«A chave do diagnóstico de um animal é dada pelo proprietário», afirmou Xavier Valls, co-fundador da Clínica Veterinária de Animais Exóticos de Barcelona e orador do VII Congresso de Medicina Veterinária, organizado pela Associação de Estudantes do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, que teve como tema “Emergência e Cuidados Intensivos”. No caso particular dos répteis, o seu estado quando chega ao médico veterinário, normalmente, já é avançado. Não só porque têm defesas baixas mas também porque «a maioria das pessoas tem estes animais porque as crianças querem», como explica Xavier Valls. Ou seja, a maioria das emergências que afectam os répteis e os anfíbios são devido a condições inadequadas e a má alimentação. «São animais que dependem das condições ambientais para terem um óptimo estado de saúde». Por isso, o médico considera que «não existem verdadeiras urgências em répteis». Somente as quedas, mordidelas e pisadas são verdadeiras urgências no que se refere aos animais exóticos.
A temperatura ideal para estes animais é entre os 24 °C e os 29 °C e a humidade deve variar entre os 50% e 70%. «Existem incubadoras que permitem manter os animais com estas condições de temperatura e humidade relativa», referiu o orador. Até porque a temperatura de um réptil depende da temperatura externa, uma vez que eles não geram calor, como expôs Xavier Valls.
Outro factor muito importante é alimentação. Para o veterinário, é muito importante conhecer as necessidades nutricionais específicas de algumas espécies de répteis e anfíbios. «Sugiro que no caso de animais em que o médico não está muito familiarizado se consulte biografia específica», recomendou. Até porque há mais de cinco mil espécies de répteis, fora as subespécies. Para Xavier Valls, o médico deve estar familiarizado e conhecer bem as fontes de informação para saber como deve manter as diferentes espécies de répteis. «O médico veterinário deve, ao longo da sua carreira, se ir informando e actualizando, como tantos outros profissionais», defendeu.
Xavier Valls relembrou que os animais devem ser transportados em recipientes que os permitam movimentar-se pouco, fechados, opacos, à temperatura ideal e bem ventilados. «É importante para o veterinário estar informado do habitat e da dieta do animal a examinar», salientou o veterinário. A pele e as escamas (cor, forma, presença de parasitas externos), a resposta de agressão, a capacidade de atenção, os reflexos e a retracção da cabeça nas tartarugas, por exemplo, são alguns dos aspectos a observar aquando do diagnóstico de uma urgência. Também a frequência respiratória deve ser tida em conta, e no caso de não se observar movimentos respiratórios recomenda-se a ventilação assistida, como referiu o orador, realçando que a frequência cardíaca é difícil de verificar por auscultação na maioria dos repteis por razões anatómicas.
Os répteis têm muito a tendência para entrar em choque, advertiu o médico durante a sua intervenção. Nesta situação, «deve-se estabilizar a função respiratória e cardíaca, verificar o estado mental do animal e ver se há traumatismo ou perda de sangue. O choque pode ser, por exemplo, por perda de sangue ou por desidratação», explicou. De qualquer forma, o objectivo é restaurar a perfusão tissular, melhorar o desgaste cardíaco e a pressão sanguínea assegurando a permeabilidade das vias aéreas e o movimento do ar. Transfusões de sangue, oxigenoterapia, tratamentos antiparasitários são alguns dos tratamentos utilizados para o choque. «Não é aconselhável subir bruscamente a temperatura no caso de animais hipotérmicos, estes devem ser colocados numa sala onde se subirá a temperatura a pouco e pouco, ao longo de quatro a seis horas», esclareceu Xavier Valls.
A dor mata
Também nos mamíferos exóticos, como os coelhos e os porquinhos-da-índia, é necessário ter em conta a temperatura e corrigi-la, como explicou Joel Ferraz, médico veterinário na Clínica de Animais Exóticos de Companhia no Hospital Veterinário Montenegro, no Porto. «Embora seja menos comum, a hipotermia acontece sendo que nas urgências é muito importante o controlo da temperatura», realçou o médico. E a dor é uma das principais causas de morte nestas espécies, isto porque há animais muito sensíveis esse aspecto.
Joel Ferraz recordou que os animais exóticos são cada vez mais usuais nas nossas casas, por isso considera que «a clínica de animais exóticos é uma área em expansão, existindo já vários médicos veterinários com dedicação exclusiva a estas espécies». Contudo, muitas vezes as situações de emergência exigem uma resposta rápida, obrigando o clínico geral a actuar num campo para o qual não se encontra preparado. «Pela proximidade filogenética com o cão e o gato, os mamíferos exóticos, como o coelho, a chinchila ou o hamster, são muitas vezes atendidos por médicos veterinários mais habituados às espécies canina e felina. Assim, são naquelas espécies em que mais comummente observamos má prática clínica, por falta de conhecimento ou experiência», explicou.
Os coelhos e os roedores compartilham com o cão e o gato muitas situações de urgência, como os traumas associados a quedas ou a ataques por outros animais. Quadros de obstipação e obstrução gastrointestinal, enterites, desidratação severa, hipotermia, convulsões e obstrução urinária são as situações de emergência mais comuns nos mamíferos exóticos.
«Animais diferentes necessitam de cuidados médico-veterinários diferentes. Muitas vezes não há tempo para recorrer a um clínico mais experiente em mamíferos exóticos. Assim sendo, julgamos essencial, para a saúde e bem-estar destas espécies, que todo o centro veterinário disponha de uma equipa e equipamento com capacidade mínima de resposta às principais situações de emergência médica destes parentes afastados do cão e do gato», conclui Joel Ferraz.
Mas estas situações também são comuns em aves. «A dificuldade do proprietário em reconhecer os sintomas mais precoces, mas também mais subtis da doença e o desconhecimento da relevância destes, resulta num atraso significativo na procura de assistência veterinária especializada. Por estas razões muitas emergências são na realidade o colmatar de processos crónicos ou mesmo de recidivas», adiantou Pedro Nunes, veterinário responsável pelo zoo de Lourosa – Parque Ornitológico.
Segundo o médico, desde o inicio da manifestação da doença até à eventual recuperação, «o proprietário do animal é de todos os intervenientes o que, geralmente menos está ciente da necessidade de uma acção de carácter urgente». Isto porque muitas vezes os donos de aves «não valorizam, não reconhecem ou não se apercebem dos sinais manifestados pela ave a não ser que estes sejam já bastante exuberantes e consequentemente também graves. Como resultado, muitas emergências são o colmatar de processos crónicos ou prolongados», alertou o médico.
Uma das características das aves é possuírem uma taxa metabólica muito elevada, o que promove a rápida progressão da doença e «frequentemente mascaram defensivamente os sintomas de doença, evidenciando-os de forma perceptível, apenas após ter ocorrido descompensação», explicou Pedro Nunes.
Dentro dos factores que influenciam uma emergência, Pedro Nunes destacou o controlo da temperatura, a oxigenação, o stress induzido pela eventual contenção, o estado de hidratação, a pressão sanguínea, o aporte energético e a analgesia. Segundo, o médico, o conhecimento do historial da ave e uma boa anamnese são determinantes para a sua recuperação, mas devido as circunstâncias, «o clínico pode ter tendência em se apoiar demasiado na sintomatologia como resposta ao ímpeto de actuar rapidamente iniciando uma terapia de suporte mais abrangente».
Como referiu Pedro Nunes, um internamento prévio em condições controladas de temperatura, humidade, nível de oxigénio e luminosidade como forma de estabilizar uma ave é, por vezes, a melhor opção.
Na hora do diagnóstico, para além da informação obtida pela observação directa, como a postura, a posição dos membros, a plumagem, o esforço e os sons respiratórios, as possíveis assimetrias, a coordenação motora, a existência de corrimentos, secreções ou sangue, o médico veterinário consegue ainda recolher informação secundária observando o entorno da ave. «O aspecto das dejecções se existentes, o material de que a gaiola é feita, o tipo de brinquedos ou poleiros, os comedouros, o substrato ou até o tamanho da instalação aportam informação que pode direccionar-se à etiologia de um processo», como afirmou Pedro Nunes.