O que o levou a candidatar-se a presidente da AMVE – Associação de Médicos Veterinários Equinos?
Já fazia parte das duas direções anteriores e achei que poderíamos fazer mais. A iniciativa nasceu em 2003, mas tinha já bastantes anos e em conversas todos achavam que deveria haver uma associação de médicos veterinários equinos. Era e continua a ser necessário criar fóruns em que todos possam discutir temas que são importantes para a classe, para o setor e que o possam fazer sem a personalização das ideias quando estas transparecem para as instituições. Cada vez que tenho de me fazer representar na Ordem dos Médicos Veterinários (OMV), na Direção-Geral de Veterinária (DGV) ou noutra instituição existe a carga institucional da AMVE. Na maior parte das vezes os problemas levantados são comuns a vários veterinários e quando existem varias cabeças a pensar, mais facilmente se chega a um consenso.
Pode dar exemplos de problemas do setor?
A medicina equina em Portugal é enferma de um problema que tem a ver com o setor em que estamos envolvidos. Teoricamente somos o grupo mais pequeno e por vezes considerado insignificante em termos de números: temos 100 associados. Mesmo nas instituições, na própria DGV, vemos que os cavalos são um setor marginalizado não no sentido que somos completamente postos à parte, mas não nos é dada essa relevância, quer em termos de saúde pública, quer da indústria farmacêutica, muito por culpa dos veterinários de cavalos. De qualquer maneira é necessário fazer-nos ouvir e uma das coisas que temos conseguido ao longo destes dois anos é criar essa representação institucional. Neste momento, a nível nacional e internacional já estamos representados em estruturas importantes para a medicina veterinária equina. Já tivemos audiências na DGV e estamos em estreita ligação relativamente a problemas de saúde pública. Criámos algumas sinergias para facilitar o fluxo de informação. É que por vezes chegamos a casa dos proprietários e somos informados de assuntos que teoricamente deveríamos saber em primeira mão.
Que tipo de assuntos?
Por exemplo a situação da identificação dos equinos. Existe uma legislação europeia feita em 2008 e que deveria ter sido implementada em meados de 2009. Neste momento ainda não está em vigor em Portugal e somos senão o único, um dos únicos países em que isso ainda não aconteceu. A legislação diz respeito à identificação dos equinos através de um método que vai ser homologado através de microship. Vai passar a ser obrigatório para todos os equinos, asininos e muares – cavalos, burros e mulas – e permite caracterizar um setor. Se me perguntar hoje em dia quantos são os cavalos em Portugal, os números são muito díspares. Existem os números dos registos das raças, mas não existem números oficiais em termos globais. Isto porque não é obrigatório registar os animais. Com este sistema de identificação, todos os animais passam a ter um livro onde o dono fará a opção – pelo menos é assim que está na legislação europeia – entre animal de carne, de produção ou animal de lazer. Neste ultimo caso tem muitas vantagens para os veterinários porque podemos utilizar medicamentos sem o problema dos intervalos de segurança e resíduos.
Esta é uma situação que preocupa os proprietários?
Sim, tenho proprietários q me ligam porque ouviram dizer que vai ser obrigatório colocar um microship em todos os cavalos. Também tenho colegas que me perguntam: isso é mesmo verdade? Anda tudo em polvorosa, há coisas que devem passar pela associação, não devemos ser o monopólio da informação. Como temos uma relação privilegiada com os colegas que estão no terreno, podemos fazer chegar a informação mais rapidamente e de acordo com as necessidades. A partir do momento em que não há informação, há especulação.
E é verdade que todos os cavalos têm de ter microship?
É verdade que todos os cavalos vão ter de ser identificados de uma maneira clara e definida. Em termos europeus já foi considerado que a maneira mais fácil e universalmente aceite é a utilização de um microship. Estamos bastante atrasados, neste momento sei que o projeto está em fase terminal para implementação. Por outro lado, o documento oficial com que os animais passam a ser acompanhados permite uma maior mobilidade não só em território nacional, como europeu. A vantagem acaba por ser esse equine life number, que pode ser reconhecido em qualquer parte da Europa e que pode fazer uma rastreabilidade do animal, saber onde ele está e isso em termos de saúde pública também tem muito peso. Nos cavalos não existem doenças que passem para as pessoas – exceto um caso que está a ser discutido -mas se quisermos encetar uma campanha sanitária temos de saber onde estão os cavalos, logo têm de estar identificados.
Qual o papel do médico veterinário neste processo de identificação?
Os médicos veterinários vão ser os interlocutores primordiais deste processo. Apesar de ser a DGV a superintender o processo, serão os veterinários de equídeos a fazer a identificação. De qualquer maneira nada impede que um veterinário registado na OMV o possa fazer. A partir do momento em que exista competência legar para a medicina veterinária, desde que se cumpram os regulamentos, qualquer pessoa o poderá fazer. O que queremos é que haja essa informação disponível. Naturalmente que os veterinários que trabalham com cavalos mais facilmente poderão desempenhar esse ato, agora tal não é, ou não será exclusivo dos médicos veterinários de equídeos, ainda que nos movamos mais facilmente no meio, junto dos proprietários e dos nossos clientes.
Já está prevista uma data de início?
Não vou adiantar previsões. O que digo é que devia estar em julho de 2009. Está tudo relacionado com a marginalização que falei do setor dos cavalos. Somos um grupo pequeno, não temos zoonoses importantes, embora exista agora a febre do Nilo ocidental. Não temos propriamente doenças que tenham a importância em termos de saúde pública, até porque não se consome muita carne de cavalo. Mesmo os serviços centrais têm os cavalos muito à margem, não é que os desconsiderem, mas dão-lhes pouca importância e era isso que queríamos desmistificar.
Um estudante de medicina veterinária escolhe mais facilmente medicina de pequenos animais do que de cavalos?
Por uma questão de facilidade é o que acaba por acontecer. Conheço meia dúzia de jovens que investiram na área dos cavalos e que acabaram a trabalhar com pequenos animais. Isto porque ainda trabalhamos de forma muito amadora no que diz respeito à gestão do negócio e não temos muitas empresas, no conceito clássico, na área dos equinos.
Não existem clínicas especializadas em cavalos?
Existem poucas clínicas, mas existem já alguns grupos. Penso que esse seja o futuro – a criação de equipas com diferentes valências e que possam sustentar um negócio. É muito difícil rentabilizar um negócio na área dos serviços veterinários a cavalos na perspetiva do empresário em nome individual porque os investimentos são grandes. De qualquer maneira já existem equipas que estão a dar mostras de que é possível, com um maior profissionalismo, criar nichos para se poder gerar a empregabilidade destes jovens que saem das faculdades.
Fala-se muito da crise e de como esta está a afetar tanto os veterinários com clínicas, como os jovens que saem das faculdades e não encontram emprego. Esta crise também afeta os veterinários de equídeos?
Sim, afeta a sociedade de uma maneira geral e a nossa associação em particular. O que acho que é fundamental, e nisso as faculdades têm um papel fundamental é criar um paradigma diferente. Não podemos estar à espera que exista emprego para todos porque não vai existir e com a crise ainda menos. Vai passar muito por uma abordagem diferente ao mercado e por se criar um empreendedorismo sustentável, ou sustentado, criar a filosofia da necessidade de abordar o mercado de uma maneira muito mais profissional. Os jovens vão ter de procurar essas oportunidades, bem como procurar os seus nichos de negócio, diversificar os serviços disponíveis, mais do que propriamente tentar arranjar emprego.
É mais fácil criar a própria empresa ou apostar num nicho de mercado do que tentar arranjar emprego por conta de outrem?
Penso que sim, mas as faculdades deveriam ter formação na área da gestão, da construção de um plano de negócios, de estudos de mercado, ou seja, uma abordagem diferente da que existe. É muito difícil rentabilizar investimentos na área, e então nos cavalos ou existe um bom suporte por trás ou então torna-se difícil. Sinto falta dessa formação e tenho-a procurado mais consistentemente nos últimos tempos porque vejo o paralelo com os pequenos animais, onde já existem conceitos de negócio vencedores em que se procura a competência, a liderança, a qualidade dos serviços e penso que podemos chegar lá na área dos cavalos.
Qual o balanço que faz deste mandato que vai a meio?
Não tem sido um mandato fácil, mas tenho tido algumas vitorias que gostava de ressaltar e que estão relacionadas com esta abordagem institucional que temos feito. Passa por tentar mostrar que a AMVE existe e que tem utilidade junto das diferentes instituições. É muito gratificante ver a DGV a ter-nos como interlocutores/consultores e marcar presença na Federação Europeia das Associações dos Veterinários de Equinos (FEEVA) na qual estivemos o ano passado e que nos propusemos como membros. Conseguimos ser aceites, o que é extremamente importante porque a FEEVA é “representante política” junto da União Europeia das questões do setor equino e pudemos colocar na assembleia geral de abertura as nossas preocupações.
E quais os planos para o futuro?
Em termos de representação institucional queremos continuar a marcar presença e a poder facilitar o fluxo da informação que provém destas instituições, da OMV, da DGV, mas também da própria Fundação Alter Real e da Federação Equestre Portuguesa. Temos também a intenção de estreitar contactos junto da Fundação Equestre Portuguesa para abrir o acesso dos profissionais ou recém-licenciados ao mercado do desporto equestre. Neste momento as pessoas não sabem como poderão ser veterinários federados, que podem intervir nos eventos equestres e queremos sensibilizar a Federação para a criação de cursos de formação específica onde participem todos os interessados. Depois serão as próprias organizações a escolher os seus veterinários para os eventos equestres. Queremos continuar a apostar na formação, temos organizado o primeiro fórum que, em associação com a Pfeizer, vai abordar a febre do Nilo ocidental para criar um ponto de discussão sobre esta temática e a legislação que foi implementada, a importância que a doença tem para a saúde humana e animal à luz do Ano Mundial da Medicina Veterinária. O objetivo destes fóruns passa pela partilha de informação que permita discutir algumas temáticas e apresentar problemas.
Na sua opinião, quais os benefícios para o país e para os médicos veterinários da aprovação do regulamento de apostas mútuas com vista a permitir as corridas de galope em Portugal, a nível profissional?
Neste momento existem corridas de galope no norte de Portugal, mas num plano amador e que não recorre ao sistema de apostas mútuas. A legalização das apostas nas corridas de cavalos permitiriam criar um volume de negócios muito importante para todo o setor e até para a economia do país em diferentes setores. Desde logo haveria a possibilidade de aumentar o efetivo animal trazendo consigo benefícios para todas as atividades relacionadas com estes animais. Desde a produção, à alimentação, treino e, claro está, aos cuidados veterinários destes animais, quer em termos profiláticos, quer em termos da casuística médica e cirúrgica. Este setor é conhecido por movimentar milhões em todo o mundo. Há três anos que conheci este setor na Irlanda e a visão estratégica é muito interessante. A produção de animais para as corridas de galope representava na altura cerca de 50% da produção equina nacional. Já o volume de negócios do setor ultrapassava os mil milhões de euros. O facto de esta produção ter estes números implica o desenvolvimento do setor agrícola para produção de matérias-primas para a alimentação animal, com claros benefícios para a agricultura. Também em termos demográficos permite a fixação de populações nas zonas rurais, onde de facto este setor se pode desenvolver enquanto núcleo de atividade de produção animal e vegetal.
Portugal também é um país de turismo e o investimento no setor poderia – com a existência das apostas mútuas que tornam as corridas de galope muito interessantes – contribuir bastante para um afluxo de turistas de elevado nível financeiro que associariam as qualidades turísticas do país a uma paixão pelas corridas de galope que se desenvolve em todo o mundo.
Como isso pode ser possível?
Resta sensibilizar o Governo e convencer a Santa Casa da Misericórdia para que tal seja possível. Além de tudo, numa altura em que o país necessita de equilibrar a balança financeira, o retorno do investimento neste setor seria, na minha opinião, muito interessante. Apesar da AMVE não ter contactado nenhuma instância neste sentido, tem acompanhado o assunto junto de um sócio que fazia parte de um grupo de estudo do tema. É fundamental conhecer a realidade que existe noutros países para que não se comentam alguns erros. Há que acreditar.