Da perspectiva do produtor, há então o factor económico. «As parasitoses levam a perdas económicas importantes, por vezes só mensuráveis quando o produtor vê os animais a morrer, quando há menor produção leiteira ou quando há desvalorização da carcaça no momento do abate devido ao emagrecimento dos animais», refere Luís Madeira de Carvalho. «Alguns estudos têm permitido estimar melhor as perdas. Sabe-se que na Austrália os nemátodes gastrintestinais e os ectoparasitas dos ovinos levam a perdas na ordem dos 250 e 400 milhões de dólares anuais, respectivamente. Com base numa tese de mestrado defendida na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa (FMV-UTL), foi apurado que nalgumas zonas de Portugal a fasciolose pode ter impacto forte em termos económicos, pois leva à rejeição no matadouro de 5% dos fígados de bovinos».
Mas, para o professor do Departamento de Sanidade Animal da FMV-UTL, relacionada com as parasitoses, está, igualmente, a questão da biossegurança, pois «necessitam de um controlo e de uma vigilância regular para evitar o desencadear do parasitismo clínico, a sua difusão na exploração e a introdução de agentes parasitários oriundos de outras explorações. Para o efeito precisa de um bom programa de profilaxia das parasitoses».
Por fim, a saúde pública. «Algumas parasitoses dos ruminantes também podem infectar o Homem, entre as quais destacamos criptosporidiose, toxoplasmose, fasciolose, equinococose/hidatidose, cistocercose/teniose e sarna sarcóptica». Assim sendo, «o produtor está na primeira linha de defesa para esta eventualidade, não só para ele, como para o seu agregado familiar e para os seus colaboradores», acrescenta.
Do ponto de vista do consumidor, as consequências das parasitoses dos ruminantes são exactamente ao nível da saúde pública, devido à possibilidade de «ingestão de carne crua ou mal cozinhada com formas infectantes para humanos ou ingestão de carne ou leite com metabolitos de fármacos anti-parasitários utilizados nos animais, cujo abate ou venda de leite para consumo foram efectuados ainda durante a vigência do intervalo de segurança».
Convivência de há milhões de anos
As parasitoses continuam a ser «das principais causas de perdas na produção animal em todo o mundo, apesar do desenvolvimento das ciências veterinárias, e vários factores podem explicar este paradoxo», revela Luís Madeira de Carvalho.
Em primeiro lugar, de acordo com o professor, porque os ruminantes, «com raras excepções, são criados em sistema de pastoreio, o que os torna susceptíveis a infecções por endoparasitas (parasitas internos) como as coccídeas intestinais, os nemátodes gastrintestinais e pulmonares ou as diversas larvas de céstodes, como o vulgarmente designado quisto hidático, em particular nos ovinos».
Para além destes endoparasitas, também há a registar «os parasitas sanguíneos e as respectivas hemoparasitoses, tais como a babesiose, theileriose e anaplasmose, que continuam a ser muito frequentes, fruto da sua via de infecção, ou seja, através dos Ixodídeos ou carraças que se alimentam do sangue dos hospedeiros», refere.
O facto de se serem tipicamente animais criados em pastagem, continua o médico veterinário, «torna-os também num fácil alvo para os ectoparasitas (parasitas externos), tais como os já referidos Ixodídeos, os ácaros da sarna, formas adultas e larvares de dípteros, como o género Oestrus nos pequenos ruminantes e Hypoderma nos bovinos. Finalmente, é preciso não esquecer que há muitos parasitas que são comuns a bovinos, ovinos e caprinos (e até a ruminantes silvestres como os cervídeos) e quando todos estes ungulados coexistam na mesma pastagem, há forte possibilidade de inter-transmissibilidade de parasitas».
Em segundo lugar, o docente avança que o facto de se encontrarem em grupo na pastagem, «permite que as parasitoses tenham uma transmissão mais rápida, pois muitas delas são dependentes da densidade de animais, em particular nos parasitas cujos ciclos biológicos tenham formas infectantes que sejam ingeridas com a erva».
Em terceiro lugar, neste ranking, «as parasitoses tendencialmente são mais prevalentes e mais importantes na idade jovem, pois os indivíduos mais novos não têm ainda um sistema imunitário competente e resistência natural às parasitoses», sublinha Luís Madeira de Carvalho. Apesar de ser «precisamente a faixa etária até 1-2 anos de idade que mais tributo paga aquando da sua infecção por parasitas, as parasitoses podem ser características de determinada idade, do tipo de aptidão do animal e do maneio, dependendo o seu aparecimento da duração do seu ciclo-biológico e do seu período pré-patente», reforça o docente.
Em quarto lugar, o especialista salienta que «os ruminantes também podem estar mais predispostos às parasitoses se determinadas características intrínsecas ou extrínsecas aos hospedeiros coexistirem com uma infecção parasitária: alimentação deficiente em qualidade e quantidade; más instalações com deficiente higiene e sanidade; stress de manipulação (por exemplo tosquia, descorna, castração, desmame); e stress produtivo (indivíduos de alta produção podem estar mais predispostos às parasitoses), etc.».
Em quinto lugar, o especialista distingue a questão da medicação. «O facto dos medicamentos anti-parasitários hoje em dia terem maior espectro de acção, serem mais eficazes e seguros, não quer dizer que os animais não continuem a infectar-se com parasitas». Na verdade, ressalva, «a administração de anti-parasitários implica não só que estes sejam administrados frequentemente, em particular nas épocas de maior prevalência dos parasitas, como a sua acção deve ser monitorizada de perto, para ver se o produto é eficaz, se é necessário repetir as desparasitações, ou se, pelo contrário, o nível de infecção é negativo e não necessitam ser desparasitados novamente». Quer por má utilização, desconhecimento ou até ignorância, «a sua má utilização é muito frequente, em particular a sua subdosagem, conduzindo a outro problema que pode aumentar a prevalência das parasitoses: a resistência aos fármacos anti-parasitários», alerta o professor.
Por último, Luís Madeira de Carvalho declara que «devemos interiorizar de uma vez por todas que os parasitas “convivem” com os seus hospedeiros há milhões de anos e assim há-de continuar. Negligenciar este facto e pensar que será fácil erradicar estas doenças é incorrer em erros comuns: que uma desparasitação resolve o problema durante um ano ou ciclo produtivo ou, pelo contrário, que a desparasitação frequente é a solução para todos os problemas».
Então o que fazer? O médico veterinário responde: «o ideal será adaptar um controlo integrado e adaptado a cada exploração e a cada realidade geoclimática, pois o controlo das parasitoses nos ruminantes do Algarve não será exactamente igual à que faremos no Alentejo ou em Trás-os-Montes, pois as características dos sistemas de produção, geoclimáticas, de maneio e a forma de efectuar a profilaxia das parasitoses serão obrigatoriamente diferentes».
Há anos sem moléculas novas
De acordo com o docente, os sinais clínicos podem ser comuns a muitas doenças parasitárias (e até infecciosas). Desta forma, o seu diagnóstico diferencial deverá passar também por «um diagnóstico laboratorial adequado e mais frequente».
Para o efeito é preciso «colher-se amostras biológicas (fezes, sangue, pele, pelos, líquidos recolhidos nas aberturas naturais, etc.) e proceder ao seu envio para laboratórios com competência». Nalgumas situações, «até poderemos colher amostras do ambiente, como por exemplo a palha, feno ou silagem para averiguar da sua contaminação parasitária».
Neste ponto, Luís Madeira de Carvalho destaca que «os médicos veterinários devem cada vez mais entender o diagnóstico laboratorial como uma ferramenta indispensável para a selecção do fármaco mais adequado ao problema». Esta abordagem é especialmente importante «se pensarmos que as resistências aos anti-parasitários são cada vez mais frequentes» e «nos últimos 10-15 anos não foi lançado nenhuma molécula nova com actividade anti-parasitária, pelo que temos que conservar a eficácia das que temos no momento», conclui.
Hoje em dia, «procura-se compatibilizar boas produções de carne, leite e lã, com bem-estar animal aceitável e um nível de parasitismo residual na exploração, de forma que os animais sejam resilientes», esclarece o especialista, acrescentando que «este objectivo é conseguido através de várias técnicas de diagnóstico e controlo que passam por tornar gradual e naturalmente os animais mais resistentes às doenças parasitárias, efectuando uma administração sustentada de anti-parasitários (AP), os quais devem ser bem utilizados e a sua eficácia deve ser monitorizada regularmente». Em simultâneo, o professor aconselha a que «a administração destes fármacos seja conjugada com técnicas complementares de controlo dos parasitas, tais como a selecção de animais resistentes, a rotação de pastagens, o controlo biológico, a administração de produtos homeopáticos, administração de taninos, a imunonutrição e o uso de vacinas, de forma a manter uma produção pecuária de boa qualidade com um controlo anti-parasitário integrado e sustentável».
Parasitoses em suínos
De acordo com José Meireles, as doenças parasitárias produzem perdas significativas nos principais indicadores da eficiência produtiva, algo que é problemático, pois «a rentabilidade da produção suína intensiva depende da eficiência da produção».
No campo das perdas, o professor do Departamento de Sanidade Animal da FMV-UTL salienta a diminuição das taxas de ganho de peso vivo e do índice de conversão alimentar; o aumento da morbilidade, visto que há um acréscimo da susceptibilidade a outras doenças; os tratamentos AP e a mortalidade; a rejeição no matadouro; e, por último, a menor qualidade dos produtos obtidos.
Segundo informações do médico veterinário, as principais endoparasitoses dos leitões são a Coccidiose – Isospora suis e a Estrongiloidose – Strongyloides ransomi. O parasitismo nos leitões está associado «à infecção das porcas reprodutoras, assim como à higiene e maneio das maternidades e ao uso de AH na exploração».
Já na fase da recria e engorda, são mais frequentes Ascaridiose – Ascaris suum e Tricuriose – Trichuris suis. A sua ocorrência é favorecida por factores climáticos (temperado e quente), mas também sanitários (sobrelotação e higiene deficiente) e nutricionais (deficiências proteica).
Os reprodutores, segundo o professor, são afectados por Esofagostomose – Oesophagostomum spp. (O. dentatum), gastrite parasitária – Hyostrongylus rubidus e Helmintose do aparelho urinário – Stephanurus dentatus.
Porém, existem zoonoses transmitidas por ingestão de carne de porco. Uma delas é a toxoplasmose (Toxoplasma gondii).
De acordo com José Meireles, os suínos adquirem a infecção por «ingestão de alimentos contaminados com oocistos esporulados ou de tecidos com bradizoítos também por infecção pré-natal». Considera-se que a principal fonte de infecção em explorações suínas «são os oocistos eliminados pelos gatos». Mas há outras fontes, como roedores ou mesmo através de canibalismo.
Este problema é «mais frequente em explorações em regime aberto do que nas explorações fechadas». Em porcos «imunocompetentes a infecção é subclínica, mas em leitões lactantes (menos de 15 dias) pode ser fatal e a primoinfecção em porcas gestantes pode originar aborto, parto prematuro ou nascimento de leitões débeis», lê-se na informação cedida pelo professor, onde alerta ainda que a dificuldade do diagnóstico clínico obriga a recorrer a técnicas laboratoriais e o diagnóstico de uma infecção aguda requer a repetição das provas serológicas em duas semanas (títulos no mínimo quatro vezes superiores).
A triquinelose é uma das zoonoses mais difundidas, segundo José Meireles. É endémica na maioria dos países da União Europeia, incluído Portugal.
No que toca ao ciclo epidemiológico, no caso urbano desenvolve-se entre o porco doméstico (por ingestão de restos de matadouro ou canibalismo – orelhas ou cauda). Já na área rural, ocorre em explorações extensivas de suínos que contactam com fauna silvestre (coprofagia de fezes de carnívoros que contêm carne mal digerida, contendo quistos com larvas viáveis). O homem pode ser infectado através da ingestão de carne mal cozinhada.
De acordo com o docente, o diagnóstico post-mortem é feito através de um exame triquinoscópico – colheita de amostras dos pilares do diafragma do tamanho de avelãs; o exame deve ser cuidadoso (mínimo três minutos) e se se detectar zonas suspeitas cuja natureza não pode ser determinada com exactidão, fazer controlo microscópico – e digestão artificial.
Há ainda os exames serológicos, onde se inclui o ELISA, que detecta a presença de anticorpos específicos para o parasita, e o PCR, que ainda não é utilizado na inspecção de rotina. No respeitante ao tratamento, este «não se pratica em medicina veterinária».