Entrevista a Mariana Magalhães, Médica veterinária na Casa dos Animais, Luanda, Angola
Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
As áreas de maior interesse são a Cardiologia e Imagiologia, mas sou apenas veterinária desde 2012 e ainda não sinto que possa ter uma especialização, estou num fase de tentar aprender um pouco de tudo. Apesar de em Portugal e outros países se falar muito em especialização, em Angola ainda é um objetivo que vai longe. Em Angola sinto que se vive uma fase de educação do proprietário nos cuidados de saúde a ter com o seu animal, seja em que área for. Por isso não há tanto a necessidade de especialização, mas de conseguir dar e fazer perceber os melhores cuidados de saúde que o animal deve ter.
Como surgiu a oportunidade de trabalhar no estrangeiro, nomeadamente Angola?
A oportunidade surgiu numa conversa com uma amiga que já trabalhava lá. Sempre quis ter a experiência de trabalhar fora e África sempre foi um continente de eleição. Sempre mostrei o meu interesse numa oportunidade e quando esta amiga falou comigo apenas um “sim” fazia sentido, apesar de tudo o que se deixa para trás.
O que a fez tomar a decisão de emigrar?
Esta decisão foi um pouco impulsiva, mas foi muito a vontade que sempre tive de ter uma experiência fora do país não só profissional, mas também pessoal. Contribuiu também o que sentia em relação a trabalhar como veterinária em Portugal, a falta de perspetiva de evolução e a necessidade de arriscar mais levaram-me a decidir ir para fora do país.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?
Os métodos e a forma de trabalhar são os mesmos. Onde trabalho somos só veterinários Portugueses e por isso fazemos o que aprendemos cá. Aliás o objetivo é mesmo esse, melhorar a saúde veterinária em Angola. Um dia de trabalho normal passa, como qualquer dia de um veterinário em qualquer país, entre consultas, internamento, cirurgias e outros procedimentos. Apesar da dificuldade de importação dos medicamentos e aparelhos necessários, acabamos sempre por conseguir ter tudo disponível. A diferença é que não existem laboratórios, por isso temos de ter tudo no laboratório da clínica. Qualquer diagnóstico ou tratamento é possível, a sua realização depende do transporte das coisas para lá e da vontade do próprio dono em fazê-lo. A maior dificuldade que senti foi mesmo na falta de conhecimento por parte dos donos em relação à saúde animal, o que em Portugal pode parecer já estar no senso comum das pessoas que têm animais, em Angola não está tanto assim. Isto porque a informação não é tanta e a medicina veterinária como a conhecemos em Portugal é recente em Angola. No entanto há uma recetividade e vontade por parte das pessoas em saber mais e cuidar cada vez melhor dos seus animais, por isso acaba por ser um ótimo desafio e muito compensador fazer com que as pessoas vão percebendo e a saúde animal melhore aos poucos.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem à vida em Luanda?
Portugal tem sempre o seu encanto único, viver fora do país não sinto que seja melhor ou pior, mas sim diferente. Quando cheguei a Angola disseram-me logo “em um mês percebes se odeias ou se te apaixonas”. Acho que me apaixonei e o problema é que aí já se torna difícil de sair. A cultura e a forma de viver são muito diferentes, mas a adaptação acabou, para mim, por ser fácil e acabei por dar razão: é fácil odiar ou adorar, mas eu adorei. É um país e uma cidade muito intensa, que exige muito de nós, percebi que para se viver em Luanda tem de se viver Luanda tal e qual como ela é, sem querer mudar.
Do que mais tem saudades de Portugal?
Há pequenas coisas que me dão uma saudade imensa, como beber água da torneira, ou bons petiscos que só Portugal tem. As paisagens africanas são únicas, mas sou uma apaixonada pelo nosso Alentejo que me traz sempre saudades. Mas as saudades apertam a sério quando penso em pessoas especiais que ficaram em Lisboa e que estão sempre comigo, mesmo longe.
Quais os seus planos para o futuro?
Para já percebi que não posso pensar muito no futuro, quero viver bem este presente de trabalhar em Angola e aprender e absorver o máximo possível. Vive-se cada dia com uma enorme intensidade, por isso planos maiores acho que só terei quando me cansar deste país. Um dia, a nível profissional, quem sabe ter uma clínica nesse Alentejo, mas são só sonhos para já.
Equaciona regressar a Portugal?
Claro que sim. Gostava muito de poder trabalhar e viver em Portugal, nunca foi meu objetivo viver sempre fora do País, apenas quis uma experiência, mas a verdade é que nunca se sabe o que pode surgir.
Qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
Gostaria de um dia poder vir a desenvolver uma clínica no Alentejo, de grandes e pequenos animais. Mas para já é apenas um sonho, estou focada em viver Luanda e aprender muito por cá.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Ainda me sinto quase uma recém-licenciada, mas o que posso dizer é para arriscarem. Infelizmente trabalhar em Portugal como médico veterinário não nos dá, ou pouco nos dá o que procuramos, mas não devem ter medo de arriscar. Dentro ou fora do país acho que o que interessa é fazer o que realmente vos apaixona e arriscar, arriscar a serem diferentes e melhores, apesar de todos os contratempos que esta profissão exige, não desistam.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal?
Vejo com alguma tristeza, mas com esperança de um futuro melhor. Estou há pouco tempo nesta profissão e nunca a vi a ter a valorização que merece. Infelizmente um recém-licenciado acaba sempre por ter de se render a um estágio profissional, em que a dedicação e as horas trabalhadas não se refletem a nível monetário, nem de realização profissional. É isto que nos faz optar por ir para outros países à procura de evolução e valorização. Espero que as coisas por Portugal mudem, principalmente que se valorize mais o trabalho dos veterinários, acho que é isso o que falta.
Qual o seu sonho?
Apenas sonho em continuar e a ser cada vez mais feliz e realizada, tanto a nível profissional como pessoal.
Artigo publicado na edição de maio de 2015 da revista VETERINÁRIA ATUAL