Além das habilidades técnicas, ser médico veterinário nos Açores exige a superação das limitações impostas pela insularidade. Luciano Costa, diretor clínico da Clínica Veterinária de São Pedro, em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, partilha os desafios e as conquistas desta jornada. Desde a evolução estrutural até à incorporação de tecnologia de ponta e a integração no OneVet Group há três anos, a clínica destaca-se pela inovação e pelo espírito de equipa que a torna uma referência no arquipélago.
Natural de Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, Açores, o médico veterinário Luciano Costa licenciou-se na antiga Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, em 1994. Após a conclusão do curso, regressou à sua terra natal, onde iniciou um percurso profissional focado nas espécies pecuárias e, durante cinco anos, dedicou-se a essa área, vivendo de perto os benefícios do meio natural das paisagens açorianas. No entanto, revela que, com o tempo, o caráter rotineiro da medicina pecuária começou a perder o encanto. “É muito agradável trabalhar neste meio natural dos Açores, andar no campo, fazer partos a ver o nascer e o pôr do sol… Tudo isto era muito cativante e senti-me extremamente realizado durante esta fase. No entanto, depois de vivenciar essas rotinas inúmeras vezes, percebi que a pecuária apresentava desafios mais limitados. Nessa altura, começaram a surgir outros interesses e descobri no cuidado com os animais de companhia um campo em constante evolução e uma nova perspetiva de desenvolvimento. Além disso, a coordenação de uma equipa trouxe-me uma nova motivação, um desafio que, até hoje, continua a entusiasmar-me”, conta o diretor clínico da Clínica Veterinária de São Pedro à VETERINÁRIA ATUAL.
Foi com essa visão que, em 1997, juntamente com um colega, abriu um pequeno consultório veterinário. A resposta da comunidade mostrou-se positiva e a clientela foi aumentando, o que motivou a necessidade de expandir os serviços. Para o efeito, investiram na construção de um espaço de raiz, que evoluiu gradualmente em estrutura, qualidade de atendimento e número de profissionais.
O que começou com apenas dois médicos veterinários e uma auxiliar rececionista transformou-se numa clínica de referência na região. Hoje, 28 anos depois, a Clínica Veterinária de São Pedro conta com uma equipa de 16 profissionais, composta por oito médicos veterinários, duas enfermeiras, três auxiliares e três rececionistas.
Há três anos, a clínica deu mais um passo ao integrar-se no One Vet Group, um dos principais grupos veterinários em Portugal. Esta mudança permitiu consolidar a aposta na qualidade dos serviços prestados, garantindo acesso a tecnologia mais avançada e a uma rede de conhecimento que pretende fortalecer ainda mais a medicina veterinária na região.
“Ficamos muitas vezes no meio: temos a indicação, sabemos o que seria ideal fazer, mas nem sempre é possível. A nossa missão é dar o maior número de respostas possíveis, embora haja situações que, por falta de meios ou volume de casos, ultrapassam a nossa capacidade local.” – Luciano Costa, diretor clínico da Clínica Veterinária de São Pedro
O que mudou?
Quando o OneVet Group abordou a direção clínica da Clínica Veterinária de São Pedro, reconheceu o valor do trabalho desenvolvido, mas trouxe novas perspetivas de crescimento. “Achávamos que estávamos a fazer bem o nosso trabalho e, quando nos reunimos para planear o futuro, basicamente disseram-nos: ‘Continuem exatamente como estão, porque estão a fazê-lo bem’. No entanto, veio também uma visão ainda mais ambiciosa de desenvolvimento”, refere o diretor clínico.
Três anos volvidos após a integração no grupo, as mudanças são evidentes: o espaço foi renovado e o número de consultórios duplicou — um objetivo há muito desejado. “Tínhamos uma elevada procura e, muitas vezes, não conseguíamos dar resposta devido à limitação de consultórios”, denota o responsável. Além disso, foram adquiridos novos meios de diagnóstico e, no início deste ano, a clínica passou a contar com um equipamento de tomografia computorizada (TAC), o único disponível no Grupo Central do Arquipélago dos Açores. De acordo com o diretor clínico, a possibilidade de realizar tomografias representa um avanço significativo para a clínica e para toda a região. “Agora conseguimos prestar um serviço essencial à ilha e acolher animais vindos de outras ilhas que, devido à falta de recursos locais, não poderiam receber determinados tratamentos.”
A insularidade [ver caixa] coloca desafios únicos e a clínica tem sido um ponto de referência para tutores de várias ilhas, respondendo a esses desafios. “Na semana passada, recebemos uma gata vinda da ilha das Flores. O tutor trouxe-a sem saber exatamente o que se passava e confiou-nos a sua avaliação e tratamento. Ter os meios para diagnosticar e tratar estes casos é muito gratificante, tanto pelo impacto que tem na vida dos animais como pelo apoio que conseguimos dar a quem, de outra forma, teria poucas alternativas.”
“Temos um ambiente de trabalho muito positivo, com grande entreajuda e disponibilidade. Há um verdadeiro espírito de equipa e isso torna-nos mais fortes. Esta coesão é, sem dúvida, um fator decisivo para o nosso crescimento.” – Luciano Costa, diretor clínico da Clínica Veterinária de São Pedro
Tour pela Clínica Veterinária de São Pedro: tecnologia, formação e equipa
A Clínica Veterinária de São Pedro tem crescido de forma sustentada e hoje é uma referência no Grupo Central dos Açores. Um dos marcos mais significativos, como referido anteriormente, foi a instalação da TAC, que veio revolucionar a capacidade de diagnóstico da unidade.
A clínica duplicou recentemente o número de consultórios, passando de dois para quatro, para responder de forma mais eficaz ao aumento da procura e garantir melhores condições tanto para os clientes como para a equipa médica. Este crescimento físico foi também acompanhado por um investimento contínuo na qualificação dos profissionais.
Além disso, a clínica adota um modelo baseado em áreas de interesse, promovendo a diferenciação interna entre os elementos da equipa. “Temos colegas mais focados em medicina interna, com pós-graduações nessa área e também em oncologia. Eu próprio estou mais vocacionado para cirurgia e ortopedia. Outros colegas dedicam-se à ecografia e à ecocardiografia e há quem esteja mais centrado na dentisteria — temos inclusivamente um raio-X dentário a funcionar — e também um colega que se dedica particularmente à oftalmologia”, explica o diretor clínico. Esta organização interna permite que, em casos mais específicos, os profissionais recorram uns aos outros, potenciando o trabalho colaborativo. “Não temos especialidades formais, mas criámos um sistema de complementaridade entre áreas de interesse que funciona muito bem”, sublinha.
Além da tecnologia e da organização clínica, a força da equipa é apontada como um dos principais pilares do sucesso. “Temos um ambiente de trabalho muito positivo, com grande entreajuda e disponibilidade. Há um verdadeiro espírito de equipa e isso torna-nos mais fortes. Esta coesão é, sem dúvida, um fator decisivo para o nosso crescimento”, destaca.
A mudança para uma nova infraestrutura com 600 m² de área foi outro passo marcante. De um espaço arrendado, a clínica passou a dispor de instalações desenhadas de raiz. “Sempre acreditámos que valia a pena investir em quem precisava dos nossos cuidados. E o retorno tem sido sempre muito positivo. Sentimos, todos os dias, que estamos a retribuir à comunidade a confiança que depositam em nós.”
“Queríamos que todos os colegas tivessem acesso ao mesmo conhecimento em simultâneo, por isso chegámos a contratar formadores para virem à ilha e darem formação ao fim de semana. Era a única forma de todos receberem o conhecimento ao mesmo tempo e o conseguirem aplicar de forma imediata nas consultas.” – Luciano Costa, diretor clínico da Clínica Veterinária de São Pedro
Acompanhar o ritmo da mudança
Num contexto onde o reconhecimento social nem sempre acompanha a real dimensão do papel do médico veterinário, Luciano Costa partilha a sua visão sobre a valorização da profissão na região e os desafios que se colocam no presente e no futuro. “Os médicos veterinários são, de forma geral, bastante respeitados. Mas esse respeito ainda está muito associado ao cuidado direto com os animais, mais do que à perceção do nosso papel, por exemplo, no conceito de One Health”, começa por explicar.
A abordagem de Um Só Saúde — que defende a integração entre a saúde humana, animal e ambiental — ainda não é, na sua opinião, suficientemente reconhecida de forma transversal. “Enquanto formos apenas nós, os médicos veterinários, a falar de One Health, parece que estamos a justificar a nossa importância, quando na verdade esta abordagem devia ser compreendida e promovida por toda a sociedade”, sublinha.
Essa falta de entendimento mais alargado, segundo o clínico, limita a evolução da profissão e o investimento necessário nas suas funções, na medida em que, sem essa consciência coletiva, fica mais difícil implementar “estratégias preventivas que protejam também a saúde pública”.
Apesar dos desafios, Luciano Costa mostra-se motivado e realizado com a sua trajetória. “Eu realizo-me todos os dias. Sempre que conseguimos diagnosticar, prevenir ou tratar com sucesso, estamos a dar resposta às necessidades do animal, do tutor, e ao mesmo tempo a sentir que estamos a fazer a diferença.”
O diretor clínico destaca ainda a importância de honrar o investimento feito pelo OneVet Group. “Esse apoio deu-nos meios para crescer e formarmo-nos continuamente. E a melhor forma de retribuir é garantir que o nosso trabalho tem qualidade e acompanha os novos tempos. Tudo está a mudar muito rapidamente, a forma como se encaram os animais, a forma como os colegas das novas gerações pensam e se apresentam no trabalho… E mesmo a componente científica da medicina veterinária evolui muito rapidamente.”
Neste contexto, reforça que o foco deve estar em manter-se constantemente atualizado, evitando a estagnação e continuando a retirar um verdadeiro “sentimento de gratificação do exercício da profissão”.
Ser médico veterinário nos Açores: os desafios e a resposta à insularidade
Ser médico veterinário na ilha tem contornos muito próprios — é um exercício de superação para ultrapassar as limitações impostas pelos 1.600 km que separam o arquipélago do continente — e Luciano Costa conhece bem esse caminho.
A insularidade impõe desafios logísticos e formativos: deslocações para formações no continente implicam viagens de avião, estadias prolongadas e tempo ausente da prática clínica. O diretor clínico explica que, durante anos, isso dificultou o acesso a atualizações científicas e técnicas por parte das equipas locais. “Queríamos que todos os colegas tivessem acesso ao mesmo conhecimento em simultâneo, por isso chegámos a contratar formadores para virem à ilha e darem formação ao fim de semana. Era a única forma de todos receberem o conhecimento ao mesmo tempo e o conseguirem aplicar de forma imediata nas consultas”, revela.
No entanto, com a evolução tecnológica, o cenário começou a mudar. A oferta crescente de webinars e formações online veio democratizar o acesso ao conhecimento e atenuar as limitações da distância. Ainda assim, há situações em que a deslocação física continua a ser necessária, sobretudo para formações práticas ou altamente especializadas.
Outro grande desafio é a referenciação de casos clínicos mais complexos para o exterior da ilha. Luciano Costa dá como exemplo as cirurgias de cataratas, que exigem meios técnicos e rotinas altamente especializadas que não estão disponíveis localmente. Nestes casos, os tutores dos animais nem sempre têm capacidade financeira para suportar os custos de deslocação e estadia, o que restringe o acesso a determinados tratamentos. “Ficamos muitas vezes no meio: temos a indicação, sabemos o que seria ideal fazer, mas nem sempre é possível. A nossa missão é dar o maior número de respostas possíveis, embora haja situações que, por falta de meios ou volume de casos, ultrapassam a nossa capacidade local.”
*Artigo publicado na edição 192, de abril, da VETERINÁRIA ATUAL