O tema da saúde mental do profissional de veterinária tem-se mostrado cada vez mais urgente. A mentora do evento, Diana Lavareda, conta como nasceu a ideia de organizar este encontro, que pretende debater estratégias para melhorar o bem-estar de quem trabalha nesta área − uma das que apresenta maior risco de desenvolver ansiedade, burnout e até de cometer suicídio. O Vet Mental Summit é já em junho.
A ideia do Vet Mental Summit nasceu no final do ano passado. Têm sido muitas as conferências, as palestras e os workshops organizados em Portugal sobre a saúde mental dos profissionais que trabalham na área da medicina veterinária. Contudo, como explica Diana Lavareda à VETERINÁRIA ATUAL, foram sempre enquadrados em programas de encontros maiores e nunca tinha sido organizado um congresso único e exclusivamente dedicado à saúde mental da comunidade veterinária nacional. Este foi um dos motivos que levou a médica veterinária a delinear o encontro que irá decorrer no próximo dia 14 de junho no Vip Executive Art’s Hotel, no Parque das Nações, Lisboa.
O outro motivo para realizar encontro foi analisado recentemente no Vet Survey de 2021, no qual se concluiu que Portugal é o País do mundo com maior nível de stress na profissão veterinária. Perante o cenário, era claro para Diana Lavareda: “Precisamos urgentemente de um evento destes, então vamos fazer acontecer”.
O primeiro passo foi falar com o diretor clínico do centro de atendimento médico onde trabalha, Nuno Santos do Centro Veterinário de Alverca (CVA), que apoiou a ideia, e em janeiro começaram as ações para pôr de pé o Vet Mental Summit.
“O evento foi feito a pensar nesta urgência que é a saúde mental dos profissionais que trabalham na medicina veterinária”, reconhece a organizadora, explicando que a ideia passa por juntar “psicólogos especialistas em ansiedade e burnout para falar sobre os problemas de saúde mental, mas também para nos darem estratégias e ferramentas para conseguirmos identificar os primeiros sinais de alerta e não deixar as situações alastrarem-se até ao cenário de burnout”. O objetivo é que os participantes consigam identificar esses sinais e ganhem ferramentas para se protegerem dos momentos mais difíceis da profissão.
Até porque estas matérias da saúde mental na profissão e do desenvolvimento pessoal ainda passam ao lado da formação pré-graduada, mesmo sendo os médicos veterinários os profissionais que estão sempre nos lugares cimeiros das taxas de suicídio no Mundo. “Mais do que estar a resgatar as pessoas com problemas de saúde, devíamos apostar na prevenção logo na faculdade, por isso o evento também é direcionado para estudantes”, explica a organizadora, que acrescenta: “Eu mesma, quando era estudante não tinha noção do que era ser médica veterinária, que implicações a profissão teria na minha saúde mental e na minha saúde em geral porque ninguém nos alerta para isso”.
E depois de saírem dos bancos da faculdade também não faltam formações pós-graduadas dirigidas ao desenvolvimento das hard skills dos profissionais, que até estão “dispostos a trocar os horários” para melhorar as competências técnicas, mas, depois, quando é para melhorar as soft skills são poucas ou nenhumas as oportunidades, muito embora “se não estamos bem mentalmente não vamos conseguir aplicar as hard skills na nossa prática clínica diária”, reconhece a médica veterinária.
E como é notório que “não se valoriza a saúde mental na medicina veterinária”, a organização tem esperança que o Vet Mental Summit possa contribuir para que “no futuro haja uma mudança e esta área passe a ser tão valorizada como as outras áreas técnicas”.
Um programa para deixar cair o tabu da saúde mental
Quando começou a pensar no programa deste primeiro congresso, Diana Lavareda pensou em convidados que pudessem ajudar a “deixar cair este tabu” que ainda é a saúde mental. Os temas foram escolhidos pelos oradores, segundo o que achavam mais pertinente nesta temática.
A ideia passa por juntar “psicólogos especialistas em ansiedade e burnout para falar sobre os problemas de saúde mental, mas também para nos darem estratégias e ferramentas para conseguirmos identificar os primeiros sinais de alerta e não deixar as situações alastrarem-se até ao cenário de burnout”.
A manhã começa com duas palestras da psicóloga Manuela Peixoto. A primeira tem como tema “Burnout e Fadiga por Compaixão na área da veterinária – quando quem cuida também precisa de cuidados” e a segunda versará sobre “Bem-estar psicológico na comunidade veterinária – poderão os animais ensinarem-nos a viver no presente?”
Diana Lavareda explica o convite a Manuela Peixoto lembrando que a psicóloga conduziu “um estudo sobre a saúde mental na área da medicina veterinária e fazia todo o sentido ouvi-la, conhecendo ela bem os problemas de saúde mental da classe e tendo conhecimento dos dados estatísticos [do terreno]”.
Segue-se depois um momento de debate moderado por Gonçalo da Graça Pereira, embaixador do congresso (ver caixa), em que quatro profissionais da medicina veterinária vão dar o testemunho de quem já passou por dificuldades a este nível e a manhã de trabalhos termina com a palestra do psicólogo Hugo Zagalo sobre o tema “A Empatia Assertiva”. Segundo a organizadora, Hugo Zagalo “é um psicólogo que tem um podcast muito interessante e vem falar sobre o impacto da nossa personalidade no trabalho, até porque sabemos que, enquanto profissionais, há características que nos são comuns: somos naturalmente muito empáticos, mas pouco assertivos, o que tem consequências no nosso estado mental”.
A tarde começa com a palestra do NLP trainer Miguel Moura Esteves, que faz formação na área da gestão emocional, sobre o tema “Estratégias de Gestão Emocional na Medicina Veterinária” e segue com a intervenção da coach de alta performance Teresa Amôedo Pinto, médica veterinária que esteve muitos anos ligada à indústria farmacêutica veterinária, que irá falar sobre “Alta Performance – As Ferramentas que vão fortalecer o Mindset”.
No programa, segue-se a intervenção de Hugo Lopes, colega de Diana Lavareda no CVA, que irá falar sobre o tema “Os veterinários não andam a dormir, mas deviam! – Estratégias para minimizar o impacto dos turnos noturnos na saúde dos profissionais de saúde”. Segundo explica a organizadora, o colega fez um curso sobre as melhores formas de lidar com o trabalho por turnos e minimizar o impacto que estes têm na saúde dos profissionais e vai dar a conhecer essas estratégias.
O congresso termina com o debate “Saúde Mental em Medicina Veterinária em Portugal – qual a situação atual e que medidas estão e poderão ser adotadas para proteger os profissionais de saúde?” moderado pelo médico veterinário André Santos. O momento já tem confirmadas as presenças da representante da Ordem dos Médicos Veterinários, Sónia Miranda, da representante da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia (APMVEAC), Mafalda Gonçalves, e do representante do Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários, Hugo Lopes.
Este será aquilo que a Diana Lavareda chama de “evento piloto”, mas a médica veterinária não esconde que gostaria que este congresso “ganhasse terreno na medicina veterinária e se tornasse num evento anual”.
Dar a cara pela causa da saúde mental
Gonçalo da Graça Pereira abraçou o papel de embaixador do Vet Mental Summit porque, assegura à VETERIÁRIA ATUAL, só aceita “dar a cara e a voz por causas em que acredito, por causas em que juntos podemos marcar a diferença”.
O especialista europeu diplomado pelo Colégio Europeu de Bem-Estar Animal e Medicina Comportamental lamenta que, sendo a saúde mental na medicina veterinária um tema que há muito é debatido no estrangeiro, Portugal “esteja a cair nos erros que já se caiu no passado noutros países que é falar no assunto pela negativa”. Debate-se a depressão, a ansiedade, o burnout ou o suicídio entre os profissionais de medicina veterinária, mas na opinião do embaixador “não nos devemos focar apenas nos dados negativos porque a nossa profissão tem coisas lindas e é com o foco nesse lado positivo que vamos conseguir manter a nossa saúde mental”.
Gonçalo da Graça Pereira está convencido de que o congresso irá proporcionar aos profissionais ferramentas para reconhecerem os sinais de alerta de desgaste emocional e procurarem ajuda antes que aconteça alguma situação limite. “Tal como, na medicina do comportamento e bem-estar animal, onde aconselho todos os dias os tutores a prevenirem os problemas de comportamento, também nós, enquanto profissionais, devemos prevenir os problemas de saúde mental”, sublinha.
O embaixador do evento está entusiasmado com a mesa que irá moderar no encontro sobre “Burnout, ansiedade e depressão na primeira pessoa: conversa aberta com 4 colegas” pois, lembra, “é a primeira vez que ocorre em Portugal” um debate em que as pessoas vão falar da experiência individual. “Vai ter momentos muito sensíveis porque, inevitavelmente, as pessoas vão reviver os momentos que passaram”, diz, mas assegura que quer “quebrar o tabu e ir buscar quem fale na primeira pessoa e procurar saber como estas pessoa conseguiram dar a volta por cima, estar ali a falar deste momento marcante na vida delas, porque algumas das pessoas que vão estar a acompanhar podem estar a passar por algo semelhante em silêncio e isso é o pior”. Gonçalo da Graça Pereira acredita que conseguirá com o debate desmistificar a ideia de que “procurar ajuda ainda é um ato de fraqueza, mas, na realidade, é o maior ato de coragem”, remata.