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Entrevista

“Sinto que falta algum sentido de união tanto na classe, como nos estudantes”

“Sinto que falta algum sentido de união tanto na classe, como nos estudantes”
A Ordem dos Médicos Veterinários quer aproximar-se dos médicos veterinários mais jovens. Para tal foi criado o Gabinete Jovem que tem como missão aproximar a Ordem dos estudantes e recém-licenciados. Falámos com Xavier Canavilhas, um dos três elementos deste Gabinete Jovem, que nos explicou o que está a ser planeado.

Há quanto tempo existe o Gabinete Jovem da OMV?

O Gabinete Jovem começou a ser discutido o ano passado e a direção da OMV começou a falar do projeto connosco há cerca de sete meses, tendo arrancado formalmente em maio de 2018.

 

Como a OMV chegou ao contacto convosco?

No meu caso fui presidente da Federação Académica de Medicina Veterinária nos últimos dois anos e uma parte importante do nosso trabalho passava por colaborar com a OMV. Organizámos várias reuniões e na altura mostrei a minha vontade em colaborar com a Ordem.  Até que chegou o convite para fazer parte deste Gabinete Jovem.

 

Por norma, os jovens estão afastados da vida política ou muito centrados nos estudos.  Porque se interessou por esta área?

A nível pessoal, quando entrei em Medicina Veterinária vinha muito idealista daquilo que seria este curso e esta profissão. À medida que fui progredindo apercebi-me que existia alguma falta de representação dos estudantes a um nível mais geral, mais nacional. Sinto que falta algum sentido de união, tanto na classe, como nos estudantes. E isso sempre me motivou a fazer este caminho para que pudesse melhorar as condições, tanto as minhas, como as dos outros, e de me bater por alguns problemas que são resolúveis tanto no curso, como eventualmente na classe. Sempre tive uma participação cívica ativa e sempre tive muito gosto nisso. Acho que também faz parte do nosso trabalho enquanto médicos veterinários de participarmos na mudança da classe.

 

“Sinto que falta algum sentido de união tanto na classe, como nos estudantes”

Ou seja, não basta criticar, mas fazer algo para mudar?

 

Acima de tudo propor.

O que vos propuseram na primeira reunião do Gabinete Jovem? O que estava em cima da mesa?

Havia uma grande vontade por parte da OMV em estabelecer um contacto mais frutífero tanto com os estudantes, como com os recém-formados e oferecer um suporte humano e logístico que até aqui existia, mas estava um pouco descentralizado e não estava tão adaptado como agora estamos a tentar que se torne. A ideia era começar a estabelecer contacto com estudantes para os entusiasmar em relação à vida ativa dentro da classe e participar dentro destes debates. Terem alguma noção do que é o trabalho da Ordem, como tudo se processa. Isso é algo que não está patente dentro do curso, na parte curricular, e achamos que seria importante a Ordem participar.

Não há muita ligação entre os estudantes e a OMV?

Não, não há. Os estudantes procuram muitas oportunidades de formação e nesse sentido a Ordem é reconhecida pelos seus encontros e pelas palestras que dinamiza, mas haver um verdadeiro conhecimento daquilo que é o trabalho da Ordem ou porque existe a Ordem ou o que se faz na OMV é algo que é muito pouco sabido entre os estudantes. É neste sentido que surge a criação deste Gabinete Jovem, para alertar e para facilitar esse elo entre os estudantes, os recém-licenciados e a Ordem.

Quais foram as primeiras medidas tomadas?

Somos relativamente jovens enquanto órgão, mas já estamos a fazer algumas iniciativas, tanto que a Ordem vai lançar um novo site, com uma área reservada, apenas para estudantes. E é aí que vamos ter uma biblioteca digital, com conteúdos que a Ordem tem acesso, para que os estudantes possam ter outras bases formativas. Terá também um formulário de contacto para as pessoas possam entrar em contacto connosco. Outra questão passou pela criação de um banco de estágios – aliado ao banco de emprego que a Ordem está a reformar – e ter essa parte centralizada na área do estudante, que é gratuita e acessível a todos os estudantes de Medicina Veterinária no território nacional. Achamos que, além de ser uma boa maneira de fazer a ligação aos estudantes, vai ser uma forma de passar informações sobre o estado da classe, possíveis saídas de emprego e dar apoio ao nível da informação e da forma como essa informação é disponibilizada. De uma forma simples e concreta.

Quais as principais dificuldades que os jovens enfrentam hoje em dia? Mercado de trabalho?

Na minha opinião existem várias dificuldades, tanto a nível de estudantes, como junto dos recém-licenciados. Uma das grandes dificuldades prende-se com o salto: num momento somos estudantes e no outro entrega-se a tese e somos médicos veterinários. É impossível um estudante sair absolutamente formado da faculdade, capaz de desempenhar as suas funções a 100%, fazer o acompanhamento de uma consulta ou fazer os follow up. Claro que hoje em dia temos muito mais formação prática do que antigamente, mas de qualquer forma é sempre insuficiente. Logo é normal que os estudantes, quando dão esse salto do curso para a vida ativa, sintam dificuldades. Mas temos um sistema de mentores tacitamente aceite em que os estudantes vão fazer estágios curriculares, ou seja, existe já esta ligação em que o médico veterinário mais antigo ensina o médico veterinário mais novo. Há essa partilha de conhecimentos.

E fala-se que hoje em dia, os veterinários mais jovens não estão dispostos a aceitar determinadas condições de trabalho que há 10 ou 20 anos seria normal, como trabalhar 16h ou receber salário baixo. Hoje em dia os jovens estão mais atentos a estas questões?

Sim e isso tem uma parte boa e uma parte má. A parte boa é que os jovens estão mais conscientes da implicação da vertente emocional e do desgaste enquanto pessoas, na maneira como fazem o seu trabalho. É bom ver que uma parte desta geração tem consciência em relação ao facto de que, se não estiverem bem interiormente, não vão conseguir trabalhar bem. Isso é bom porque o médico veterinário tem sido uma figura muito heroica, mas também muito invisível e isso não pode continuar a acontecer. Ou seja, tem alguma visibilidade dentro da clínica de pequenos animais e as pessoas associam sempre a imagem do veterinário à clínica, mas por exemplo a questão da saúde publica, da inspeção alimentar, são campos que nos permitem ter uma vida moderna e confortável é são pouco conhecidas.

Na parte má passa por muitas pessoas terem uma ideia errada da medicina veterinária. Essas são as pessoas que só aceitam trabalho em ambiente hospitalar porque sentem que é o único trabalho que estão dispostas a aceitar, ou com o qual se identificam, com o que imaginaram da profissão que escolheram. É possível ver uma correlação de zonas em que se diz que há excesso de médicos veterinários, ou muita oferta, e muitos hospitais veterinários que se assemelham ao nível de medicina humana para animais.

Aí há outra questão: até agora ouvimos falar de excesso de médicos veterinários e de faculdades, que há trabalho para todos. Mas começamos também a ver muitos médicos veterinários a dizer que não conseguem arranjar pessoas para trabalhar nas clínicas. Onde está o excesso de veterinários se coloco um anúncio e não tenho ninguém a responder? O que se passa?

Na minha opinião – de alguém que nunca esteve no mercado de trabalho – há uma questão importante: todos falamos da questão do subemprego, do desemprego e de haver médicos veterinários a mais, mas a verdade é que não há dados estatísticos relevantes em relação a esta questão e isso é uma das coisas que a Ordem está a trabalhar: fazer uma caracterização da classe para que possamos ver exatamente o que se passa e ter essa noção. O que vejo é que existem muitas situações de subemprego, os regimes remuneratórios não estão adequados às horas de trabalho, nem às condições de trabalho.

Em relação às dificuldades no recrutamento de médicos veterinários tenho conhecimento dessas histórias e passam-se muitas vezes no interior do país. São histórias de pequenas clínicas e todas as faculdades estão muito perto de centros urbanos. Ou seja, apesar de a taxa remuneratória no interior do país ser mais elevada, significa alguma perda em termos de oportunidades de formação, ou acesso ao entretenimento, ou acesso à cultura. Penso que acima de tudo essa dificuldade de haver não veterinários para essas clínicas e hospitais prende-se com o facto de o interior do país não ter avançado tanto como o litoral e as condições oferecidas não serem suficientemente vantajosas para compensar essa perda de sair dos centros urbanos.

Não será a falta de plataforma que coloque em contacto quem procura trabalho e quem oferece?

Sim, também. Outra das coisas que temos pressionado com a criação do Gabinete Jovem é esta questão do banco de estágios, de forma a criar uma plataforma que seja justa, plena, nacional, que toda a gente tenha acesso e conhecimento para diminuir esse tipo de situações. Mas hoje em dia, com o social media, existem muitos grupos e ofertas, mas isso às vezes também é contraproducente porque quanto mais a pessoa espalha a oferta, mais difícil é de encontrar porque as pessoas não têm um sítio centralizado onde procurar e onde sabem que existe tudo. É nesse sentido que a Ordem está a tentar facilitar esse processo.

Um dos membros do Gabinete Jovem está fora do país. Tal vai possibilitar responder a algumas dúvidas dos jovens sobre o que fazer para ir trabalhar para o estrangeiro?

Sim, é uma das coisas que queremos que o nosso trabalho vingue junto dos estudantes porque sentimos que há pouca informação em relação a saídas de trabalho no estrangeiro, como tudo coisas funciona, o que é preciso, em que países podem trabalhar, como é o trabalho, se é preciso fazer exames. Esse será um dos nossos primeiros bastiões: assegurar que essa informação está clara e concreta e o Ângelo (ver caixa) é uma boa pessoa para isso porque pode dar informações sobre o mercado de trabalho no Reino Unido.

Associado a isso temos as carreiras de especialização, outra das áreas onde sentimos que os jovens estudantes e recém-licenciados estão cada vez mais por dentro para se tentarem diferenciar da força de trabalho que já existe no país e terem uma oportunidade de encontrar um emprego estável no seu país.

Têm previstas palestras para informar o público do que estão a fazer?

Sim, neste momento estamos no processo de fazer protocolos e a tentar perceber o que é possível junto das faculdades. A nossa intenção passa por estabelecer protocolos com todas as faculdades de Medicina Veterinária para que possamos, no início de todos os anos letivos, organizar palestras sobre o que é a Ordem, qual o trabalho do Gabinete Jovem, como nos podem contactar, o que nós podemos fazer e da mesma forma podermos auscultar os estudantes para conseguirmos manter esse diálogo. Se for só a Ordem a falar perde um pouco o interesse e é importante saber o que se passa lá fora.

Quem queira entrar em contacto convosco como o pode fazer?

Através do email gabinete.jovem@omv.pt. A ideia a reter deste Gabinete Jovem é que é uma espécie de gateway para a Ordem. Fomos convidados para este cargo e estamos aqui para desenvolver um trabalho de aproximar estas margens e tentar perceber qual o futuro e o que podemos fazer para tentar fazer parte dele e para melhorar as condições para os estudantes e recém-licenciados. É uma questão de união de classe, comportamento construtivo e debate interior numa estrutura como a Ordem.

Gabinete Jovem: Quem é quem?

O Gabinete Jovem é constituído por três pessoas: Xavier Canavilhas, Ângelo Pitães e João Catela. “Temos uma ordem de trabalhos e uma calendarização em relação aos projetos e vamos dividindo o trabalho. Somos uma equipa anómala no sentido em que sou estudante, logo estou grande parte do tempo na Ordem. O Ângelo Pitães licenciou-se em 2012 na FMVUL, é membro da OMV, da RVCS, e está a trabalhar no Reino Unido na área de pequenos animais e exóticos. Já o João Catela foi selecionado para o programa de trainees da Sonae, esteve dois anos a trabalhar na direção comercial e atualmente é auditor externo. Também é vereador em Santarém e presidente da JS”. Normalmente reúnem via Skype e têm um “grupo no Whatsapp onde nos vamos mantendo conectados. O Ângelo é um jovem veterinário que foi trabalhar para fora, o João é um jovem veterinário que trabalha em Portugal numa área pouco conhecida e eu ainda sou estudante. Temos perspetivas diferentes e acho que é daí que pode advir alguma da riqueza do trabalho do Gabinete Jovem, em concentrar essas ideias e em poder ser o mais abrangente possível”.

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