Veterinária Actual – Está prestes a terminar o seu curto mandato como bastonário da OMV. Qual o balanço que lhe apraz fazer?
João Pedro Sameiro de Sousa – Efectivamente, vamos ter eleições em Dezembro. Posso dizer que foi um mandato curto, porque só exercemos o cargo durante um ano, que foi ocupado com questões que nos tomaram muito tempo e nos desgastaram um pouco. Actualmente, reconheço que deveríamos ter feito mais qualquer coisa, mas ainda assim creio que lançámos as bases para que, quem vier depois, se assim o entender, prossiga na via que nós lançámos.
VA – Aparentemente, não demonstra muita confiança no trabalho realizado.
JPSS – Não é uma questão de autoconfiança. Pode dizer-se que o balanço não é… glorioso, mas é definitivamente positivo.
VA – O que ficou por fazer, qual a pedra que leva no seu sapato?
JPSS – Fundamentalmente há duas coisas absolutamente prioritárias: Estatuto da Ordem e (a revisão) do Código Deontológico. Sem que essas duas peças sejam adaptadas à realidade actual, vai ser extremamente difícil que o futuro Conselho Directivo prossiga na sua actuação com aquilo que é necessário. Por isso, fizemos já uma avaliação do actual estatuto do Código Deontológico e chegámos à conclusão que é necessário reformulá-lo e adequá-lo as necessidades do dia-a-dia. Mais, defendemos que urge criar um novo Código que nos permita actuar sem qualquer problema de natureza legal.
VA – Sai com a sensação do dever cumprido ou não houve tempo para fazer aquilo que considerava ser prioritário?
JPSS – Entro sempre com expectativas de que eu e a minha equipa seremos capazes de fazer aquilo que nos propusemos inicialmente. Ou seja, antes de abraçar qualquer projecto fico radiante, muito contente, com o leque de possibilidades que se abrem com os novos desafios. Nesse quadro, saio sempre com a sensação de que fizemos coisas positivas, com a plena confiança de que melhorámos alguma coisa. Mas, por outro lado, agora que se fecha este ciclo, sinto alguma pena de não ter feito um pouco mais.
VA – Há alguma ambivalência de sentimentos nas suas declarações. Qual a maior falha no seu “reinado”? Não conseguir unir a classe?
JPSS – De facto, a desunião na Ordem ainda não está ultrapassada. Leva tempo. É preciso demonstrar que a Ordem está ali para ajudar a classe, que está ali para os servir, para os ajudar na obtenção de conhecimentos. São questões que demoram algum tempo a conseguir, mas creio que nós (a direcção cessante) tentámos lançar as bases para que se acabasse com esse espírito, tentámos criar as condições para que o próximo bastonário tenha outro envolvimento.
VA – O problema da nova sede da Ordem também causou desgaste?
JPSS – A nova sede foi um processo moroso e complicado, que nos consumiu muito tempo e energia. Para já, pensamos que foi uma das principais “conquistas” – ainda que não goste dessa terminologia – desta direcção.
VA – Ficou claro que não vai recandidatar-se. Sente-se cansado?
JPSS – Nem é uma questão de cansaço… Não vou recandidatar-me ao cargo de bastonário. Poderei integrar outros cargos na Ordem, mas nunca como líder máximo.
VA – Porquê?
JPSS – Neste momento, não queria adiantar mais pormenores sobre o caso. Contudo, como referi inúmeras vezes, reafirmo que não terei qualquer pejo em ajudar quem para lá for, mas não em cargos de liderança…
VA – Ao “lado” ou “atrás”, mas não à frente da Ordem?
JPSS – Mais ao lado…
VA – Ficou farto das guerras intestinas que têm sacudido a Ordem?
JPSS – Não, nem é isso. Durante a minha vida profissional habituei-me às guerras intestinas. Umas foram mais complicadas que outras, mas não foi isso que me fez esmorecer, porque são situações naturais e que acontecem em todo o lado. Não são elas que nos deitam abaixo; podem causar apreensão e algumas chatices, mas não nos derrubam das nossas firmes convicções.
VA – O espectro profissional dos veterinários conta com profissionais altamente preparados para exercer o cargo de bastonário. Quem acha que deveria avançar?
JPSS – Prefiro não falar dos nomes de ninguém. Há muita gente capaz.
VA – Mas essa pessoa tem que ter um determinado perfil?
JPSS – Exacto. Tem de ser uma pessoa que conheça as dificuldades da profissão; que esteja relacionado com o ensino e com as instituições comunitárias para que se possa criar uma nova forma de aglutinação de toda a classe. Tem de ser um colega que promova qualificação do ensino, que promova o ensino ao longo da vida; que, na medida do possível, dê possibilidades e orientações profissionais aos novos médicos para que os mesmos tenham uma vida profissional mais consistente.
Perfil
João Pedro Sameiro de Sousa
Licenciatura em Medicina Veterinária pela Escola Superior de Medicina Veterinária de Lisboa, em 1971, João Pedro Sameiro de Sousa ingressou no mesmo ano na Brigada de Fomento Agro-Pecuário de São Tomé e Príncipe, como Chefe da Divisão de Veterinária.
De regresso a Portugal, já após ter concluído o serviço militar, ingressou na Direcção-Geral da Pecuária, como Inspector Sanitário no Matadouro Municipal do Porto. Mais tarde, na década de 80, foi durante três anos Assessor Técnico e Adjunto dos Secretários de Estado do Comércio e Indústrias Agrícolas, da Transformação e Mercados, do Comércio, da Agricultura, durante a vigência dos VI, VII, VIII e IX Governos Constitucionais.
Voltaria depois à Direcção-Geral de Pecuária, onde até 1993 foi Director de Serviços de Produção Animal e de Higiene Pública Veterinária. Posteriormente, exerceu o cargo de Director de Serviços de Controlo de Qualidade dos Produtos, do Instituto de Protecção da Produção Agro-Alimentar e foi Chefe de Divisão do Gabinete das Trocas Intracomunitárias e com Países Terceiros, da Direcção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar.
Antes de se aposentar, em 2006, assumiu ainda a direcção dos Serviços dos Controlos Veterinários, da Direcção-Geral de Veterinária, e foi Assessor Principal da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica.