O uso de tecnologias de precisão nas explorações de suínos foi o maior avanço que se registou nos últimos anos, permitindo aos médicos veterinários e produtores acompanhar os animais pari passu. “O sistema permite-nos, por exemplo, antecipar a sintomatologia clínica e atuar de forma mais célere”, explica Sales Luís, médico veterinário da Agrupalto, o maior agrupamento nacional de produtores de suínos.
“A inovação mais relevante a que assistimos no setor, a somar à evolução da genética, que tem vindo sempre a melhorar, é a entrada das tecnologias de precisão”, considera o secretário-geral da Federação Portuguesa das Associações de Suinicultores (FPAS). João Bastos adianta à VETERINÁRIA ATUAL que nos próximos dois anos vamos assistir também “à conversão das maternidades, que passarão a estar abertas, com a porca solta e os leitões com acesso a ela”.
O responsável salienta que, “com os dados produzidos pelos vários sensores, os médicos veterinários em conjunto com os produtores têm um conhecimento muito mais preciso do estado de saúde e da evolução dos animais na sua exploração”.
O médico veterinário da Agrupalto corrobora esta afirmação: “Em produção animal, o papel do médico veterinário ultrapassa a parte clínica, a parte médica, porque nos interessa sempre que os animais produzam bem.”
O maior agrupamento nacional de produtores de suínos utiliza um sistema de sensores desenvolvido em Portugal, como ferramenta de diagnóstico precoce – o FarmControl, pertencente ao mesmo agrupamento. Sales Luís refere que “os sensores avaliam as condições em que os animais estão, medindo a temperatura, CO2 e ventilação em tempo real”. Por isso, adianta: “Podemos trabalhar com índices que não costumávamos ter disponíveis.”
Em produções onde há milhares de animais, tudo é mais difícil de aferir. “A patologia é sempre de grupo e com estes indicadores podemos antecipar a sintomatologia clínica e atuar de forma mais célere.”
Indicadores indiretos do estado de saúde
O consumo de ração e água são também aferidos em cada sala/lote e, se os valores não estão dentro do normal, o sistema envia alertas, uma vez que podem indicar algum problema sanitário ou mesmo doença.
“Quando começámos com este sistema não tínhamos noção das diferenças de temperatura a que os animais estavam sujeitos entre a noite e o dia no inverno, por exemplo, porque quando cá estávamos estava tudo bem. Mas, com os indicadores, vimos a grande diferença e corrigimos”, conta o médico veterinário.
Ao longo dos cinco anos em que a tecnologia está a funcionar, Sales Luís adianta que não tiveram propriamente “o desaparecimento de doenças, mas, sim, um equilíbrio muito maior e uma redução na taxa de mortalidade na recria e na engorda”.
“[A tecnologia], em conjunto com os avanços na genética, permitem-nos fazer um trabalho muito mais profissional”, defende o veterinário, frisando ainda que “a tecnologia exige, mas também atrai, mão-de-obra cada vez mais qualificada”. Por isso, a Agrupalto sentiu a necessidade de criar a sua própria escola de formação de técnicos, conta Nuno Correia, administrador do agrupamento.
Objetivo era controlar os gastos energéticos
“Fizemos um investimento de cerca de sete milhões de euros em tecnologia, cujo objetivo inicial era controlar os gastos energéticos, mas depois percebemos que, pela medição energética, podíamos ter outros parâmetros e que os podíamos utilizar para a gestão da exploração e também em termos de sanidade e saúde”, afirma o responsável.
Nuno Correia adianta que foram detetadas “muitas anomalias” e, quando quiseram correlacionar os dados, perceberam que “não havia uma plataforma para o fazer”. Foi assim que nasceu a FarmControl: “Fomos os primeiros do mundo a ter uma ferramenta de zootécnica de precisão”, diz, ferramenta esta que hoje já tem sistemas a funcionar em Portugal, Espanha, França, Bélgica e Alemanha. “Estamos em vias de começar a vender também para os Estados Unidos”, acrescenta.
O administrador do agrupamento – que tem 49 mil porcas, produzindo cerca de um milhão de porcos por ano – refere que o sistema começou a ser usado em 20 explorações, estando hoje já instalado em 240. “No início, percebemos que cerca de 30% dos animais não comia adequadamente por problemas diversos, como o mau funcionamento dos sem-fins ou porque nos silos a ração ficava presa.” Com tudo isso monitorizado e corrigido no imediato (porque o sistema envia alertas para as pessoas designadas, como o encarregado da exploração e o médico veterinário), melhoram as conversões alimentares, explica. “Melhorámos a produtividade em 20% e os índices de conversão em cerca de 35%.”
Desafios: PSA, fim dos antibióticos e mais bem-estar
Quanto a desafios para os próximos anos, o secretário-geral da FPAS defende que há “três desafios principais”, a saber: a peste suína africana – segundo o secretário-geral da FPAS, os sistemas de biossegurança têm estado sempre a ser revistos e melhorados, mas é necessário monitorizar a dispersão da doença e pôr em práticas as medidas adequadas de prevenção.
O responsável destaca também o objetivo de supressão completa dos antibióticos e, no âmbito do aumento das restrições de bem-estar animal na União Europeia (UE), a proibição do corte das caudas, “que irá colocar um grande desafio aos técnicos e médicos veterinários”.
Quanto à redução dos antibióticos (ainda não à sua eliminação), o médico veterinário da Agrupalto é perentório: “Atuando mais cedo, podemos também reduzir a quantidade de antibióticos necessários, porque os sintomas são muito mais leves.” Acrescenta ainda: “Com o controlo das condições gerais de bem-estar dos animais e melhoria da higiene, conseguimos ainda aumentar a sua imunidade.”
Genética aposta mais na qualidade
Ainda sobre a biossegurança, e numa altura em que todas as explorações tiveram de pôr em prática os seus planos de contingência face à pandemia de Covid-19, João Bastos quis frisar que “no recente inquérito que a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) fez a todas as suiniculturas nacionais, em termos de biossegurança externa, a avaliação média foi de 80%”.
No campo da genética, o responsável diz que, “até há pouco tempo, a aposta era em produzir mais, ter animais mais produtivos, mas desde há cerca de dois anos que a tendência se começou a inverter por solicitação do mercado, principalmente de alguns países, como o Japão e a Coreia do Sul”.
Começaram, por exemplo, a fazer-se cruzamentos das porcas brancas (Large White e Land Race) com Durok, no lado paterno, para dar mais qualidade à carne: “É um porco mais conformado, com mais gordura intramuscular, o que dá mais sabor à carne.”
O secretário-geral da FPAS salienta que anteriormente havia maior produtividade, mas “fraca uniformidade do lote”. Agora, diz, “procura-se mais esta uniformidade, porque dá uma maior garantia de rendimento do produto acabad o, uma vez que permite melhor índice de conversão e ganho médio diário”. E conclui: “Também é melhor para a indústria, porque recebe todos os porcos com cerca de 90kg, criando também mais uniformidade nas peças que coloca no mercado.”
*Artigo publicado originalmente na edição de maio de 2020 da VETERINÁRIA ATUAL.