Mudar mentalidades foi o objetivo primordial do debate ‘Seguros de Saúde para Animais de Companhia em Portugal: do panorama atual às perspetivas futuras’, promovido pela Delegação Regional do Norte da Ordem dos Médicos Veterinários na Fundação Engenheiro António de Almeida, no Porto. Uma temática que ainda está a dar os seus primeiros passos no território nacional, mas que conta com vontade de crescer.
Portugal é um dos países europeus com mais tradição na adoção dos animais de companhia, tanto de gatos, como de cães. Porém, o cenário é completamente antagónico na questão da adesão aos seguros para os animais de companhia, pois apenas 2% dos tutores investem num seguro para os seus companheiros animais. Um valor muito aquém dos 80% da Suécia e dos 52% do Reino Unido.
Assim, com o intuito de mudar mentalidades em relação a este tema, a delegação regional do Norte da Ordem dos Médicos Veterinários convidou Derek Cummins para dar uma visão diferente de como é possível assegurar o bem-estar e os cuidados de saúde para os animais de companhia de uma forma menos burocrática.
O convidado, de origem irlandesa, é CEO e fundador da PetExpert Insurence by Trupanion que, atualmente, está presente em países como os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Alemanha, Bélgica, Polónia, Suíça, República Checa, Eslováquia e Áustria com um modelo inovador no mundo dos seguros dos animais de companhia.
  “A medicina veterinária é um negócio, não é caridade.” – Derek Cummins, fundador da PetExpert Insurence by Trupanion
De acordo com Derek Cummins, a base está, desde sempre, na coesão e na sintonia que existe entre a empresa e os profissionais de medicina veterinária. E são esses laços de confiança que levaram a Trupanion a ser a primeira escolha dos veterinários e do próprio mercado nos Estados Unidos. Aliás, essa inovação teve origem, precisamente, pelo facto de o orador desta palestra não apreciar “as companhias de seguros, pois gostam muito de vocês, mas na hora não querem pagar nada, arranjando critérios para não o fazer”. Além dessa razão, teve sempre animais ao longo da sua vida e esse amor por eles fez com que surgisse a oportunidade de usar os seus “conhecimentos para criar algo diferente”.
Diferença essa que é logo acentuada pela transparência que a Trupanion usa quando estabelece uma relação profissional quer com os cuidadores dos animais de companhia, quer com os médicos veterinários. “No nosso caso, o que vê é o que vai ter. Para nós, é fundamental que exista uma boa relação entre as partes incluídas neste processo”, salientou. Acrescentou que tem conhecimento de algumas situações em diversos países onde são as próprias seguradoras a acusar os profissionais de saúde animal de cobrarem valores muito altos e “nós temos que garantir que isso não aconteça”. Assim, para evitar estas situações, elaborou um seguro com uma ampla cobertura que permite que todas as despesas inerentes de casos de doença ou de acidente sejam pagas diretamente à clínica ou ao hospital veterinário através de uma plataforma online, quebrando deste modo toda a burocracia documental.
Para o especialista da Trupanion, esta cobertura sem limites não só tranquiliza os cuidadores dos animais com um orçamento que lhes permite ter os cuidados de saúde necessários, como também garante o pagamento na hora aos profissionais. “Enquanto numa seguradora os pagamentos podem chegar aos 90 dias, aqui demoram cinco minutos a ser feitos. E isto sem mencionar os casos em que não existem seguros e que os tutores dos animais pedem para pagar em prestações. Por muito que se goste dos animais, todos temos uma vida para sustentar. A medicina veterinária é um negócio, não é caridade”, afirmou.
No seu ponto de vista, só desta forma é que se consegue obter uma rede de clínicas sólida e lembra que a satisfação dos utilizadores da PetExpert Insurence atinge os 95% num vasto leque de clientes. “Os três pilares deste sucesso são a cobertura sem limites (imprescindível em casos que são necessários tratamentos extras), a relação ativa com os médicos veterinários e a lealdade de quem se sente satisfeito com o nosso serviço”, disse.
A diferença entre um plano de saúde e um seguro de saúde também foi referida por Derek Cummins que acredita que a prevenção para futuras situações inesperadas é fulcral. “Enquanto um seguro tem uma cobertura para doenças ou acidentes futuros, um plano de saúde apenas serve para ter descontos em determinados serviços. São coisas muito diferentes e que não se podem misturar”, salientou, enquanto explicava que a sua presença não servia para promover a Trupanion, até porque ainda não estão implantados em Portugal. Apenas aceitou o convite para trocar experiências e apresentar “um modelo inovador e diferente”.
Quem já presenciou a eficácia deste formato de seguros ‘in loco’ foi Carlos Sousa, médico veterinário há mais de 30 anos e diretor de um hospital veterinário integrado no maior grupo europeu. Durante o seu testemunho, referiu que numa visita a um dos hospitais situados na Europa, e cujas receitas ascendem aos 40 milhões de euros por ano, reparou que os tutores saíam sem pagar a despesa. Foi nessa altura que lhe foi explicado que tudo era articulado, de forma direta, com a seguradora e o reembolso era em tempo real. Aliás, e de acordo com o esclarecimento, se assim não fosse “não conseguiam nem ter um terço da qualidade dos serviços” naquela unidade hospitalar. Por essa razão acredita que o modelo exposto por Derek Cummins “é o futuro dos seguros e não só em Portugal. Eu não vi este sistema em papel, vi em tempo real e garanto que funciona”.
Não é possível “crescer sem os seguros. Sem eles não vamos conseguir atingir o nível da excelência”. – Carlos Sousa, médico veterinário
Carlos Sousa acrescentou ainda que não é possível “crescer sem os seguros. Sem eles não vamos conseguir atingir o nível da excelência”.
Mais comunicação, mais transparência
Se durante a primeira parte a plateia esteve atenta à apresentação de Derek Cummins, já na mesa-redonda esteve mais interventiva. Ruben Livreiro, da AnimaDomus, Emir Chaher, da Associação Portuguesa de Medicina Veterinária Especialista em Animais de Companhia (APMVEAC), Maria Miguel Grade, do Grupo Fidelidade, e Bruno Vaz, do Grupo Ageas Portugal, fizeram parte do painel. Já o Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, Pedro Fabrica, esteve ausente por motivos de saúde e foi substituído por Paulo Teixeira, presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos Veterinários.
Quatro opções de seguro, um básico e três mais complexos, foram os planos para doença ou acidentes apresentados pelos representantes dos Grupos Fidelidade e Ageas Portugal. Uma solução que, de acordo com os médicos veterinários presentes neste encontro, não é suficiente. Aliás, nem o facto de Maria Miguel Grade reforçar a ideia de que o “objetivo principal destes planos é a prevenção”, conseguiu convencer a plateia.
Emir Chaher foi uma das primeiras vozes que se insurgiu, apelando a mais transparência na realização dos seguros. “Simplificar o sistema é fundamental para salvaguardar a saúde do animal”, referiu.
O representante da APMVEAC acrescentou ainda que é “necessário valorizar a complexidade da medicina veterinária” até porque “só assim é vamos conseguir acompanhar o mercado financeiramente”. Acredita que se não for desta forma será cada vez mais difícil convencer os novos médicos veterinários a permanecer em Portugal. “Não podemos esperar que um jovem prefira ficar em Portugal quando se depara com propostas para países com mais de 50% de animais com seguro. Temos de perceber que a cobertura alargada que os animais de companhia têm, permite que haja menos pressão sobre o veterinário e a remuneração seja mais elevada”.
Em jeito de desafio, dirigiu-se para Maria Miguel Grade e Bruno Vaz e afirmou que espera que “este seja o futuro dos seguros dos animais em Portugal. Todos queremos melhorar as condições nas equipas de trabalho, mas é necessário ter uma política de preço real”.
Também de uma forma direta, Paulo Teixeira salientou que é necessário construir um caminho que combata os atuais 2% de seguros para os animais de companhia e que os direcione para o patamar do “win to win”, ou seja, a alavanca para que o cuidador, o médico veterinário e a seguradora tenham benesses durante o processo. Algo que, na sua opinião, não acontece, visto que considera que apenas a seguradora ganha com a situação atual. “Se quiserem alterar o paradigma dos 2% e quiserem contar connosco, têm de nos mostrar que vamos ter vantagens com isso. É importante para todos rumar para o mesmo sentido”, afirmou.
Tentando amenizar o debate, Ruben Livreiro lembrou que se “olharmos para a lógica do funcionamento atual das seguradoras em Portugal, verdade seja dita que funcionam bem melhor que em 2012. Nós, desde 2009, que estamos a tentar criar condições para que o mercado funcione de igual modo para todos”. Uma ideia corroborada por Maria Miguel Grade que garantiu que, neste momento, há um interesse em estabelecer esse caminho junto dos médicos veterinários e que já existe uma rede com cerca de 200 clínicas. “Os seguros dos animais de companhia são um tema emergente e, também, crescente em Portugal”, disse.
Emir Chaher foi uma das primeiras vozes que se insurgiu, apelando a mais transparência na realização dos seguros. “Simplificar o sistema é fundamental para salvaguardar a saúde do animal”, referiu.
A questão das redes de clínicas levou Emir Chaher a intervir novamente, afirmando que conhece muitos colegas de profissão que estão inseridos nesse sistema “e quando fazem as contas, reparam que não tiveram vantagem nenhuma para as clínicas. Aliás, alguns são obrigados a pensar que serviços podem adicionar para que a consulta seja rentável. Nós não estudámos para isso. Gostamos muito da nossa profissão e estas situações são desconfortáveis e não valorizam a nossa classe”.
Ao contrário da Suécia, cuja legislação impõem a realização de um seguro para o animal de companhia, em Portugal não existe nenhuma lei que assim o obrigue. Porém, para os representantes dos médicos veterinários não é justificação para que as seguradoras não mudem os atuais modelos. Aliás, consideram que seja mais relevante que se implante uma estratégia de literacia financeira junto destes profissionais de saúde animal, aumentando, ao mesmo tempo, a comunicação entre as partes. “Se surgirem com opções corretas junto dos médicos veterinários, de modo que estes possam apresentá-las junto dos tutores, será um trabalho de equipa fundamental. [Mais que a legislação] É necessário ouvir-nos mutuamente para que a situação seja favorável para todos”, referiu Chaher. Uma ideia com a qual Ruben Livreiro concordou e lembrou que há “inúmeras formas de encontrar soluções. Temos é de fazer um trabalho de gestão para podermos evoluir em conjunto, enquanto empresa”.
E o futuro?
Apesar da insatisfação geral no auditório da Fundação Engenheiro de Almeida face aos atuais seguros que estão no mercado, Maria Miguel Grade foi assegurando que os preços estipulados “não são de tabelas fechadas, mas sim de tabelas com as médias praticadas no mercado”. Afirmou ainda a rede do Grupo Fidelidade já está implantada em todos os distritos e que o objetivo passa por alcançar todos os concelhos e que, apesar de acreditar no lema “win to win”, garante que o benefício atual dos médicos veterinários é o mesmo tanto para os tutores, como para as seguradoras.
Já Bruno Vaz demonstrou a vontade do Grupo Ageas Portugal de traçar um caminho em parceria de modo a implementar melhorias. Porém, não deixou escapar que ao contrário de Lisboa, “as mesas-redondas no Porto são mais dinâmicas dada à frontalidade dos intervenientes. Contudo, são ambientes saudáveis e com troca de ideias”.
Em jeito de conclusão, Paulo Teixeira destacou que não se pode olhar para a medicina veterinária como a saúde humana, até porque nem existe um modelo como o Sistema Nacional de Saúde (SNS) como alicerce. Acrescentou que não se pode pedir parcerias quando os preços das propostas apresentadas para aderir à rede “têm valores idênticos aos que se pagam à funcionária lá de casa. Neste caso é uma situação de ‘lost to lost’”
Ruben Livreiro acredita que será um caminho a ser feito num futuro próximo, contudo, admitiu que as seguradoras têm muitos ramos de exploração e “esta é uma margem muito pequena, o que dificulta o investimento”.
O encontro ‘Seguros de Saúde para Animais de Companhia em Portugal: do panorama atual às perspetivas futuras’ foi o primeiro evento organizado pela atual direção do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos Veterinários. Direção essa que, desde o último mês de março, passou a ser liderada por Paulo Teixeira.