O patologista falou com a Veterinária Actual durante as XXXII Jornadas Médico-Veterinárias da FMV, que decorreram em Novembro passado, onde deu três palestras – “Contadores celulares e algumas técnicas básicas em Hematologia”, “Observação de esfregaços de sangue” e “Análises clínicas em equinos”. Criticou a falta de especialistas na Veterinária e comparou experiências entre o trabalho no Reino Unido e em Portugal.
Veterinária Actual: Como é que encarou o convite de fazer não uma, mas três palestras nestas XXXII Jornadas Médico-Veterinárias?
Pedro Serra: Com surpresa (risos). Não estava à espera que me convidassem porque nem sequer trabalho aqui, em Portugal, mas recebi o convite com orgulho. Deu-me gozo estudar e rever a matéria para depois poder responder aqui às questões dos alunos.
Qual foi a sua principal preocupação na escolha dos temas das palestras, para além de se enquadrarem no tema geral das Jornadas – “Métodos e Técnicas de Diagnóstico em Medicina Veterinária”?
A minha principal preocupação foi encontrar temas que fossem interessantes do ponto de vista clínico. Não me interessava trazer algo que tivesse muito pormenor mas que não tivesse importância prática. É importante explicar o que mais interessa sobre o aparelho [de diagnóstico], como é que funciona e o essencial para uma avaliação dos dados. Eu trabalho mais na área da Hematologia e Bioquímica e foi dentro dessa área que tentei escolher os temas, mas procurando sempre algo que fosse relevante para os alunos.
Fale-nos do seu percurso profissional. Como é que foi parar a um dos maiores laboratórios privados do Reino Unido?
Eu fiz Patologia Clínica e comecei a trabalhar no laboratório de análises clínicas da faculdade, onde fiquei durante três anos e meio. Foi uma boa experiência, aprende-se muito. Tinha também a possibilidade de ir discutir os casos clínicos com os próprios clínicos do hospital. Podia perguntar: “O que é que isto quer dizer? O que significam estes resultados?” e isso era muito bom.
Agora, é outra experiência, foi um grande salto. É um laboratório que faz basicamente a mesma coisa mas logisticamente é muito maior.
E que diferenças nota no trabalho no Reino Unido?
Os médicos veterinários, os clínicos e os patologistas no Reino Unido não são necessariamente melhores que nós. Têm mais dinheiro à disposição, definitivamente. Têm ainda mais experiência porque são expostos a maior número de amostras e casos que, com certeza, aqui aparecem menos frequentemente, porque também temos menor número de amostras. Mas, tecnicamente, não são melhores que nós. Eu falo regularmente com clínicos portugueses ao telefone e há clínicos muito bons. A maior parte deles são clínicos competentes e dedicados.
Apresentam-lhe casos pelo telefone?
Sim. Alguns telefonam para saber pequenos pormenores. Por exemplo, ligam a dizer: “Suspeito que este cão tem esta doença. Que amostras devo recolher, que resultados devo esperar?” Há, obviamente, como em todo o lado, veterinários que não abrem um livro há muito tempo…Mas são uma minoria. Tenho mesmo esta ideia de que não somos piores veterinários que eles, mesmo comparando com os Estados Unidos da América. Estive lá no ano passado, durante duas semanas, num laboratório, e eles têm melhor equipamento que nós mas eu sentia-me a par e passo com os conhecimentos deles. Nós chegamos lá (risos). Não é por falta de livros ou por termos maus professores que não atingimos outro nível. Falta é muitas vezes o dinheiro.
E a nível dos donos dos animais? Os portugueses são bons donos?
Em França e Inglaterra, e refiro estes países porque já lá estive e conheço a sua realidade, os donos têm brio com os cães. Cá, ainda há uma atitude de “eu quero saber o que o animal tem para saber se ele pode ser tratado ou se o ponho a dormir”. Se determinado tratamento for mais caro dizem logo: “Sr. Dr. não pode ser, prefiro que me abata o cão”. Em Inglaterra, os donos têm seguros para os animais, o que ajuda. Em Portugal, muita gente não vai sequer a um médico veterinário porque não têm sequer dinheiro para pagar as vacinas… Há pessoas que estão a contar com essas despesas e têm até “x”. Depois, já não podem pagar mais. É frequente haver veterinários cujos clientes têm dívidas porque não pagaram. Se houvesse uma companhia de seguros que lhes pagasse as despesas, com certeza que as pessoas levavam mais os seus animais ao médico veterinário. E os veterinários tinham a vantagem de saber que o cliente não lhes ia ficar a dever. Podia pagar mais tarde, mas iria pagar.
Mas como é que funciona esse sistema em Inglaterra?
Em Inglaterra também chegam ao ponto de tratar melhor os animais do que a si mesmos… Mas o negócio das seguradoras é impressionante. Qualquer pessoa, qualquer empresa vende apólices de seguros. Estas não existem necessariamente só nas seguradoras, estão à venda nos postos dos correios, nos supermercados, etc. Qualquer local vende uma apólice de seguros e tem, com certeza, qualquer participação nisso, mas está muito bem difundida a imagem de que as companhias de seguros estão lá para ajudar e os clientes pagam. Não sei ao certo quanto é que uma pessoa paga, mas eles chegam a pagar tratamentos para os animais durante uma vida inteira. Depois, existem outros seguros que cobrem até determinada quantia, outros em que você paga as primeiras 50 libras e eles o restante, outros que incluem suínos, outros que não incluem… Há uma grande variedade.
Até hoje, qual foi o seu caso mais difícil?
Todos aqueles em que eu não sei o que os animais têm (risos). Acho que os casos mais difíceis são aqueles em que nós juramos a pés juntos que o cão ou o gato têm aquilo e depois não têm, às vezes também por falta de conhecimento da história do animal ou porque não foi pedida aquela análise que deveria ter sido pedida e que dava o diagnóstico final. Na área de Hematologia, creio que os casos mais difíceis são as leucemias porque as células estão tão pouco diferenciadas que é preciso fazer testes específicos, que não são de rotina, e não chegamos lá.
O que pode ser melhorado no ensino e na prática da Veterinária?
Essencialmente, faltam mais especialistas. Na área de Patologia Clínica, há um colégio que foi criado há meia dúzia de anos [European College of Veterinary Clinical Pathology] e eu espero lá ir, se tudo correr bem, em 2010. Tenho lá cinco colegas, por isso daqui a dois ou três anos vamos ter cinco especialistas na área. Eu acho que este é o caminho da medicina veterinária. Não podemos ser médicos veterinários de tudo e essa coisa de haver clínicos de pequenos animais e de grandes animais acabou. O fazer consultas e castrações ao fim da tarde também acabou. Os clientes hoje em dia são mais exigentes. Pagam, mas querem ver resultados.
Que planos tem para o seu futuro profissional?
Devido ao trabalho que tenho nos laboratórios, neste momento só me falta ser director. Aliás, uma das funções do colégio é formar especialistas nesta área, pessoas que depois consigam dirigir um laboratório.
E voltar a Portugal, faz parte dos planos?
Sim, é uma grande parte dos planos! Para quê ajudá-los [aos britânicos] mais? (risos) Se tenho oportunidade de fazer algo em Portugal que nós aqui ainda não oferecemos, porque não fazê-lo?