Os óleos essenciais são parte de uma tradição ancestral, constituindo óleos voláteis que contêm a essência da fragrância de uma planta aromática. A sua aplicação tem vindo a ser veiculada em preparações para inalação e tópicas, sendo fundamentalmente utilizados em humanos e em animais. Foi, a título de exemplo, demonstrado que os seus componentes inibiam o crescimento microbiano e fúngico,1 exibindo também propriedades antissépticas, antivirais, antioxidantes, antiparasíticas e inseticidas.2 Nos humanos, embora se observem efeitos potencialmente positivos em algumas condições com um grau moderado de evidência, a mesma é insuficiente na maioria das condições, especialmente no que refere aos óleos essenciais de administração tópica.1
Efetivamente, de forma similar aos humanos, ao selecionar determinadas plantas e solos, os animais mantêm o seu estado de saúde e de certa forma obtêm benefícios terapêuticos quando doentes, constituindo-se este fenómeno por zoofarmacognosia.3,4 Na medicina veterinária os óleos essenciais têm algumas aplicações, citando-se como exemplos não exaustivos o seu uso na suplementação, saúde oral e ansiólise.5–7
Dermatologia veterinária
Alguns médicos veterinários recomendam o uso de óleos essenciais no tratamento da otite externa de cães e gatos, contudo, os dados relativos à sua eficácia são bastante escassos na literatura. Num estudo8, pretendeu-se avaliar a eficácia de diversos extratos de óleos essenciais contra microrganismos isolados de gatos e cães com otite externa, incluindo Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus, Staphylococcus pseudointermedius, Aspergillus niger, Aspergillus fumigatus, Aspergillus terreus, Candida albicans, Candida tropicalis, Trichosporon sp., e Rhodotorula sp.. Foi demonstrada uma atividade antibacteriana superior de orégão e sálvia esclareia, ainda que a mesma não se tenha observado contra todas as estirpes bacterianas estudadas, enquanto a maior parte dos fungos foi inibida por óleo essencial de orégão e óleo essencial de alecrim. Adicionalmente, na otite externa canina por Malassezia pachydermatis também foi observada atividade in vitro por óleos essenciais de segurelha-das-montanhas, erva-cidreira, orégão, palmarosa, e óleo de folha de canela, embora outros autores tenham também referido atividade in vitro por óleo essencial de lavanda, limão, orégão e canela.9 A partir de isolados de M. pachydermatis encontra-se ainda descrita atividade por salvia esclareia, orégão, erva-cidreira, árvore do chá, e tomilho, conforme avaliado por difusão em agar.9 A lavanda, o orégão e a árvore do chá, testados por microdiluição, também demonstraram atividade contra dermatite associada a Malassezia. Foi ainda demonstrada atividade sinérgica ou aditiva de óleo essencial de árvore do chá, orégão e cravinho com clotrimazol contra 19 isolados de M. pachydermatis de diferentes localizações, conforme avaliado por microdiluição. 9 Na dermatite atópica canina também foi observado benefício no alívio de sintomas com o uso de uma formulação que incluía ácidos gordos polinsaturados associados a óleos essenciais.10,11
Saúde oral
A utilização diária de um gel tópico constituído por antioxidantes polifenólicos e óleos essenciais, nomeadamente de mentol e timol, após uma limpeza dentária profissional inicial, conduziu a uma redução da halitose em cães em comparação com um grupo placebo.12 Também foi demonstrado um potencial papel na prevenção e tratamento de doença periodontal em cães, através da utilização de um sistema de libertação oral baseado em quitosano com óleo essencial de Schinus molle L., tendo sido observada maior atividade contra Gram+ e destacando-se a atividade intensa contra Streptococcus spp., microrganismo este que tem um importante papel na adesão inicial da placa dentária em humanos. Foi especialmente sugerido o potencial de uma formulação de gel de quitosano a 3% com 0.250% de óleos essenciais de S. molle L. e 2.0% de DMSO, mas carece ainda da realização de mais testes, incluindo a avaliação da atividade antibacteriana in vitro, uma vez que o próprio quitosano tem uma atividade antimicrobiana e pode estar a atuar em sinergia; bem como da avaliação de eficácia e segurança in vivo.13
Ação calmante
Um estudo sugere que a aplicação tópica do óleo de lavanda tem propriedades calmantes em cães, na medida em que se observou uma diminuição da frequência cardíaca e um aumento da atividade vagal nos animais, similarmente a observações realizadas em humanos.14 Num outro estudo, verificou-se que a inalação de valeriana e de baunilha reduziu a atividade e a vocalização em cães de abrigo, enquanto a inalação de óleos essenciais de coco e de gengibre, não só reduziu a atividade e a vocalização, como também os animais passavam mais tempo a dormir.15 Outros investigadores observaram um aumento do tempo de repouso e na posição de sentado, e menos tempo de movimento ou vocalização em cães enquanto os mesmos viajavam no carro do tutor expostos a um aroma de lavanda, quando em comparação com o grupo de controlo.16
Outras aplicações
Há autores que sugerem a atividade de óleos essenciais contra E. coli, Salmonella spp. Pseudomonas, Campylobacter, Staphylococcus spp., Streptococcuss spp., Enterococcus spp., Mycobacterium spp., assim como diversas espécies de fungos, tanto em animais de companhia como em animais de produção.17 Nestes contextos de aplicação, embora os óleos essenciais possam ter atividade contra determinados agentes isolados, o seu uso requereria a realização de um aromatograma para dirigir a fitoterapia, analogamente à realização do antibiograma para seleção do(s) antibiótico(s) contra o(s) qual(ais) o patogenio é sensível. 9,17
Já no que respeita ao controlo ectoparasitário, Goode et al. observou uma diminuição significativa da adesão de carraças a têxteis impregnados com açafrão em comparação com o controlo negativo e com o controlo positivo (impregnado com dietiltoluamida, popularmente conhecido como DEET). Em cães, a adesão foi também significativamente inferior nas partes do corpo borrifadas com óleo essencial de açafrão em comparação com os controlos negativos.18 Adicionalmente, o óleo essencial de tomilho mostrou inibir a replicação viral do coronavírus felino a partir de uma concentração de 27 ug/mL, o que se pode dever a um efeito direto sobre o envelope viral, prevenindo a sua adsorção e penetração nas células do hospedeiro. O timol é o componente major do óleo essencial de tomilho, tendo já demonstrado atividade relativamente ao vírus do herpes (HSV) e da influenza.2 Além disso, a própria planta também mostrou atividade antivírica contra outros agentes, mas o mecanismo de ação permanece por esclarecer.2 Ainda assim, estas observações podem sugerir um potencial papel do óleo essencial de tomilho na desinfeção de superfícies e como aditivo alimentar em alguns produtos.2
Ademais, foi avaliada a eficácia do uso de um hidrogel de óleo essencial de mel de Manuka nas feridas agudas de cães saudáveis. Contudo, não foi encontrada evidência que suporte a sua utilização neste contexto, embora possa ser sugerido o benefício da sua aplicação na fase proliferativa inicial e em feridas que beneficiariam de uma epitelização precoce e robusta.19
Segurança
Nos estudos in vivo em roedores, os óleos essenciais têm sido associados a hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, alterações vasculares, toxicidade reprodutiva e stresse oxidativo como resultado da intoxicação aguda. 17 Contudo, há pouca informação sobre o impacto dos óleos essenciais na saúde dos animais de companhia. Os efeitos secundários até podem ser subtis e cumulativos a baixas doses de exposição, sendo os dados de segurança insuficientes para uma adequada avaliação de segurança, enquanto, por outro lado, também existem relatos de morte por contacto direto. As reações podem manifestar-se desde reações de hipersensibilidade a reações de toxicidade, o que tem ainda maior importância caso os óleos essenciais sejam utilizados numa forma não diluída. 9,20
Além da concentração, em alguns contextos de aplicação (ex. formulações tópicas orais), a viscosidade e outras propriedades reológicas são importantes para aumentar o contacto e a adesão à mucosa, mas assumem também um papel no que respeita à segurança na medida em que minimizam o risco de envenenamento por ingestão acidental.13 A toxicidade depende não só do óleo essencial em causa, como também da via de administração, dose de exposição, qualidade e outros compostos presentes. 20
Os gatos são mais suscetíveis aos efeitos tóxicos dos óleos essenciais, uma vez que, ao contrário dos cães, são deficientes no passo metabólico de glucoronidação de diversas substâncias, o que conduz à acumulação das substâncias ou dos seus metabolitos tóxicos. Por outro lado, sendo os gatos de pequeno porte, são também mais suscetíveis ao envenenamento com pequenos volumes de óleo, além de que o contacto cutâneo conduz frequentemente ao contacto oral, tendo em consideração o comportamento felino. Adicionalmente, os gatos têm também maior predisposição a reagir com substâncias inaladas.20 A literatura reporta ainda situações de intoxicação por aplicação direta em aves de companhia citando-se, a título de exemplo enquanto responsáveis, a árvore do chá e o abacate.21
É importante sensibilizar também os tutores para a exposição dos animais de companhia a óleos essenciais atualmente frequentemente utilizados em difusores, assim como por vezes utilizados como recurso de improviso sem aconselhamento veterinário, uma vez que existem diversas variáveis na toxicidade destes compostos.20
Nota: o presente artigo refere apenas conclusões baseadas em estudos e não tece quaisquer recomendações sobre a utilização de medicamentos ou produtos na prática veterinária, encontrando-se tais decisões subjacentes ao julgamento clínico dos profissionais de saúde veterinária.
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*Artigo publicado originalmente na edição n.º 156 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de janeiro de 2021.