momentos o equilíbrio [emocional] está mais comprometido, se é nas competências profissionais, como por exemplo, nas cirurgias, se é com os clientes ou se é com os superiores”.
A partir do momento em que se consegue identificar os momentos em que sente maior fragilidade, é possível encontrar ferramentas para alterar o estado emocional que determinado acontecimento provoca no indivíduo.
O coach enumerou três ferramentas que podem ajudar a mudar o posicionamento perante as adversidades. A primeira é mudar os filtros com que olhamos para as situações. Por exemplo, sendo a classe veterinária muito focada no perfeccionismo, a perspetiva do erro é sempre encarada por estes profissionais como algo definitivo. “Quando nos enganamos atribuímos uma etiqueta – sou péssimo veterinário, devia dedicar-me a outra coisa – mas se mudarmos o filtro, podemos ver que podemos aprender com o erro. Se nos lembrarmos, as descobertas científicas começam com erros e, se mudarmos os óculos com que vemos essas situações, podemos passar a pensar que errar não existe, o que existe é feedback”, explicou o médico veterinário. E esta perspetiva mais empática é importante tanto para o julgamento individual, como para a forma como este vai olhar “com mais compaixão” para os colegas e para a profissão.
Outra estratégia que pode ajudar a encarar os momentos difíceis é a utilização do corpo para mudar os estados emocionais. Já está demonstrado que os exercícios de meditação, de mindfulness e o exercício físico podem ser uma ajuda para algumas pessoas. E nesta tentativa de usar o corpo para mudar as emoções, socorrer-se do acrónimo STOP também pode ser indicado, ou seja, fazer uma pausa para, utilizando a respiração abdominal, conseguir diminuir a frequência cardíaca e a pressão arterial que costumam estar alteradas nos estados de maior stresse e avançar com mais calma para uma nova perspetiva.
“Conheçam as ferramentas que existem e escolham as que acham que funcionam para vocês, porque existe também a necessidade de fazer um grande trabalho individual e a estratégia ideal é a que cada um decide para si próprio.” – Miguel Moura Esteves, coach
A terceira sugestão de Miguel Moura Esteves é recorrer à ancoragem. Cada pessoa consegue encontrar estímulos externos que estão associados a momentos de felicidade e plenitude: seja uma música, um aroma ou uma imagem. A ideia é, em momentos de maior dificuldade, recorrer a esses estímulos externos “que nos levam ao estado de espírito que queremos [alcançar]”.
Com o que ouviu enquanto assistiu ao encontro durante o dia e com as sugestões e dicas que deixou aos participantes, Miguel Moura Esteves acredita que “temos todas as condições, enquanto classe, para definir políticas, protocolizar questões e definir limites a partir dos quais não é aceitável trabalhar”, mas também deixou a mensagem de que cada profissional pode trabalhar as questões de saúde mental a nível individual. “Conheçam as ferramentas que existem e escolham as que acham que funcionam para vocês, porque existe também a necessidade de fazer um grande trabalho individual. A estratégia ideal é a que cada um decide para si próprio”, concluiu.
“Pequenas estratégias podem gerar uma grande diferença”
Teresa Amoêdo Pinto também começou pela medicina veterinária, mas em 2021 tornou-se coach de alta performance. A intervenção começou logo a chamar a atenção: se, eventualmente, o profissional identifica tramas que estão na base dos problemas que sente, é caso de procurar ajuda de profissionais de saúde mental.
Quando a situação é de organização mental, de rotinas ou de melhoria do desempenho profissional, então a resposta pode passar pelo trabalho de alta performance que também “pode ser visto como uma estratégia de prevenção do declínio da saúde mental”, sublinhou a oradora.
E para atingir resultados acima da média, de forma consistente, é preciso focar no treino e na preparação de todos os cenários possíveis, recorrendo, em primeira instância, às bases do trabalho da profissão. Cimentando as bases, tudo o resto tem menor probabilidade de falhar.
Se essa vertente já está segura, como dar o passo em frente para melhores resultados?
Teresa Amoêdo Pinto enumerou cinco estratégias práticas para alcançar os objetivos profissionais, e pessoais, de forma consistente. A primeira delas será a coragem. O que todos os profissionais pretendem é sentirem-se confiantes para alcançar determinado patamar profissional, mas “muitas vezes, quando não estamos seguros de alguma coisa, quando não temos confiança, é porque ainda não tivemos a coragem de a fazer previamente”, explicou a coach. Por isso mesmo, a oradora incentivou os presentes a saírem da zona de conforto, porque “é a partir do momento em que saímos da zona que conhecemos que passamos a ter coragem para enfrentar o que queremos” e a ter a confiança desejada.
“Muitas vezes, quando não estamos seguros de alguma coisa, quando não temos confiança, é porque ainda não tivemos a coragem de a fazer previamente.” – Teresa Amoêdo Pinto, coach
A segunda estratégia passa por alterar as crenças com que cada pessoa se rege, às vezes incutidas numa fase muito precoce da vida. Essas crenças, que limitam o progresso, podem ser de três tipos: de capacidade [eu não consigo], de conhecimentos [eu não sei] ou de identidade [eu não sou].
Se essas ideias não estiverem assentes em traumas que careçam de acompanhamento por profissionais de saúde mental, são crenças limitantes que podem ser transformadas em crenças positivas. Afinal, assegura Teresa Amoêdo Pinto, “o que enviamos para o cérebro é aquilo que vamos acreditar e se enviarmos uma mensagem positiva no nosso diálogo interno, é nisso que vamos acreditar”.
A coach abordou também o poder da influência. Primeiro foi perentória: “Não deem ouvidos a quem vos diz que não conseguem”. Contudo, sublinhou, tal como os outros têm a possibilidade de nos influenciar, cada pessoa também pode exercer influencia em quem a rodeia e, assim sendo, é preciso cada um entender o que quer oferecer ao círculo que o rodeia, para receber o que pretende e entender o que está disposto a fazer para que isso aconteça. Nesta troca diária das relações, a oradora lembrou que “temos de servir para ser servidos e quanto mais servimos com o coração, mais vamos receber”.
Outra estratégia para trabalhar a alta performance é melhorar a produtividade e neste item é imperativo ter claro o que se pretende fazer e o que se está a fazer que impede ser mais produtivo. No fundo analisar o que é preciso começar a fazer, o que é preciso parar de fazer e o que é preciso continuar a fazer para alcançar a meta pretendida.
Não obstante, Teresa Amoêdo Pinto alertou que nem sempre fazer mais é o melhor. “Quando as pessoas vos dizem que vocês dão tudo, fazem tantas horas extraordinárias, e mesmo assim estão com um sorriso na cara, isso, se calhar, não é um elogio. A produtividade tem a ver com a capacidade de gerar resultados, que têm de ser benéficos para a nossa saúde mental”, aconselhou a especialista, focando a importância do equilíbrio entre vida profissional e vida pessoal.
A terminar a lista de estratégias, a oradora frisou a importância da energia e das transições de energia. Cada pessoa deve pensar na energia que quer espelhar, na energia que quer receber e tentar fazer corresponder os comportamentos e as atitudes a esses objetivos.
Os conselhos ficaram para os médicos, enfermeiros e auxiliares, com a dica final de que “pequenas estratégias podem gerar uma grande mudança” na vida de cada pessoa.