Os Veterinários Sem Fronteiras (VSF) são uma organização internacional fundada em 1987, constituída por organizações não governamentais (ONG) presentes em diversos países europeus.
Em Portugal a associação é recente, na medida em que nasceu, oficialmente, em 2006. Tal como todas as outras, «formou-se a partir da vontade de um conjunto de pessoas, um grupo de médicos veterinários de várias origens, tanto geográficas como de formação», explicou Conceição Peleteiro, presidente dos VSF Portugal e professora da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, referindo que, não obstante, a ideia da criação «deverá ter surgido em 2005».
A responsável conta que tudo terá começado através de «um colega que trabalhou em algumas ONG em Cuba e na Ásia, e que nos contactou questionando-nos sobre como é que era possível ainda não termos criado em Portugal os VSF. De um certo modo, foi ele que estimulou um pequeno grupo, a nível local, o qual começou a contactar outros profissionais e, como é um meio pequeno, passados uns meses já tínhamos um pequenino núcleo de fundadores». E, «à semelhança da Europa, decidimos que seria interessante conjugar esforços, no sentido de criar meios de apoio aos países em vias desenvolvimento, onde os serviços de Veterinária são muito deficientes», afirma.
De acordo com a professora, «o público em geral associa o trabalho dos médicos veterinários ao tratamento de animais de companhia». Porém, «é uma área muito mais vasta, na medida em que apoiam toda a produção de animais de consumo, o que pode significar uma melhoria das condições de alimentação das populações». É, pois, neste campo que os VSF tentam desenvolver grande parte dos seus projectos nos países onde actuam, ou seja, «prestam auxílio às populações mais carenciadas de serviços veterinários». Conceição Peleteiro nota, porém, que a intervenção no terreno é feita «de acordo com as condições locais, as tradições, os hábitos e aquilo que normalmente estes povos produzem». Daí que uma das medidas passa, por exemplo, por «introduzir processos para maximizar a produção e para que esta seja mais de acordo com as condições de pastoreio ou dos cursos de água existentes».
Outra das vertentes da acção dos VSF «é o auxílio em termos de saúde pública, por exemplo na tentativa de erradicação ou minimização das doenças contagiosas dos animais para os homens, como a raiva». E este propósito, comenta que «nós não nos preocupamos com esta patologia porque, felizmente, Portugal está livre dela, mas a verdade é que existe na maior parte dos países do mundo, como nos Estados Unidos da América».
Por outro lado, há também uma aposta «na formação de quadros locais e de técnicos, mesmo que sejam de níveis muito baixos, porque estamos a falar de países como o Quénia ou a Costa do Marfim», enfatiza. Por isso, apoiar os médicos veterinários, quando existem, formar indivíduos que não tenham mais do que uma alfabetização básica ou constituir equipas de apoio aos agricultores são algumas das acções levadas a cabo pelos elementos dos VSF, segundo a sua presidente.
Cooperação internacional
A associação desenvolve um trabalho voluntário, no sentido «em que o indivíduo está disposto a sacrificar algum do seu tempo livre e porque quando são missões de pouca duração não são pagas». Contudo, «nas situações que envolvem períodos mais prolongados, há um contrato que prevê um salário», esclarece.
Quando assumem que querem participar numa missão num dos países mencionados, os médicos veterinários «têm de ter noção de que as condições de trabalho que vão encontrar não são as mais fáceis», alerta Conceição Peleteiro, salvaguardando, no entanto, que «o acolhimento é fantástico e as pessoas são de uma simpatia extrema». «Há muita coisa que pode ser feita localmente e, neste âmbito, por exemplo, os estudantes ajudam-nos imenso».
De olhos postos na vasta experiência de França, Suíça e Bélgica, a VSF Portugal «persegue idênticos objectivos e tenta alcançar o mesmo sucesso, mas muito canalizada para os países de expressão portuguesa», até porque «Portugal tem muitas tradições de contacto com países africanos e não só, também com o Brasil e Extremo Oriente» e «quase nenhuma destas organizações tem projectos em desenvolvimento em Estados africanos de língua oficial portuguesa, visto que têm sobretudo naqueles que, no fim de contas, são as suas ex-colónias».
A VSF Portugal, diz, tem algumas mais-valias “na manga”, no sentido em que «são nações onde, inclusivamente, os quadros actualmente existentes no nosso país já tiveram, muitas vezes, experiências anteriores e, por isso, possuem conhecimento prévio das condições locais e das doenças».
Neste momento, a VSF tem um projecto «em contínuo com a Associação dos Bons Amigos de Cabo Verde, uma ONG com sede na Áustria, que tem um programa de castração gratuita de cães e cadelas, essencialmente na cidade da Praia, porque não existem meios para o estender a outras localidades», refere a professora, esclarecendo que «o problema dos cães vadios é muito complicado, uma vez que, apesar de não terem raiva, têm sarna, muito contagiosa para os Homens, e que afecta bastante a população canina e as crianças».
Outra das iniciativas irá, em breve, decorrer em Angola, para onde «uma colega está prestes a partir». Desta feita, a ONG com quem a associação vai colaborar é a Acção Agrária Alemã (AAA), «num projecto de controlo da doença de Newcastle». Para este país africano está também agendada uma outra acção, que «teve de ser adiada para o próximo ano», revela Conceição Peleteiro, explicitando tratar-se de «uma missão conjunta da Faculdade, da Universidade de Évora, dos VSF, da Universidade Agostinho Neto e da Faculdade de Ciências Agrárias de Huambo, e que tem como finalidade acompanhar a vacinação dos animais na zona de Lubango». No terreno, «as equipas vão ser distribuídas pelas zonas de intervenção, de forma a prestar apoio na área da sanidade animal, não no gado de explorações intensivas, porque esses já têm auxílio veterinário regular, mas nos animais das populações rurais».
A associação também mantém contactos com o Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, «que está a desenvolver uma iniciativa muito engraçada, financiada pelo Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), no sentido da criação local de uma escola de promoção do ambiente, em que se espera que haja oportunidade de alguns jovens médicos veterinários virem a trabalhar», declara a responsável.
Incrementar projectos de âmbito nacional «não está fora da nossa perspectiva, embora o objectivo da associação seja desenvolvê-los no exterior», diz, esclarecendo que «o tipo de iniciativas que podemos levar a cabo em Portugal enquadra-se no que estamos a desenvolver agora, aqui na Faculdade, onde temos uma colega de Cabo Verde a estagiar, ou seja, são essencialmente projectos de formação». A propósito, a responsável salienta que, «apesar de tudo, Portugal está muito bem provido de serviços veterinários».
Alargar o passo
Actualmente, a VSF Portugal conta com 120 membros, mais 50 que os 70 iniciais, o que demonstra, na perspectiva da presidente da associação, que «desde então até agora temos tido uma adesão regular ao projecto».
O nome é sugestivo, mas são só os veterinários que podem associar-se a este projecto? «Chegámos à conclusão de que poderia ser vantajoso não limitarmos os membros a médicos veterinários, até porque achámos que o alargamento seria importante para o futuro dos VSF», justifica Conceição Peleteiro, revelando que «há pessoas que são sócios apenas porque simpatizam com a causa».
Quanto ao financiamento das iniciativas e até da própria associação, a responsável refere que «estamos acolhidos pela Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, portanto as nossas despesas de comunicação, como e-mails e telefones, são suportadas pela faculdade, o que nos permite reduzir custos». Já no que respeita às deslocações, «pedimos subsídios e financiamento às entidades competentes, como o IPAD». Além disso, há igualmente «a quota dos nossos sócios, que dá para alguma coisa, como para pagar as quotas da VSF Europa».
Ao desafio para um pequeno balanço do tempo de actividade dos VSF Portugal, Conceição Peleteiro responde que, «para começar, não está mal! Mas queremos agora ganhar algum balanço e dinamismo, no sentido de sermos reconhecidos como uma organização não governamental para o desenvolvimento (ONGD). Em Portugal existe um Instituto das ONGD do qual queremos fazer parte, mas ainda não nos foi possível, dado que estamos à espera da resposta do Ministério dos Negócios Estrangeiros ao nosso pedido de registo como ONG», assegura a médica veterinária, acrescentando que, «a partir do momento em que fizermos parte de uma plataforma de ONGD, há muito trabalho que poderemos fazer em comum com outras associações. Basta vermos, por exemplo, quantas vezes a Assistência Médica Internacional (AMI) precisa do apoio de profissionais de Veterinária?!»
Sem fronteiras
Conforme revela a presidente dos VSF, todas as oportunidades de colaboração neste âmbito, «inclusive aquelas que não são dinamizadas por nós, são divulgadas através de mailing list». No entanto, a associação encontrou outras maneiras de difundir a sua existência e as suas acções, como «o nosso site e o “passa a palavra”, que funciona razoavelmente bem, visto que somos um meio profissional pequeno».
Para aceder a mais informações sobre os Veterinários Sem Fronteiras Portugal, pode consultar o seu sítio na Internet http://www.vsfportugal.org/, ou entrar em contacto com os seus elementos através do e-mail vsfpt@fmv.utl.pt, do telefone 21 365 28 00, do fax 21 365 28 95 ou ainda na morada Faculdade de Medicina Veterinária, Avenida da Universidade Técnica, 1300-477, Lisboa.