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Ciências veterinárias forenses: O lado invisível de uma luta desigual

É um trabalho, muitas vezes, silencioso e discreto, mas que envolve uma grande equipa e a colaboração de várias entidades e organismos. Na medicina veterinária forense, todos os profissionais contam e os mais variados pormenores importam. É preciso consciencializar a população em geral e as entidades policiais para os crimes contra animais, mas também promover maior formação. Todos os cidadãos podem ajudar a responder a este problema e só se consegue justiça se cada um fizer a sua parte.

A aprovação da lei sobre a criminalização dos maus-tratos a animais, em 2014 e o novo estatuto jurídico dos animais, em 2017, reforçaram o tema, mas a medicina veterinária forense já se realiza há muitos anos. Talvez a grande mudança tenha sido, nos últimos anos, o aumento crescente de casos que são denunciados e alvo de processo-crime. Quem o defende é Isabel Pires, diretora do Laboratório de Histologia e Anatomia Patológica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e do Departamento de Ciências Veterinárias na mesma universidade. “Se por um lado, se assiste a uma maior consciencialização da população em geral, por outro, tem havido a aposta na formação dos vários intervenientes, a promoção de ações de formação conjuntas e concertadas entre os mesmos com o objetivo de uniformizar procedimentos, assim como uma maior rapidez na atuação de todos”, afirma.

 

No entanto, a alteração legislativa que veio validar os maus-tratos animais como crime obriga a responder a “interessantes e exigentes desafios ao nível da reorganização dos laboratórios de Anatomia Patológica”, explica Hugo Pissarra, professor convidado de Anatomia Patológica I e II e Patologia Geral da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa (FMV-ULisboa). No caso concreto do Laboratório de Anatomia Patológica desta Faculdade, o dia-a-dia “estava essencialmente centrado no apoio à prática clínica médico-veterinária através do diagnóstico morfológico das várias doenças, pela observação de biópsias e peças operatórias e também com a realização das necrópsias anátomo-clínicas”, acrescenta o também vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Patologia Animal (SPPA).

No âmbito da medicina veterinária forense, foi possível passar a realizar “necrópsias médico-legais em que, além da causa e mecanismo da morte, importa também estabelecer a causa jurídica da mesma, estabelecendo assim uma estreita colaboração com a Justiça, designadamente em sede de investigação criminal na prossecução da verdade material dos factos em causa”, sublinha Hugo Pissarra, que descreve este trabalho como “um trabalho silencioso, sem ruído e discreto, mas fruto de uma pequena equipa de profissionais experientes e rotinados”. A título de exemplo, no laboratório da FMV-ULisboa realizaram-se cerca de 400 necrópsias médico-legais desde 2015.

 

Sandra Branco, médica veterinária e professora auxiliar do Departamento de Medicina Veterinária da Escola de Ciências e Tecnologia e responsável pelo Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital Veterinário da Universidade de Évora (HVetUE) destaca principalmente a maior perceção da sociedade relativamente aos maus-tratos para com os animais de companhia e as espécies silvestres protegidas. Mas não só. Também “uma maior preocupação das autoridades policiais e judiciais (no fundo, estatais) em regulamentar os crimes para com animais”. Assim, a evolução a que se tem assistido nos últimos quatro a cinco anos foi, na sua opinião, marcante “e despoletou um elevado número de casos que deram entrada nos tribunais, o que, infelizmente, não é sinónimo de acusações. Mas, pelo menos, foram instaurados os processos”.

“O ensino da medicina veterinária forense está a ser formalmente integrado nos curricula das várias universidades onde é lecionado o Mestrado Integrado em Medicina Veterinária, o que constitui um ganho formativo muito importante para os futuros médicos veterinários” – Hugo Pissarra, FMV-ULisboa

 

Também Justina Prada Oliveira, professora auxiliar com agregação e vice-diretora do Hospital Veterinário da UTAD (HVUTAD) concorda com a colega de Évora e tem assistido a uma maior sensibilização dos médicos veterinários para o tema, acompanhada de maior formação e informação nesta área. “A classe tem estado à altura dos novos desafios e demandas da sociedade no que respeita ao bem-estar animal. É de destacar ainda o grande trabalho das autoridades policiais no processamento dos casos de animais vítimas de maus-tratos”, afirma.

 

Todas as etapas importam

Neste processo que pode ser longo, existem vários procedimentos a integrar as ciências veterinárias forenses. A professora Isabel Pires costuma explicar aos estudantes, quando a acompanham numa necrópsia forense, a importância de identificar e controlar os procedimentos que possam ser pontos críticos, ou seja, que possam comprometer o trabalho. “É preciso conhecer esses pontos críticos para evitar erros irreversíveis. O maior pesadelo do investigador forense é que não haja admissibilidade das provas em tribunal.”

Todas as fases e todos os intervenientes desempenham um papel fundamental para o sucesso da investigação criminal. “Claro que cada interveniente é responsável pela evidência [entende-se por evidência tudo o que é recolhido na cena do crime, o animal e todas as amostras, incluindo as fotografias] quando a mesma está a seu cargo”, explica a diretora do Departamento de Ciências Veterinárias da UTAD. Qualquer procedimento relacionado com a evidência de uma suspeita de crime, “como a colheita, transporte, receção, manuseamento, armazenamento e transferência da evidência ou amostras da mesma, deve seguir uma Cadeia de Custódia da Prova que identifica todo o percurso da mesma e o responsável de cada etapa”.

Sandra Branco trabalha especificamente com necrópsias forenses e, nestes casos, sempre que existe uma queixa em algum órgão de polícia criminal (PSP ou GNR) ou diretamente no Ministério Público (MP), com base na suspeita de uma morte de origem violenta (ou seja, não natural), se o MP encontrar indícios para dar início ao processo, este é despoletado, iniciando-se com o pedido da necrópsia para averiguar as causas da morte, contextualiza. “Após este processo – realizado em instituições devidamente habilitadas – e o envio do relatório para o MP, este agirá em conformidade. Relativamente às espécies silvestres protegidas, o esquema é semelhante, embora muitas vezes, os cadáveres sejam encontrados diretamente pelas brigadas da GNR especializadas, como é o caso do SEPNA – Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente” sublinha.

Existem ainda outras instituições e profissionais que podem ajudar em todo o processo, como sejam, os operacionais da polícia criminal, a PSP com o Programa de Defesa Animal, mas também os médicos veterinários municipais que estão no terreno (que convivem diariamente com situações críticas de maus-tratos a animais) e os patologistas veterinários forenses. “Em situações específicas, os colegas dos CAMVs podem também ser intervenientes, e, para além do tratamento, têm um papel importante na avaliação das lesões, da dor e do sofrimento do animal”, acrescenta Isabel Pires.

E serão os médicos veterinários generalistas capazes de responder a diligências necessárias em casos de crimes? «Os médicos veterinários possuem uma formação científica muito forte e alargada e estão preparados para responder a vários problemas técnicos com que se deparam no seu dia-a-dia”, explica Hugo Pissarra. Claro que a medicina veterinária forense tem as suas especificidades, mas o professor está certo de que os colegas saberão adaptar-se às solicitações requeridas. “Faz mesmo parte do seu ADN! A prova disso foi a adaptação dos Serviços de Anatomia Patológica à realização de necrópsias forenses, com excelentes resultados.” Claro que quem denuncia acaba por ser um elemento essencial em todo o processo.

Sandra Branco considera que existe ainda falta de formação, especialmente dirigida aos médicos veterinários municipais. “No que respeita à realização de exames post-mortem, as instituições e os colegas que estão habilitados para o fazer, fazem-no com a maior competência e recorrem sempre a mais formação”.

Destaca-se ainda um vasto conjunto de disciplinas a integrar as ciências forenses veterinárias, cada uma com o seus conhecimentos e procedimentos próprios. E, neste caso, inserem-se várias áreas, como já referido, como é o exemplo da patologia forense, à qual se dedica Hugo Pissarra, em concreto à tanatologia forense, que se centra, como explica o próprio “na realização de exames no cadáver para determinação da causa e circunstâncias da morte. Existe igualmente a toxicologia forense que se dedica à investigação e determinação de agentes tóxicos”. Por seu lado, refere ainda a clínica forense dedicada aos exames clínicos realizados no animal vivo vítima de crime e a entomologia forense que é responsável pelo estudo dos insetos presentes no cadáver”. O professor refere ainda a genética e biologia forense, a balística, a odontologia forense, entre outras áreas. “Todas elas trabalham em conjunto e são fundamentais para a obtenção da prova.”

Tudo começa com uma denúncia daí que a história relatada por quem a faz seja um componente essencial na investigação. “Depois, na cena do crime, existem três ações fundamentais: documentar, relatar e recolher todas as informações da cena do crime (incluindo condições atmosféricas, sinais no ambiente envolvente, presença de fluidos orgânicos, pegadas, presença de alimento ou água) e do animal (identificação, condição corporal, posição e hábito externo”, salienta Isabel Pires. No caso de ser um cadáver, a sua conformação, temperatura, presença de rigor mortis ou outras alterações cadavéricas e a descrição da fauna cadavérica, se existir, também são relevantes, avança a docente. “Naturalmente que, no caso do animal vivo, o socorro é a prioridade. Se o animal se encontrar já sem vida, há que desencadear as diligências para que se possa averiguar a causa da morte.” Neste último, existem procedimentos a seguir (ver caixa).

Formação disponível em Portugal

Isabel Pires defende que, cada vez mais, os médicos veterinários apostam na formação nesta área. “Nas universidades, nomeadamente, na UTAD, no Mestrado Integrado em Medicina Veterinária, é lecionada a unidade curricular obrigatória de Anatomia Patológica I e Medicina Veterinária Forense, assim como, a unidade curricular opcional de Tanatologia Forense (agora Medicina Legal Veterinária).” Justina Prada Oliveira é regente nesta última, na qual são abordadas “múltiplas facetas da medicina legal, providenciando um conhecimento alargado do tema”.

“O ‘simples’ facto de se despoletar um processo e de se investigar a existência de um culpado vai cimentando e criando na uma maior consciência para estes crimes na população em geral e nas entidades policiais, o que, sem qualquer dúvida, ajuda na prevenção” – Sandra Branco, Universidade de Évora

Estas iniciativas formativas permitem aos estudantes adquirir competências nesta área, quer em termos teóricos, quer práticos, ao acompanharem necrópsias forenses com a oportunidade de redigirem relatórios médico-legais e participarem na discussão de casos. “Continua a existir alguma formação não conferente de grau e muitas ações de formação para médicos veterinários municipais, patologistas e outras atividades conjuntas para os diversos intervenientes no processo”, sublinha a diretora do Laboratório de Histologia e Anatomia Patológica da UTAD.

Em termos de formação pré-graduada existem atualmente, em várias universidades, unidades curriculares específicas dedicadas à medicina veterinária forense. No caso da FMV-ULisboa, é promovida anualmente a unidade curricular Ciências Forenses em Medicina Veterinária que é aberta a alunos externos e agrega um conjunto de docentes das várias áreas das ciências Forenses sob orientação da professora Anabela Moreira. “Nas unidades curriculares de Anatomia Patológica I e II, os alunos têm também oportunidade de contactar com esta área e adquirir alguns conhecimentos específicos”, refere Hugo Pissarra. Contudo, salienta que “o ensino da medicina veterinária forense está a ser formalmente integrado nos curricula das várias universidades onde é lecionado o Mestrado Integrado em Medicina Veterinária, o que constitui um ganho formativo muito importante para os futuros médicos veterinários”.

Em termos de formação pós-graduada, por exemplo, a Sociedade Portuguesa de Patologia Animal (SPPA), tem organizado várias ações de formação exclusivamente dedicadas a este tema, como por exemplo, o Curso Teórico-Prático de Patologia Forense Veterinária, a 1ª Reunião Multidisciplinar em Patologia Forense Veterinária e, ainda este ano, nos dias 31 de junho e 1 de julho, ocorreu o XXV Encontro da SPPA dedicado à patologia forense. “Têm participado colegas de todo o país nestas reuniões, o que tem permitido reforçar e consolidar competências nesta área”, conclui o vice-presidente da SPPA.

Na área da patologia, Sandra Branco refere que vão surgindo workshops, colóquios e reuniões que visam uma certa atualização. Por outro lado, para Justina Prada Oliveira, a classe médico-veterinária está atualmente muito mais bem preparada hoje do que há 10 anos. “Existe um esforço concreto na formação e na criação de grupos de trabalho dedicados especificamente a esta área. É de ressaltar ainda o trabalho da Provedora do Animal, que se uniu a esta causa de forma notável. Existe, no entanto, ainda um longo caminho a percorrer”.

Bem-estar animal

Desde o terceiro ano da licenciatura que Justina Prada Oliveira percebeu que o seu caminho passaria pela anatomia patológica e pelo trabalho pós-morte. Os estudos continuaram acabando por ser aluna da primeira edição do Mestrado em Medicina Legal do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto e a primeira mestre em medicina legal no País. “Uniu-se a esta vontade a leitura de muitos romances policiais e a figura incontornável do Professor Pinto da Costa, de quem desde cedo era fã incondicional. Quando surgiu a oportunidade do mestrado não havia outra opção que não fosse seguir a medicina legal”, conta.

Defendendo a grande abrangência das ciências forenses, reforça, desde logo, o papel presente na avaliação do bem-estar animal (presença de dor ou desconforto), incluindo “a avaliação subjetiva de se o animal está em sofrimento ou se sofreu no passado, a determinação da causa e as circunstâncias da morte, a verificação da proveniência de animais vivos ou subprodutos animais, a segurança alimentar, o bem-estar humano (zoonoses, o animal como perpetrador de dano (mordeduras, coices, etc.) e outros casos de negligência, fraude e de dano ambiental”, refere a vice diretora do HVUTAD. Não é possível existir a criminalização de maus-tratos animais sem uma perícia médico-veterinária e esta tem um importante “efeito dissuasor de eventos futuros. O bem-estar animal e a prevenção dos maus-tratos assentam nas ciências forenses de forma indelével”, afiança.

“É na necrópsia que a invisibilidade das agressões ocultas é derrotada e cada animal pode ainda lançar o último grito de alerta à humanidade”Isabel Pires, UTAD

As ciências forenses devem ser o garante de que, no caso de estarmos perante um crime contra animais, seja aplicada a lei que o penalize, salienta Sandra Branco, defendendo que ainda há “um longo caminho a percorrer, além da dificuldade recorrente em encontrar um ‘culpado’. O ‘simples’ facto de se despoletar um processo e de se investigar a existência de um culpado vai cimentando e criando uma maior consciência para estes crimes na população em geral e nas entidades policiais, o que, sem qualquer dúvida, ajuda na prevenção”.

As ciências forenses são fundamentais para o estabelecimento da prova, ou seja, constituem uma peça imprescindível para que se consiga aplicar e fazer justiça. “Havendo Justiça promovemos diretamente o bem-estar animal e prevenimos o crime de maus-tratos. Mais concretamente, a criminalização e o sancionamento efetivo das graves violações dos direitos dos animais desempenham uma função preventiva: prevenção especial e geral, isto é, contribuem para que o infrator em causa não reincida nas suas más práticas, mas também a generalidade dos membros da comunidade em que vivemos”, afirma Hugo Pissarra.

Uma das obrigações da medicina veterinária forense, na opinião de Isabel Pires, é “usar todas as ferramentas para que a lei possa ser aplicada. Assim, espera-se que um Relatório Pericial Forense reflita os conhecimentos médicos que possam dar suporte à lei, incluindo se existe adequação entre a agressão e as lesões observadas e a morte, ou seja o nexo causal”. Só assim a decisão judicial poderá ser sustentada e adequada ao caso em investigação e punir o agressor e, quem sabe, evitar a morte de outros animais.

“Nos casos que vamos seguindo temos visto lesões que podem traduzir negligência e outras que traduzem uma crueldade que não imaginávamos”, acrescenta. Assim, a equipa da UTAD passou a sentir que havia mais a fazer do que o que é solicitado no Serviço de Necrópsias. “Desde há alguns anos que temos desenvolvido ações de intervenção nas escolas com o intuito de ‘despertar a consciência’ como base para educar, identificar, prevenir e denunciar situações de maus-tratos. Naturalmente que as ações são adaptadas a cada idade e dou alguns exemplos: ‘Histórias de desencanto’ para os mais pequenos; ‘Os cadáveres também falam’ ou ‘Investigação Criminal em Medicina Veterinária’, para os mais velhos.” Isabel Pires defende a promoção da consciencialização para o problema dos maus-tratos animais e a certeza de que cada um pode ser parte para a resolução do problema. “Ao contribuir para a identificação e para a denúncia precoce e atempada, podem evitar-se situações mais graves e mesmo mortais, e, a médio prazo, para uma diminuição do número de casos de maus-tratos.”

Diferenças no País

Justina Prada Oliveira defende a criação de um gabinete médico-legal veterinário como uma necessidade premente para o País. “Não só no serviço de extensão, com perícias médico-legais a vivos e mortos, mas também como um local de formação e ao qual os colegas possam recorrer quando têm dúvidas ou precisam de esclarecimentos em determinado procedimento.” Apesar de existirem, a nível nacional, os laboratórios indicados pela Ordem dos Médicos Veterinários para a realização de necrópsias forenses, “torna-se necessário criar um gabinete mais abrangente. A medicina legal não se esgota no cadáver e o animal vivo ainda é passível de ser salvo”. Na opinião da professora auxiliar com agregação, falta empenho pessoal e tempo para fazer acontecer esta ideia.

Como acontece em outras áreas, não só na medicina veterinária, o País é desigual em muitos aspetos e nas ciências veterinárias forenses, não foge à regra. “A proximidade com a UTAD tem como consequência inevitável uma maior formação dos colegas da zona e também dos Órgãos de Polícia Criminal (OPCs) da região. É muito gratificante ver a evolução na forma de trabalho e no rigor dos procedimentos policiais”, explica Justina Prada Oliveira. Mas nem tudo são boas notícias. “A interioridade leva a que o animal ainda não seja visto como criatura senciente que é e deparamo-nos com casos muito perturbadores”, sublinha.

“A interioridade [do País] leva a que o animal ainda não seja visto como criatura senciente que é e deparamo-nos com casos muito perturbadores” – Justina Prada Oliveira, UTAD

No caso de Évora, onde trabalha Sandra Branco, e por ser uma cidade inserida num meio rural, a maioria dos casos são veiculados pela GNR e mais raramente pela PSP. “Desde 2017 que iniciámos os serviços nesta área integrando a Rede Nacional de Centros de Necrópsia e Toxicologia Forense que conta com um conjunto de instituições participantes e liderada pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Esta rede foi especificamente desenvolvida para as espécies silvestres protegidas, mas cujos procedimentos legais foram ampliados aos animais domésticos”, refere a médica veterinária.

A Universidade de Évora recebe casos de praticamente todo o Alentejo e ainda do Algarve, isto apenas para animais domésticos, porque existe no Algarve, outra entidade que integra a mesma rede para espécies silvestres. “Atualmente, recebemos tanto espécies silvestre como animais domésticos, como por exemplo, veados, gamos, texugos, milhafres e outras aves silvestres. No caso dos animais domésticos, cão e gato, na maioria das vezes, os casos têm por base atritos entre vizinhos”, explica.

Procedimentos a seguir em animais encontrados sem vida

 Isabel Pires, diretora do Laboratório de Histologia e Anatomia Patológica da UTAD e do Departamento de Ciências Veterinárias na mesma universidade ajuda-nos a perceber as várias etapas a seguir depois de uma denúncia e quando se encontram animais sem vida.

– O acondicionamento e transporte do cadáver deve ser feito pelas autoridades, em embalagem selada e identificada com etiqueta de vestígio, acompanhado da documentação do processo onde consta o NUIPC (Número Único Identificador de Processo Crime), formulário de Cadeia de Custódia da prova e, logo que possível, a requisição da necrópsia pelo Ministério Público.

– No que diz respeito à necrópsia, destaca-se a observação de toda a documentação que acompanha o vestígio, confirmação da identificação do animal, avaliação da necessidade de efetuar outros exames antes (ex. radiografia) ou, no final da necrópsia, (nos casos de envenenamento, por exemplo), a realização do exame de forma sistemática e minuciosa.

– É preciso ter a capacidade de “escutar” o que o cadáver “diz” e de traduzir as observações desse exame num relatório pericial, com utilização da linguagem correta, clara, e que demonstre que se conhece e compreende cada lesão observada.

– Só assim, o exame se conclui, como é esperado, por uma proposta de diagnóstico que deve incluir, nos casos forenses, a causa da morte, o mecanismo da mesma e a causa jurídica.

 

O papel do médico patologista

As testemunhas oculares dos crimes contra animais são, muitas vezes, inexistentes. Nestes casos, a única evidência do delito é o cadáver do animal. “Neste contexto, o papel do patologista é determinante. A necrópsia médico legal é um exame que pode constituir um meio de prova e, por isso, pretende rastrear e recuperar evidências e tudo o que possa contribuir para auxiliar o direito na aplicação da justiça”, refere Isabel Pires. Pode ainda excluir outras causas de morte. “Não é somente o último exame de diagnóstico, mas sim o princípio para que outros exames (toxicológicos, entomológicos, entre outros) possam contribuir para o enquadramento do crime”, sublinha.

A medicina veterinária forense surgiu na vida de Isabel Pires como uma verdadeira missão. “É na necrópsia que a invisibilidade das agressões ocultas é derrotada e cada animal pode ainda lançar o último grito de alerta à humanidade”, comenta.

Hugo Pissarra resume o patologista a uma única palavra: diagnóstico. “O anátomo-patologista, abreviadamente designado por patologista é o médico que se dedica ao diagnóstico das doenças através do estudo das alterações macro e microscópicas que estas produzem nos diferentes órgãos, tecidos ou células.” O professor da FMV-ULisboa considera que o trabalho de um anatomopatologista “é maioritariamente dedicado aos vivos, que esperam um diagnóstico para uma boa e correta decisão terapêutica e, muitas vezes também, para o estabelecimento do prognóstico”. No entanto, acrescenta que este profissional também se ocupa “com o diagnóstico post-mortem, justamente através da realização de necrópsias anátomo-clínicas”.

Sandra Branco acrescenta que o patologista tem um papel importante na patologia experimental e na patologia comparada além de estudar “as lesões que permitem a realização de exames complementares citológicos, histopatológicos e macroscópicos (necrópsias, avaliação de peças anatómicas, etc.), ajudar no diagnóstico e na identificação da causa da morte, entre outros”.

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