Nas XLVII Jornadas Médico Veterinárias, que a Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina Veterinária organizou em março passado, Pedro Carreira apresentou aos discentes um caminho profissional percorrido por poucos depois de completada a formação académica: a medicina veterinária em explorações pecuárias.
O médico veterinário falou das mudanças que tem testemunhado no terreno e de como estas vêm influenciando a prática clínica dos médicos veterinários nas explorações.
“Diagnóstico em Suinicultura: armas e desafios” foi o título da conferência de Pedro Carreira, clínico de espécies pecuárias e consultor para as áreas de suinicultura e bovinicultura, durante a qual procurou mostrar aos participantes como é a vida de um médico veterinário que se dedica aos animais de produção.
E começou logo por reconhecer que esta área “é um dos parentes pobres da medicina veterinária”, a tal ponto de a “suinicultura meter muito pouca gente nova a trabalhar”. Afinal, o foco de quem está nos bancos das faculdades de medicina veterinária ainda continua muito apontado para a clínica de pequenos animais de companhia.
Ainda assim, este é um setor que tem evoluído muito nas últimas décadas e onde a inovação tanto técnica, como profissional tem vindo a transformar por completo a prática clínica no terreno. “A suinicultura hoje em Portugal é muito diferente do que era há 25 ou 30 anos quando comecei a trabalhar”, admitiu o orador, exemplificando, em primeiro lugar, com o tamanho das explorações, cada vez de maior dimensão e com maior número de animais, mas também com uma especialização dentro do trabalho de produção – dedicação unicamente a animais para reprodução ou à engorda de animais para consumo, por exemplo – e, em segundo lugar, uma automatização tecnológica dos equipamentos utilizados para monitorização da produção, da saúde e do bem-estar animal.
Os profissionais da medicina veterinária têm, naturalmente, de se adaptar a essas transformações com implicações na clínica, mas também à evolução que o setor empresarial dos animais de produção registou. O orador reconheceu que existe uma maior “profissionalização e formação dos suinicultores” que tem crescido significativamente nos últimos anos, sobretudo com a chegada das gerações mais jovens à gestão da produção animal. “Hoje temos pessoas bastante especializadas e formadas [na suinicultura] e temos de os acompanhar porque suinicultores mais exigentes também demandam mais dos nossos serviços”, contou o médico veterinário.
  “Hoje temos pessoas bastante especializadas e formadas [na suinicultura] e temos de os acompanhar porque suinicultores mais exigentes também demandam mais dos nossos serviços” – Pedro Carreira, clínico de espécies pecuárias
As mudanças têm-se observado igualmente no tipo de agentes infeciosos que afetam os animais de produção. Os antigos agentes começaram a interagir com os novos, criando desafios no diagnóstico e no maneio dos animais e resta aos profissionais “tentar compreender o mais rapidamente possível quais são os fatores determinantes que estão a causar o problema que temos de resolver”.
E os desafios são diários e constantes, pois no sistema de produção intensiva [ver caixa] “há, naturalmente, grande densidade de animais. E apesar de se cumprir com a legislação [de bem-estar animal], não deixam de estar juntos num determinado espaço fechado, o que faz com que a patologia infeciosa seja predominante”, descreveu o médico veterinário.
Ferramentas essenciais para visitas de campo: olhos, nariz, ouvidos, papel e caneta
À sala composta por alunos, Pedro Carreira falou também de como é a vida do profissional aquando das visitas às explorações. Neste ponto começou por salientar a importância da anamnese ao animal que, se realizada segundo os mandamentos das boas práticas clínicas, conduz com facilidade o clínico ao diagnóstico. E pensar sempre que ver só um animal é pouco para tirar conclusões, sendo importante avaliar cuidadosamente o maior número possível de elementos.
A par da observação dos animais é também fundamental conhecer bem a exploração em causa, porque saber que tipologia de trabalho realiza – se é uma maternidade ou uma unidade de engorda de efetivos – determinará o leque de doenças que podem afetar os animais e torna o profissional mais atento a eventuais sinais manifestados pelos efetivos.
“E temos também de ter em conta os trabalhadores da exploração. Devemos conhecer os seus hábitos, saber se é um trabalhador fiável, porque isso vai ajudar a chegar ao diagnóstico”, acrescentou o médico veterinário. E deu um exemplo: existem hoje muitos trabalhadores da Europa de Leste nas explorações e é preciso saber se vão de férias ao país Natal, em localizações que são afetadas pela Peste Suína Africana (PSA), podendo esses trabalhadores serem agentes disseminadores desta doença tão nefasta para a suinicultura em território nacional.
Durante a visita é essencial estar vigilante aos sinais e sintomas observados nos efetivos, em que idades, em que localização estão na exploração e ter sempre o cuidado de verificar os registos realizados pela unidade para tentar perceber onde está o foco da doença ou os possíveis problemas de maneio na vida da exploração.
“Por cada erro que se comete por não saber, cometem-se 10 por não se observar” é um adágio pelo qual Pedro Carreira rege os seus dias no terreno, salientando a importância das visitas, das conversas com trabalhadores e produtores e, sobretudo, de usar os sentidos para perceber como as coisas estão a correr na prática de maneio dos efetivos.
Aliás, muitos dos problemas registados na saúde dos animais provêm de dois parâmetros simples, mas que são os mais importantes: a alimentação e a água. “Às vezes na visita, o profissional concentra-se na avaliação dos animais e passa por cima destes dois elementos fundamentais para a saúde do animal. Se tem comida suficiente, se existe água em quantidade suficiente e, muito importante, qual o débito [de água oferecido aos animais]”. Coisas simples como ter o bebedouro demasiado alto para os animais, embora já exista regulamentação para este ponto, ou ter um débito de água insuficiente pode determinar, por exemplo, que as porcas a amamentar entrem em cio nas maternidades.
E nunca esquecer: ao entrar nos vários setores ouvir e cheirar o ambiente. São sentidos importantes para avaliar os gases e a ventilação das instalações.
“O [termo] intensivo tem sido uma palavra usada de forma negativa nos últimos anos e, por isso, dentro do mesmo conceito, prefiro chamá-los de centros otimizados [de produção]” – Pedro Carreira, clínico de espécies pecuárias
Na perspetiva do orador, apesar de todos os avanços registados na prática clínica de animais de produção, a par dos sentidos existem duas armas antigas que não dispensa no terreno: o papel e caneta para as anotações ao longo da visita. É certo que o telemóvel e o tablet podem ser bons substitutos e muito úteis em alguns momentos no terreno, mas há explorações que não veem com bons olhos a entrada destes materiais de fora e, por esse motivo, Pedro Carreira ainda considera fundamental ter sempre à mão materiais que permitam registar todos os momentos e informações sobre as condições das instalações e sobre os achados de saúde dos animais observados. Confiar apenas na memória não é uma estratégia que recomende a quem inicie carreira neste setor, palavra de quem tem décadas de experiência.
“O intensivo tem sido uma palavra usada de forma negativa nos últimos anos”
Os olhos da sociedade estão cada vez mais atentos à forma como os animais são tratados nas explorações pecuárias e as preocupações com o bem-estar têm ganho espaço tanto no debate público, como nas cúpulas de decisão política.
Nessa medida, Pedro Carreira tem hoje mais atenção às terminologias que usa. “O [termo] intensivo tem sido uma palavra usada de forma negativa nos últimos anos e, por isso, dentro do mesmo conceito, prefiro chamá-los de centros otimizados [de produção]”, explicou.
A ideia passada para a sociedade é que um centro de produção intensivo implica criar animais dentro de um espaço fechado, algo hoje visto de forma negativa, de pessoas que estão a “a explorar animais”. Por esse motivo, o médico veterinário prefere o termo centros otimizados de produção pois “dado o aumento da população mundial, não resta outra alternativa a não ser fazer a otimização da produção [animal] e não tenho dúvida nenhuma que o futuro passa por produzir mais a partir de um determinado animal, que vai consumir a mesma quantidade de recursos, mas com o menor impacto ambiental possível e salvaguardando o seu bem-estar”, esclareceu.