João Teotónio
Médico veterinário de medicina geral na Vets4Pets, em Halesowen, no Reino Unido
Qual é a sua área de especialidade e porque é que escolheu essa área?
Eu trabalho em medicina geral/ primeira opinião (general practice). Aqui no UK (Reino Unido) um veterinário de medicina geral desenvolve um leque abrangente de competências, inclusive nas áreas de medicina, cirurgia e métodos complementares de diagnóstico.
Como e quando é que surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro?
A oportunidade foi criada por mim e pela agora minha mulher, também ela veterinária. Depois de realizarmos os nossos estágios de fim de curso em Paris e Sydney, decidimos que o nosso próximo passo seria fora de Portugal. Devido à facilidade linguística, proximidade de casa e índices de qualidade de vida, o Reino Unido foi a escolha natural. O mais difícil foi tomar essa decisão — arranjar trabalho é relativamente simples. Tratámos dos documentos necessários para nos inscrevermos no Royal College of Veterinary Surgeons, enviámos alguns currículos, fomos a algumas entrevistas (algumas presenciais, outras por videochamada) e no espaço de algumas semanas tínhamos trabalho.
O que é que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Por muito que me entristeça, Portugal simplesmente não me oferecia uma perspetiva de futuro que me entusiasmasse. E isto prende-se com dois fatores — económico e evolução profissional.
De um ponto de vista económico, as minhas opções eram muito limitadas. Havia um desequilíbrio tremendo e injusto entre os horários de trabalho que me estavam a ser oferecidos em medicina de animais de companhia (a minha área de interesse) e os salários associados.
Por outro lado, as oportunidades de desenvolvimento de competências profissionais em Portugal são limitadas e os colegas sentem a necessidade de optar por uma área de trabalho específica desde muito cedo, em vez de se promover o desenvolvimento de competências alargadas desde o início. Penso que isto esteja relacionado com a falta de financiamento para a formação contínua por parte dos empregadores.
Como é que é um dia de trabalho normal para si?
De momento trabalho 3,5 dias por semana, não trabalho de noite e os meus dias são um de dois tipos:
1) dias de cirurgia: das 8h – 16h, realizo cirurgias e diagnósticos (ecografias, radiografias, citologias, análises de sangue, etc.); das 16h às 19h faço consultas de primeira opinião e medicina do comportamento.
2) dias de consultas: das 9h – 19h faço consultas de 15 em 15 minutos, com intervalos de 15 minutos a cada duas horas. Hora de almoço de 30 minutos. Tenho pelo menos 30 minutos dedicados a tarefas mais administrativas (telefonemas, reportar resultados, e-mails, etc.).
Como é que foi a adaptação a um trabalho fora de Portugal?
Difícil. O ritmo de trabalho e as expectativas que um empregador no UK tem sobre um recém-licenciado são brutais. O que significa que o primeiro ano acaba por definir o teu futuro — e se não te consegues adaptar, acabas por voltar. Eu tive a sorte de partilhar a experiência com a minha companheira, também ela veterinária e na mesma fase da carreira, e isto foi um fator determinante na nossa adaptação.
Ao fim de quatro anos no UK, a minha maior dificuldade já não é o trabalho. É o clima e a família — o que eu não dava por um almoço de família em Portugal, numa solarenga tarde de domingo…
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho em Portugal?
Que vocês são cidadãos do mundo. A decisão de emigrar é assustadora, porque implica uma mudança drástica, um enfrentar de medos profundos, um salto em direção ao desconhecido. Mas é também uma aventura que pode transformar completamente a vossa vida. E não tem de ser uma decisão definitiva — nada nunca o é. Se e quando quiseres, podes sempre voltar a casa.
Para mim, trabalhar no estrangeiro tem sido uma experiência libertadora e maioritariamente positiva. Sou hoje um profissional mais completo e competente por causa disso.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Vejo o presente e o futuro da profissão com esperança e positivismo, mas vejo necessidade de mudança. Os países do sul da Europa, como Portugal, têm um desafio grande pela frente — o de valorizar os cuidados veterinários numa sociedade economicamente fragilizada. E isto só pode ser feito de forma concertada por toda a profissão, através de contínuas ações de sensibilização junto da comunidade, através de lobbies com o governo e com o setor empresarial, através do estabelecimento de preços razoáveis e de acordo com as altas qualificações de um médico veterinário… E, do meu ponto de vista, através do desenvolvimento da indústria de seguros de saúde para animais de companhia.
Olhando para os casos de outros países, inclusive o UK, podemos argumentar que a massificação da utilização de seguros de saúde pode gerar um aumento perverso dos preços — o que torna os cuidados veterinários ainda mais inacessíveis aos mais necessitados. No entanto, acredito que a expansão deste mercado de forma regulamentada poderia ter um impacto substancial no acesso aos donos de animais em Portugal a cuidados de saúde de qualidade, gerando mais rendimentos às clínicas veterinárias. O que, por sua vez, se deveria traduzir em aumentos salariais, financiamento para formação contínua e até especialização, aumento da satisfação no trabalho, e melhoria da qualidade de vida dos colegas.
Os médicos veterinários são também profissionais altamente capacitados e versáteis, e a nossa atuação pode estender-se pelas mais diversas áreas da sociedade. Penso que o futuro trará uma maior realização deste potencial — uma diversificação além da prática clínica.
*Artigo publicado originalmente na edição de maio de 2020 da VETERINÁRIA ATUAL.