Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro?
Sempre fui uma pessoa que gosta de viajar e descobrir outras culturas. Ainda enquanto estudante fiz vários estágios no estrangeiro, que me deram a conhecer a realidade de internatos e residências, que era muito pouco falada em Portugal. Após uma passagem de Erasmus em Lyon (França), decidi tentar a sorte e concorri a internatos generalistas em várias faculdades da europa e num Hospital de referência em Paris. Acabei por ficar neste último e fiz um ano de internato que me abriu várias portas e me reforçou o sonho de ser especialista em Medicina Interna. Como de forma paralela sempre gostei da vida académica (e de uma potencial carreira nessa área), surgiu a oportunidade e voltei para Portugal, para a FMV-ULisboa para fazer o Doutoramento. Terminado o Doutoramento, a ideia de fazer uma residência e ser especialista em Medicina Interna persistiu. E porque “o sonho comanda a vida” decidi abraçar de novo a ideia da emigração e voltei a concorrer, desta vez para residências. Consegui um posto de residente de medicina no CHV Fregis, o mesmo hospital no qual fiz o internato, e é onde estou de momento.
O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
A decisão de sair do país (no meu caso pela segunda vez) foi um bocado o reflexo da minha persistência pessoal. Saber mais de Medicina Interna e ser especialista europeu sempre foi um dos meus grandes objetivos profissionais. O facto de em Portugal (ainda) não existirem residências em Medicina Interna levou-me a procurar postos na Europa e consequentemente emigrar. Gostava do meio universitário, do sol, da proximidade da família e dos amigos. Contudo sei que os objetivos não se conseguem sem “sacrifícios”. O sonho falou mais alto e não quis desistir dele, então fiz malas e emigrei. Claro que não foi uma decisão fácil, sobretudo quando o conforto de Portugal é tão atrativo e quando a emigração interage com tantos fatores. O mais difícil foi conjugar a oportunidade com a vida pessoal, já que me tinha casado recentemente. Felizmente, no espaço de alguns meses tudo se resolveu e a minha mulher, também veterinária, juntou-se a mim nesta aventura.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?
Creio que a realidade da clínica de referência já começa a estar implantada em Portugal, mas ainda não o suficiente como está em França. O meu dia de trabalho dura sensivelmente 12-13 horas. Faço maioritariamente consultas de referência e como residente sou supervisionado por especialistas. O dia começa às 8h00 e passa-se entre os novos casos, os animais hospitalizados, as rondas clínicas com os supervisores e os internos, a realização de exames complementares (como endoscopias digestivas e respiratórias), telefonemas para os donos e para os veterinários referentes e, com isto tudo, são 20h00. É um dia bastante intenso, que acaba por passar rápido.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem à vida em França?
Viver fora de Portugal não é fácil e a mudança também não o foi. Estamos longe da família, dos amigos, do sol, da boa comida, do bom café, do pastel de nata e daquela “luz” que só nós temos. Paris é uma cidade para se visitar em fim-de-semana romântico, mas morar em Paris não é a mesma coisa. Os apartamentos são muito caros, a “nouvelle cuisine” francesa só nos filmes, o stresse dos parisienses contrasta com o sorriso dos portugueses… Resta-nos os croissants, as baguetes, os macarrons e a boa vida cultural da cidade. Fora de brincadeiras, Paris é uma cidade fabulosa, mas o custo de vida e o ritmo de trabalho intenso impede-nos de disfrutar dessa grande metrópole europeia. A adaptação não foi fácil. A língua não é simples e o modo de vida não lhe fica atrás. Depois há sempre aquelas dificuldades iniciais, como conseguir que nos aluguem casa sendo estrangeiro, perceber como tudo funciona do ponto de vista administrativo, etc. Ainda assim, o pior já passou e atualmente já estamos bem integrados.
Equaciona voltar a Portugal?
Como todos os emigrantes, creio que sentimos sempre um arrepio de saudade e parafraseamos o Pedro Abrunhosa no “quero voltar, para os braços da minha mãe…”. Creio que ainda há algum desconhecimento e insensibilização do público português para as verdadeiras especialidades (certificadas pelos colégios europeus) e, na sequência disso, talvez ainda sejam pouco reconhecidas. Acredito que Portugal tem mercado para especialistas e para uma medicina de referência, centrada na boa relação da classe médico-veterinária e no respeito mútuo. Se é brevemente ou se vai demorar algum tempo é difícil de dizer, pois tudo depende de fatores externos (como a crise financeira). Ainda assim acredito que é possível caminhar nesse sentido e por isso mesmo gostava muito de voltar para Portugal. O futuro o dirá e tudo depende das oportunidades que surgirem após a residência.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
O estado atual da medicina veterinária é muito discrepante. Temos países como o Reino Unido onde a empregabilidade ainda é boa, onde os veterinários são muito reconhecidos pela sociedade e onde a medicina de especialidade está bem instaurada. Depois temos países como a Itália e Espanha onde o mercado laboral está a passar por uma fase problemática. Portugal não é exceção. Há um descontrolo no número de veterinários que se formam por ano e invariavelmente isso também se reflete no desemprego e nas condições desfavoráveis que a classe está a passar.
Qual o seu sonho?
Sonho em ser um bom internista e um bom pai de família. Como já referi quero muito acabar a residência, passar os exames de especialidade e ter a qualidade de vida que aos poucos e poucos tenho descurado… Porque fazer um internato, um doutoramento e uma residência exige muito de nós. Quero muito ter um emprego que me permita usufruir e aplicar os conhecimentos que estou a adquirir. Quero trabalhar numa equipa multidisciplinar e de bons profissionais, porque a Medicina Interna é um trabalho de equipa e não é um caminho solitário. Quero também privilegiar mais a vida pessoal, quero ter uma vida estável, constituir família e compensar todo o tempo que tenho abdicado dela.