Com quatro gatos e quatro cães a fazerem-lhe companhia diariamente, Sofia Marques confessa que a paixão pelos animais e pela veterinária esteve sempre omnipresente na sua vida e que, na sua infância, os «cães eram até uma espécie de amas». Daí que a escolha do curso não tenha sido nada difícil e, após a sua conclusão, iniciou estágio no Hospital VetOlivais e mais tarde trabalhou na «extinta Clivet».
Contudo, porque sempre pensou enveredar pela área dos animais de companhia, Sofia Marques começou a trabalhar por conta própria, atendendo ao domicílio e, mais tarde, «a 3 de Novembro de 1997», nasceu o consultório a que dá nome.
Aposta no bem-estar animal
Confessando que nunca foi «fã da cirurgia» e que «sempre» privilegiou «o exterior e o bem-estar do animal», a médica veterinária revela que a aposta neste espaço foi uma opção para que o «consultório se especializasse mais na área do diagnóstico das doenças».
Com apenas um consultório e uma sala de tosquias, o espaço conta somente com outra médica veterinária com maior aptidão para o diagnóstico analítico, Vera Pereira, e com a ajuda da irmã da proprietária, Marta Marques, especialista em banhos e tosquias.
Aqui os exames complementares de diagnóstico necessários – «excepto o que implica microscópio» – são remetidos para o CDVet e as cirurgias mais complexas para o VetOlivais ou para o Hospital de S. Bento, «sem ter qualquer problema em referenciar para outros colegas».
É que, no entender de Sofia Marques, «um médico veterinário não tem de saber fazer tudo e ser polivalente», tem é de gostar do que faz. Assim, como não tem particular interesse na área da cirurgia e «também porque já há muito bons cirurgiões nesta área geográfica», Sofia Marques reitera que fez a melhor opção, «não fazendo concorrência a estes colegas e especializando-me em outra área, continuando a dar-lhes trabalho».
Aposta na dermatologia
Com particular interesse na área da dermatologia, Sofia Marques assume que tem investido mais nesta área até porque «os sintomas destas doenças são mais visíveis, o que traz mais rapidamente os donos ao veterinário», e muitos têm logo receio «que a doença seja contagiosa».
Porque sempre se interessou pelo exterior do animal, Sofia Marques considera que «embora não seja uma especialista», a dermatologia é uma área em que se sente «perfeitamente à vontade».
Isto deve-se também ao facto de a maior parte dos animais que lhe são trazidos virem com problemas do foro dermatológico, «logo seguidos de gastroenterites». Entre as patologias mais frequentes enumera as alergias, atopia, alergias a picadas de pulga, sarnas, dermatofitoses e alguns problemas fruto de imprudência dietética.
Além disso, conta que já é reconhecida por muitos dos seus colegas e até por alguns dos seus clientes como tendo «especial aptidão para a dermatologia», daí que não seja raro chegarem-lhe ao consultório pacientes de quatro patas referenciados de diversos pontos do país.
Assim, esta médica veterinária gostaria de ver reconhecida não só esta como outras Especialidades, dado que acredita que assim «os clientes poderiam escolher de forma mais informada sobre os clínicos dos seus animais».
Atendimento personalizado
Num espaço pequeno, em que os clientes são habituais, Sofia Marques revela que se criam «relações de amizade» e que é habitual ser referenciada «não por estar perto de, mas pela competência e pelo modo de atendimento».
Modo de atendimento que passa por perceber a situação socioeconómica de muitos dos seus clientes e por «cobrar apenas o necessário e prescrever o indispensável, sem gastar muito dinheiro e resolvendo a situação de forma eficaz».
Claro que o objectivo é sempre a saúde e o bem-estar do animal, mas a médica veterinária assume que tem muitas vezes de fazer «malabarismos para conseguir proporcionar ao animal o tratamento de que este necessita, tendo em conta o orçamento disponível do cliente».
Esta médica veterinária visita ainda muitas vezes os pacientes de quatro patas nas suas casas, equipada com a sua maleta que lhe recorda os quatro anos que passou a trabalhar apenas ao domicílio, antes de abrir o seu consultório e chega mesmo a fazer pequenas consultas por telefone – durante a entrevista o telefone tocou algumas vezes em busca de conselho médico.
Crise passa ao lado
Com o fantasma da crise económica a pairar sobre o país, seria de esperar que a saúde animal fosse relegada para segundo plano. Porém, como explica Sofia Marques, «surpreendentemente, isto nem sempre é tão linear». É que, em seu entender, as pessoas estão a «desagregar-se das suas famílias e do contacto humano e estão a abraçar o afecto animal».
Sinónimo disso são situações de pessoas que «tiram o comer da própria boca para dar aos animais, mesmo de rua» ou que «preferem dar ao animal do que à família», o que «reflecte uma inversão de valores».
Sofia Marques descreve então casos de clientes que vêem em si uma ligação com os seus animais e que a consideram «uma espécie de psicóloga». Para estabelecer limites, a médica veterinária revela que «escuto, mas não vivo os problemas dessas pessoas», ao mesmo tempo que cria «uma relação de confiança para que as pessoas não tenham receio de contar o que se passa com os animais, para chegarmos ao diagnóstico efectivo». É que, conforme explica, um dos maiores entraves é muitas vezes o facto de «os clientes mentirem».
Lidar com a morte
Contudo, nem sempre há solução para o problema que afecta o animal e é então que se chega à situação limite: a eutanásia. Sofia Marques emociona-se mesmo quando abordamos este tema e é peremptória em afirmar que se recusa a fazer este procedimento, porque «psicologicamente fico muito abalada em ter de abater um animal». Assim, nestes casos, normalmente remete para o hospital ou «escrevo uma carta para um colega».
No entanto, apesar de actualmente não realizar este procedimento, a médica veterinária confessa que já o realizou anteriormente, mas que lhe custa imenso, até pela envolvente «dolorosa» de todo o processo, que passa por «abraçar e reconfortar o dono, o que é emocionalmente muito desgastante».
E concluiu, «não faço, até porque não sou obrigada a aplicar a eutanásia, mas tenho consciência de que há casos em que não há mesmo mais nada a fazer».
Especialização e referenciação
Quanto ao futuro, a médica veterinária entende que este passa por uma maior especialização e também referenciação, «sem medos». Porque entende que «se à nossa volta há quem faça bem feito, vamos continuar a remeter para eles o que fazem bem e para o qual têm capacidade».
Além disso, considera que a opção por centros veterinários em que se agreguem especialistas de diferentes áreas pode ser igualmente uma saída profissional para um mercado que considera «saturado».
Quanto ao seu pequeno consutlório, Sofia Marques defende igualmente uma constante actualização de conhecimentos, seja através dos laboratórios, entidades ligadas ao sector, seminários, workshops e publicações especializadas.
Contudo, pensa que há ainda muito para evoluir num sector em que alguns problemas persistem. Exemplo disso, «é a leishmaniose, que continua a ser um estigma e para a qual ainda não foi encontrada solução». Porém, defende que aqui o papel do médico veterinário é fulcral, «quer na realização de testes de despiste, quer na sensibilização à população», pois se a doença for detectada numa fase precoce «a taxa de sucesso é enorme, proporcionando uma maior qualidade de vida ao animal».