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Trás-os-Vet: Prestar melhores cuidados em serviços de proximidade

É numa ótica de relação familiar que os médicos veterinários João Paulo Costa e Assunção Rosinha comandam a Trás-os-Vet. Com a aposta em programas de financiamento, tem sido possível equipar a clínica em Montalegre e o consultório em Boticas com mais equipamentos tecnológicos que permitem cuidar melhor. E os projetos não terminam por aqui…

A equipa da Trás-os-Vet é composta por quatro médicos veterinários, dois deles com mais de 25 anos de atividade. O projeto divide-se entre a sede e clínica de Montalegre, que tem como diretor clínico o médico veterinário João Paulo Costa, e um consultório em Boticas. A ideia de criar um negócio próprio partiu do médico e da esposa, Assunção Rosinha. O casal multiplica-se em funções e conheceu-se durante o curso de Medicina Veterinária tirado na Escola Superior de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa (atual Universidade de Lisboa), em 1989.

Ele é oriundo de Queluz e ela de Penafiel. Estudaram em Lisboa e mudaram-se para o concelho de Montalegre onde desenvolvem várias atividades em simultâneo. Mas já lá vamos. João Paulo Costa, que também é médico veterinário municipal, soube desde pequeno que queria ser veterinário. Filho de agricultores e produtores de vinho, habituou-se a crescer em casa dos avós, em Ourém, concelho de Fátima que era ponto de paragem obrigatória nas férias e aos fins de semana. “Comecei a aperceber-me que, quando chegava, ia primeiro ver os animais e só depois a família e isso despertou algo em mim”, refere. O facto de sair de um terceiro andar em Queluz e de ter toda aquela liberdade em casa dos avós foi motivador e decisivo.

 

Confessa que foi ainda influenciado pela série “Veterinário da Província” do James Harriot e estava decidido a trabalhar no campo. Só ainda não realizou o desejo de trabalhar com animais de produção no Litoral. “Adoro mar, fiz caça submarina há muitos anos e agora faço mergulho.” Depois de uma primeira oportunidade de trabalho em Macedo de Cavaleiros onde foi “verdadeiramente feliz” e depois de ter ido para a tropa, João Paulo e Assunção organizaram a vida entre Boticas e Montalegre. “Adoro morar aqui e cuidar dos animais das pessoas da região”, revela. Sempre soube que estaria destinado a trabalhar em cirurgia e, caso entrasse em Medicina e não em Medicina Veterinária, também teria optado por esta vertente.

“Quando acabei o curso, em julho de 1989, estava vocacionado a 100% para a clínica de animais de produção e dois dias antes já tinha emprego garantido”, partilha, recordando os tempos em que havia carência de veterinários, realidade completamente oposta àquela que o setor vive hoje. Começou a trabalhar em agosto desse mesmo ano.

 

Equipa redobrada

Com o passar do tempo, o casal sentiu a necessidade de dar resposta também à clínica de pequenos animais apesar de sempre terem realizado clínica de grandes animais. “Hoje, temos até mais faturação na resposta a animais de companhia porque há muita oferta de serviços médico-veterinários em Montalegre para animais de produção.”

 

À época, em 1998, por motivos de gestão e de contabilidade, acharam que deviam lançar-se num negócio próprio. “Decidimos construir uma casa na parte de baixo da moradia onde vivemos e fizemos a clínica”, conta o diretor clínico. O arranque do negócio próprio começou com a clínica de Montalegre e só anos depois é que avançaram com o consultório em Boticas. E, se no começo, respondiam às necessidades que iam surgindo, duas décadas depois, trabalham de forma bem mais profissional fruto de um crescimento sustentado. A partir do momento em que o licenciamento dos CAMV passou a ser obrigatório, foi tudo tratado para começar “a ter instalações dignas e com outra qualidade. Entretanto, por vicissitudes da vida, a Assunção trabalhava na Cooperativa de Montalegre que foi à falência, comprámos uma fábrica de fumeiro que fica no concelho de Boticas e é onde ela acaba por passar mais tempo, de modo que a Clínica de Montalegre ficou um pouco desativada”, explica.

O negócio foi assegurado por ambos durante muitos anos, mas com algumas limitações de horários devido a outras responsabilidades profissionais. Era necessário contratar colegas para ajudar. “Chegávamos ao final do dia e era muito duro”, explica, assinalando que os filhos Daniela, de 29 anos, e Pedro, de 27, passaram parte da infância, ao final do dia e aos fins de semana, a acompanhar os pais devido ao trabalho.

 

Juntaram-se então à equipa Joana Gonçalves e depois Marta Luís Cruz, duas médicas veterinárias que desempenham um papel fundamental e que dão a ajuda que faltava aos fundadores da Trás-os-Vet. “Trabalhamos 365 dias do ano, 24 horas por dia e temos sempre alguém de serviço. Não temos auxiliares de veterinária porque os concelhos onde atuamos são carenciados, há muita concorrência e os preços que cobramos, em alguns casos, são quase a metade, comparativamente a outros sítios”, explica João Paulo Costa e, paralelamente, elogia ambas. “Costumo dizer às colegas que aprendo mais com elas do que elas comigo. É com elas que me atualizo.” Não se considera “verdadeiramente” empreendedor – ainda que o seja – mas sempre se habituou a tomar conta do recado sozinho. Quando percebeu que precisava de ajuda, começou a contratar colegas. “Dificilmente faço uma consulta atualmente. Deixo isso para as colegas e eu dedico-me mais às cirurgias.”

“Não temos auxiliares de veterinária porque os concelhos onde atuamos são carenciados, há muita concorrência e os preços que cobramos, em alguns casos, são quase a metade, comparativamente a outros sítios”João Paulo Costa, diretor clínico

Serviços disponíveis

Há cerca de três anos, a Trás-os-Vet candidatou-se a um projeto de apoio [Norte 2020] que permitiu inovar e investir em equipamentos mais modernos e tecnologicamente mais avançados. “Temos de evoluir”, refere João Paulo Costa. “Quando nos habituamos a ter mais recursos e outra qualidade de serviço, já não conseguimos regredir.”

Na Clínica de Montalegre, além do bloco cirúrgico, existe um consultório, uma sala de espera, uma zona de laboratório e um armazém e recobro. “Em Boticas, não temos anestesia volátil e tudo o que seja cirurgia programada é realizada na Clínica de Montalegre, porque já me custa operar numa sala que não tenha as condições que já temos nesta clínica. Fica a sensação de que não conseguimos trabalhar com a mesma confiança além de ficarmos com a sensação de que não estamos a fazer aquilo que devíamos”, defende. Quando tal não é possível ou não há mesmo tempo a perder, recorre-se à anestesia fixa disponível no consultório de Boticas até porque o médico veterinário tem muita experiência a trabalhar com recurso à mesma.

A aquisição de um monitor multiparamétrico também permite ao médico veterinário ter acesso a mais dados sobre o estado do animal (frequência cardíaca, saturação do oxigénio, capnografia, entre outros), o que garante uma maior segurança anestésica. “Algo que nos fazia muita falta era também uma adequada iluminação cirúrgica que permite muito maior visibilidade e detalhe durante a intervenção. Era uma carência que tínhamos.”

Com uma aposta no conceito One Health e na profilaxia como garante do bem-estar animal, os serviços disponíveis vão desde as consultas, a vacinação, a desparasitação e a cirurgia. Foi possível passar a depender menos dos serviços externos, especialmente relevante em situações urgentes, pois a Trás-os-Vet tem ecografia, raio-X com revelação digital, eletrocardiografia, medição da pressão arterial, análises de sangue, hemograma e bioquímicas na clínica, dispondo também de perfis para espécies pecuárias, banhos e tosquias, entre outros. “Neste momento, estamos habilitados a fazer diagnósticos no momento e no local. Antes, quando precisávamos de realizar estas análises ao fim de semana, não tínhamos hipótese porque os laboratórios a que recorríamos estavam fechados”, refere João Paulo Costa.

A área de odontologia tem vindo a ganhar relevância também nesta clínica que apostou na aquisição de um destartarizador, além de outros equipamentos. Com um percurso pautado pela experiência profissional dos seus mentores e com os investimentos certos no momento em que foi possível, a Trás-os-Vet tem vindo a melhorar os seus serviços para melhor responder às necessidades dos pacientes e dos tutores. Nos animais em estado crítico, é possível realizar oxigenoterapia, enquanto se encontram em recobro e em vigilância. “Isto representa um passo muito importante nos cuidados intensivos. Estes investimentos parecem banais, mas para o volume de negócios que temos, numa zona desfavorecida e de baixa densidade, são muito difíceis de rentabilizar.” A clínica tem ainda serviço de urgência 24 horas.

Tendo em conta que vários tutores são emigrantes, este CAMV está preparado para fornecer todas as informações sobre os aspetos legais da detenção de um animal de companhia e das exigências para a sua movimentação para outros países. A equipa efetua também identificação eletrónica e resenho de equídeos e outros animais. Sempre que necessário, existem consultas ao domicílio até para responder “a uma população cada vez mais envelhecida” e, no caso dos animais de produção, a equipa desloca-se às explorações, dispondo de viaturas devidamente equipadas para atender a todo o tipo de necessidades [cirúrgicas, clínicas e profiláticas]. “Há uma necessidade cada vez maior de prestar este serviço”, explica João Paulo Costa.

Projetos futuros

A casuística é muito variada. Desde os partos nas vacas às pneumonias e diarreias nos vitelos. “Nos pequenos animais, recebemos aqui em Montalegre muitos casos de babesiose e riquetsiose e, no concelho de Boticas, a leishmaniose está em crescendo substancial, especialmente, nos últimos dois meses. Temos diagnosticado casos todas as semanas”, conta o diretor clínico. A explicação está no facto de o ano passado ter sido muito quente e seco, pouco ventoso e com uma amplitude térmica não muito grande, como habitualmente, o que favorece a multiplicação e a atividade do mosquito. “Aqui há uns anos também houve um surto semelhante e eu dirigia-me às juntas de freguesia das aldeias ao redor com uma apresentação em powerpoint, a fazer sessões de esclarecimento às pessoas sobre os cuidados a ter para prevenir esta doença.”

Foi com este verdadeiro serviço de proximidade que João Paulo Costa organizava, antes da pandemia de covid-19, simpósios de Saúde Pública abertos a todos (profissionais e população em geral), em parceria com a Unidade de Saúde Pública local, sobre zoonoses e onde o conceito de One Health se integrava totalmente. “Funcionamos muito bem em termos de profilaxia, sobretudo na altura do Natal e no Verão porque temos muito clientes emigrantes que aproveitam as suas viagens para realização das rotinas dos seus animais”, sublinha, acrescentando que muitos dos serviços preventivos são realizados nestas épocas aproveitando a sensibilização dos tutores para a importância destas medidas. “Algumas doenças, como as zoonoses e, por outro lado, a parvovirose canina vieram aumentar a consciencialização dos tutores para a importância de vacinar e desparasitar os seus animais. Isto é válido até nos grandes animais, como por exemplo, para algumas patologias dos equídeos”, diz João Paulo Costa.

Apesar dos horários respetivos da Clínica de Montalegre e do consultório de Boticas, o funcionamento depende de agendamento prévio para uma maior conciliação das rotinas diárias. O grande objetivo da Trás-os-Vet é prestar serviços de proximidade de qualidade. “O que nos preocupa é chegar a um diagnóstico mais preciso e a um tratamento efetivo. Com outro financiamento e o projeto desenvolvido, conseguimos melhorar a nossa oferta, mas há que perceber que há dias em que não temos consultas, devido ao local onde nos encontramos.” Este ano, através de uma candidatura ao Programa de Apoio à Produção Nacional do Portugal 2020, vai ser possível (caso seja aprovada), aumentar o espaço de recobro para diferenciar as áreas destinadas a gatos e a cães, além de construir uma sala de cirurgia nova.

Falta de valorização da profissão

Sente que a profissão era mais valorizada quando começou a trabalhar. “Estava a fazer o que queria, num sítio que tinha idealizado e, à época, os médicos veterinários tinham uma valorização social tremenda. As pessoas respeitavam-nos muito”, refere. A aceitação na opinião pública, a confiança e o reconhecimento eram notórios, algo que não é tão visível atualmente. “Eu tive a sorte de começar a trabalhar num sítio onde os colegas que lá estavam tinham desempenhado um papel relevante e tinham muita aceitação na opinião pública. As pessoas tratavam-nos bem, com muita deferência. Éramos muito reconhecidos e havia muita confiança na nossa profissão”, denota João Paulo Costa.

O diretor clínico passou a denotar menos valorização do setor com o aumento, sete a oito vezes maior, do número de médicos veterinários… “Em muitos locais, existe uma concorrência muito desleal, mas o problema maior e que é discutido em termos de classe – e que foi tema do Congresso da OMV – é o subemprego, o nível de remuneração e a qualidade do trabalho.” Estes desafios são ainda mais sentidos em zonas como Montalegre e Boticas. “A dificuldade para um médico veterinário é encontrar um emprego condigno que pague as horas de estudo que teve, as horas de trabalho que tem, a responsabilidade envolvida, o esforço que faz, a formação contínua, a dedicação à carreira e o desgaste emocional e psicológico que esta profissão traz inerente”, salienta.

“A dificuldade para um médico veterinário é encontrar um emprego condigno que pague as horas de estudo que teve, as horas de trabalho que tem, a responsabilidade envolvida, o esforço que faz, a formação contínua, a dedicação à carreira e o desgaste emocional e psicológico que esta profissão traz inerente”, defende João Paulo Costa

A Trás-os-Vet recebe ainda, e com alguma regularidade, estagiários − estudantes e alguns profissionais a ingressarem no mercado de trabalho.

“Sejam dignos representantes da classe e trabalhem de forma honesta, profissional.  Tentem aperfeiçoar o nível de conhecimentos, dotarem-se de instalações e de equipamentos que lhes permitam desempenhar, de forma mais profissional e assertiva, o vosso trabalho. Privilegiem e respeitem as regras do Código Deontológico porque, infelizmente, cada vez mais assistimos a atropelos deste foro”, conclui o médico veterinário, como mensagem aos colegas de profissão.

Impacto da pandemia

O diretor clínico e a esposa foram infetados com covid-19 em outubro do ano passado. Foi nessa altura que a pandemia veio alterar a rotina diária da clínica. “Sentimos uma diferença brutal. Estes meios são pequenos e as pessoas deixaram de ir à clínica. Estivemos mais de um mês praticamente a zero.”

À exceção deste período, a pandemia trouxe alguma imprevisibilidade na atuação, por exemplo, na altura em que houve um acréscimo de casos infetados a norte do País. “Aconteceu-me operar um pastor alemão que estava com uma torção de estômago porque o tutor não conseguiu encontrar uma urgência cirúrgica no Porto, segundo nos informou. O tutor trouxe cá o cão num sábado por não encontrar uma resposta mais próxima e nós operámos.” Grande parte dos clientes já são “da casa” desde há muitos anos e alguns transformaram-se em amigos. “Não somos assim tão ativos nas redes sociais como poderíamos ser e não damos a atenção que poderíamos eventualmente dar”, defende, como nota de algo a melhorar no futuro.

 

*Artigo publicado originalmente na edição 148,  de abril de 2021, da VETERINÁRIA ATUAL.

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