De todas as patologias, a que assume maior importância actualmente, para Luís Ferreira, docente responsável da cadeira de Nutrição da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa (FMV-UTL), é a obesidade. Um animal é considerado obeso quando o «peso vivo é igual ou superior a 15% relativamente ao peso normal para a sua raça e condição fisiológica». A causa reside, segundo o professor, «fundamentalmente, numa sobrealimentação e no sedentarismo a que sujeitamos os animais de companhia».
A obesidade «aumenta o risco de aparecimento de problemas crónicos como hiperinsulinémia, intolerância à glucose ou diabetes. Também pode contribuir para doenças cardiovasculares e pulmonares», sublinha Manuel d’Abreu responsável da cadeira Princípios de Nutrição Animal do curso de Medicina Veterinária da Universidade de Évora, acrescentando ainda que «o excesso de peso dificulta a locomoção e pode originar artrites e osteocondrites. Nos gatos a obesidade pode induzir ao aparecimento de diabetes mellitus e de problemas de pele não alérgicos».
Mas há mais. Na verdade, «uma sobrealimentação durante o crescimento está associada a alterações esqueléticas nos cães como a displasia da anca, osteocondroses ou osteodistrofia hipertrófica. Nesta mesma fase, um excesso de cálcio pode provocar o aparecimento de osteocondroses, articulações alargadas e deformações angulares da garupa; quantidades elevadas de magnésio estão associadas à urolitiase; e a deficiência em fósforo pode provocar raquitismo», continua o docente da Universidade de Évora.
Luís Ferreira menciona ainda «as doenças confinadas a áreas geográficas ou a comunidades especiais», de que é exemplo «a pansteatite em gatos (doença da gordura amarela), frequente em animais de comunidades piscatórias, onde têm acesso a grande quantidade de peixe fresco e em especial às suas vísceras».
Tanto as carências como os excessos nutricionais são nocivos para a saúde dos animais de companhia. «Vários problemas de pele podem estar associados a um desequilíbrio de nutrientes como a proteína ou ácidos aminados essenciais, vitamina A, vitamina E, ácidos gordos essenciais e zinco. Alergias ou hipersensibilidade aos alimentos também podem provocar problemas graves de pele», explica Manuel d’Abreu.
Luís Ferreira alerta para outro tipo de alterações de origem alimentar que afectam os animais de companhia e «que têm a ver com o egocentrismo dos seus donos», ou seja, estes «tendem a considerar que o que é bom para eles, em termos nutricionais, é bom para os seus animais».
Também Ana Luísa Lourenço, docente de Fisiologia e Nutrição Animal da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e Maria José Gomes, docente de Nutrição e Alimentação Animal da UTAD, chamam a atenção para a questão do proprietário, pois «o desenvolvimento da obesidade, apesar de resultar directamente da má nutrição e do reduzido exercício físico, resulta também, ainda que de forma indirecta, do estilo de vida e da envolvência emocional do dono, pelo que o tratamento e o evitar da recidiva ficam dependentes de factores difíceis de alterar».
E ainda o dono
Para Sónia da Veiga, da Clínica Veterinária dos Olivais (CVO), em Coimbra, os donos dos animais de companhia «têm uma tendência cada vez maior para antropomorfizar os seus animais, pois estes são cada vez mais membros da família ou até mesmo os seus únicos companheiros», daí que para os proprietários, «a alimentação dos animais deve ser como a nossa: variada, incluindo todos os grupos alimentares, com sabor (temperada), etc. Isto para não falar nas premissas enraizadas na nossa mente de que os cães roem ossos e os gatos comem espinhas e que contrariar isso é contrariar a sua natureza».
Já na Clínica Gandra, Sílvia Oliveira salienta que, «se por um lado tenho clientes que são bastante cuidadosos e informados em relação à alimentação do seu animal e seguem à risca qualquer indicação clínica, por outro existem aqueles que acham que este não deve comer apenas ração seca porque não é uma alimentação variada e dão refeições "caseiras"».
A ideia de que «o animal só é feliz tendo apetite e se for o proprietário a dar-lhe essa guloseima é um conceito errado, tal como o próprio tipo de alimento», avança Maria João Fael, do Centro Veterinário da Encosta das Maias, em Tomar.
«Muitas pessoas alimentam os animais ao mesmo tempo que almoçam ou jantam, o que os leva a presumir que fazem parte integrante do grupo e, como tal, podem comer do mesmo. Isto só piora quando as pessoas dão “um miminho” à hora da refeição, pois, como bons discípulos do “reflexo condicionado”, os animais aprendem que olhar para os donos fixamente ou estar perto deles à refeição é recompensado, pelo que repetem a acção e se entra num ciclo vicioso, muito difícil de quebrar», refere Sónia da Veiga.
O “programa de dieta”
No Centro Veterinário da Encosta das Maias existem animais «em regime alimentar de dieta hipocalórica por padecerem de patologia consequente à obesidade que já apresentam, ou para prevenção de problemas que daí podem advir», revela Maria João Fael, acrescentando que «temos outros que necessitam de recorrer ao programa por sofrerem de outras patologias para melhorarem a sua qualidade de vida». Quanto aos resultados, a médica veterinária diz que «alguns são bons, mas a maioria são casos de insucesso, por culpa dos proprietários».
Já em Gandra, «infelizmente, temos poucos animais em “programas de dieta”, não por falta de casos clínicos que os exijam, mas porque na zona geográfica onde se situa a Clínica a maior parte das pessoas ainda não está muito receptiva em relação à necessidade de instituir uma dieta única para toda a vida do animal e que implica custos muito superiores a uma comida fisiológica», justifica Sílvia Oliveira. Nestes casos em que a dieta é um adjuvante do tratamento, como por exemplo nos pacientes cardíacos, renais, diabéticos, etc., «os donos optam por fazer apenas a terapêutica medicamentosa, que acham ser indispensável e mesmo assim, como são doenças crónicas, por vezes até o tratamento sintomático deixam de fazer», alerta a médica veterinária.
Com base na sua experiência, a profissional refere que «a crise económica que o país vive actualmente tem influenciado de alguma forma esta situação, pois verifico que as pessoas estão dispostas a fazer um sacrifício para tratar o seu animal com medicamentos, mas evitam comprar uma dieta que vai pesar muito no orçamento mensal, principalmente se for um animal de grande porte».
Na CVO, «consideramos que um animal se inclui num “programa de dieta” se, por qualquer razão, tem de ser alimentado com uma ração específica por um qualquer intervalo de tempo». Nesta definição incluem se animais «com ou em recuperação de patologias, bem como aqueles em que a ração funciona como prevenção para evitar problemas futuros».
Sónia da Veiga realça que «graças à muita investigação que é feita em nutrição animal, ao longo dos anos tem surgido uma crescente e variada gama de rações “medicadas” e “preventivas” que nos permite usar a alimentação como parte integrante do tratamento ou na prevenção de muitas patologias comuns nos animais de companhia». E sendo a alimentação «um dos parâmetros mais fáceis de mudar, torna-se numa ferramenta terapêutica excelente, especialmente no caso de donos que não conseguem administrar medicamentos ou suplementos de forma fácil ou com a regularidade necessária», acrescenta.
Nos animais de companhia, tal como nas pessoas, «qualquer simples gastroenterite beneficia de um período de dieta e existem rações apropriadas para isso. Também no âmbito da prevenção, a médica veterinária destaca que «existem rações adequadas às diferentes raças e que permitem prevenir as patologias mais comuns (obesidade nos Retrievers, problemas de pêlo e estomatites nos Persas, etc.), mas, igualmente, para animais esterilizados (devido à sua propensão para obesidade e cálculos urinários).
Também Sandra Couto, da Clínica 4 Patas, em Vila Nova de Gaia, ressalva a questão dos produtos alimentares adequados a determinadas características que existem presentemente. Na sua opinião, «podem melhorar a qualidade de vida do animal», visto que «são baseados em estudos que testaram quais as necessidades destes indivíduos e como prevenir os principais problemas que enfrentam nessa determinada fase da vida, quer estejam esterilizados, sejam geriátricos, estejam em fase de crescimento, tenham uma vida sedentária, sejam propensos à obesidade ou por exemplo animais de trabalho, com necessidades bastante distintas. Como cada animal é diferente, só existem vantagens nestes produtos altamente direccionados».
O mercado
«Os fabricantes de alimentos para animais de companhia têm tido uma preocupação constante na formulação de alimentos que melhor respondam às necessidades nutricionais específicas dos animais», indica Ana Mimoso, da Nestlé Purina PetCare, explicando que «aquilo que está legalmente definido é a formulação de alimentos completos para gatinhos, gatos adultos e em gestação, e para cachorros, cães adultos e em gestação. Contudo, por outro lado, existe uma outra categoria de alimentos que se destinam ao maneio nutricional de algumas patologias específicas, como sejam os problemas do trato urinário felino, as alergias alimentares, patologia do trato intestinal, etc.».
No entanto, actualmente, sabe-se que «as necessidades nutricionais dos animais são diferentes de acordo com determinadas características». No caso dos cães, se são de «raças pequenas ou grandes, segundo o nível de actividade, e maior sensibilidade cutânea e digestiva»; já no relativo aos gatos, «a esterilização é uma condição cada vez mais frequente e que se sabe claramente que implica alterações ao nível do seu metabolismo, bem como a diminuição do nível de actividade devido a cada vez mais estes animais não terem qualquer acesso ao exterior».
Ana Mimoso revela que, tendo em conta a maior sensibilização dos donos para os cuidados a terem com os seus animais de companhia e o consequente aumento do diagnóstico clínico, «a procura destes produtos tem aumentado, com destaque para o trato urinário felino, as alergias alimentares e a patologia do trato intestinal».
«Para Royal Canin, o século XXI é o século da Nutrição-Saúde, uma era impulsionada pela investigação científica», afirma Isabel Pestana, que especifica que «podemos considerar a existência de dois tipos de alimentos distintos: os alimentos fisiológicos e os alimentos dietéticos.
Os alimentos fisiológicos da marca são alimentos «destinados a animais saudáveis, sendo enriquecidos com nutracêuticos, nutrientes que quando incorporados na fórmula nutricional conferem aos alimentos propriedades benéficas ao nível do bem-estar e da prevenção de algumas patologias ou sensibilidades específicas. Devem ainda estar adaptados à idade (fase de crescimento, adulta e geriátrica), ao tamanho no caso do cão (cães de porte pequeno, médio, grande e gigante) e à condição sexual (esterilizado ou não esterilizado)».
No respeitante aos alimentos dietéticos, «devem fazer parte integrante da terapêutica de diversas afecções que afectam os animais de companhia e que incluem: alimentos dietéticos para o tratamento nutricional da obesidade, da diabetes mellitus, das reacções adversas ao alimento e afecções cutâneas, das perturbações gastrointestinais, da doença hepática, da doença renal crónica, das afecções urinárias, da doença cardíaca e afecções osteoarticulares. Estes alimentos são sujeitos a prescrição médica e o período de utilização deve ser decidido pelo médico veterinário», afirma a product manager.
Como os progressos ao nível da nutrição e dos cuidados médicos permitiram prolongar consideravelmente a esperança de vida dos cães e dos gatos, tem-se verificado «uma maior procura de alimentos dietéticos para o tratamento das patologias associadas com o envelhecimento dos animais, como é caso da doença renal crónica, da doença cardíaca ou da osteoartrite. Um outro segmento que se encontra com um perfil crescente são os alimentos especificamente concebidos para dar resposta às especificidades de algumas raças em particular», sublinha Isabel Pestana.
Por outro lado, existe uma tendência crescente para a esterilização precoce do cão e do gato. «Esta nova condição sexual do animal necessita de uma resposta nutricional adaptada para evitar afecções urinárias e o excesso de peso resultantes das alterações metabólicas pós-cirúrgicas. Este segmento específico para animais esterilizados tem crescido muito positivamente e constitui uma das etapas-chave da medicina preventiva veterinária», conclui.
Terapia coadjuvante
«As dietas terapêuticas são uma ferramenta importante no maneio das várias patologias, nomeadamente do foro renal, hepático, cardíaco, urolitiase / nefrolitiase, aparelho locomotor, etc.», declara Pedro Dunões, do Hospital Veterinário Muralha de Évora.
«Numerosas doenças, de etiologia diversa, incluindo genéticas, responderão melhor à terapêutica medicamentosa se esta for acompanhada de medidas dietéticas adequadas», explica Luís Ferreira. Neste sentido, «existem hoje dietas comerciais especialmente formuladas para coadjuvarem o tratamento de doentes cardíacos, ou com doenças hepáticas ou renais, que facilitam o funcionamento desses órgãos. Outras dietas incluem as preventivas da “doença do armazenamento do cobre”, da “doença da malabsorção de zinco” e da hiperlipidémia», acrescenta.
Manuel d’Abreu diz que «a utilização de uma alimentação específica e adaptada a determinadas situações patológicas pode ajudar à recuperação do animal, quer por fornecer determinados nutrientes, quer por potencializar o efeito da terapêutica instituída ou ainda por evitar o agravar de lesões de órgãos ou estruturas».
Terapia preventiva
«Uma boa dieta é a base de toda a prevenção e a chave para a qualidade de vida», garante Elvira Baptista, docente da cadeira Princípios de Nutrição Animal da Universidade de Évora, acrescentando que «a nutrição é a melhor terapia».
Neste contexto, «é um factor determinante na prevenção de numerosas doenças, quer sejam infecciosas, parasitárias ou neoplásicas, uma vez que um animal bem alimentado está mais apto a defender-se de qualquer tipo de agressão externa», diz Luís Ferreira.
Já Manel d’Abreu alerta para o facto de «a apresentação do alimento e a sua constituição também poderem ser utilizadas para favorecer uma boa higiene bucodentária».
«Para além da redução do risco de patologias, podemos recorrer ao alimento como promotor do bem-estar físico e mental é neste contexto que surge, inclusivamente, a designação de alimento funcional como sendo um alimento comum que quando consumido como parte da dieta produz benefícios ao nível da saúde», declaram Ana Luísa Lourenço e Maria José Gomes da UTAD. «Na composição deste tipo de alimentos encontramos princípios activos que se incluem em grupos como: probióticos, prebióticos, simbióticos, vitaminas, compostos fenólicos, ácidos gordos polinsaturados e fibras».
As docentes informam ainda que, «actualmente, encontra-se em desenvolvimento um novo ramo da ciência cujo objectivo é o de estudar o impacto dos nutrientes na produção e acção de proteínas codificadas por genes específicos e nas consequências dessas proteínas na resposta aos nutrientes. A nutrigenómica permite-nos assim avançar para a promoção da saúde tendo em conta a predisposição genética do animal».
Idade e gestação
Elvira Baptista diz que «a esperança de vida dos animais de companhia é cada vez maior» e, por isso, há tendência para surgirem «perturbações metabólicas e doenças degenerativas ligadas ao envelhecimento».
«Os nutrientes que os animais de companhia necessitam são os mesmos durante toda a sua vida, variando contudo as suas quantidades e a relação entre eles», afiança Manuel d’Abreu. Neste sentido, deve-se «procurar adaptar a dieta às necessidades de cada fase». A de crescimento é uma fase «muito exigente pois a síntese de tecido ósseo e muscular é muito intensa. Uma subnutrição durante este período pode comprometer irreversivelmente o desenvolvimento do animal, sendo mais graves a deficiência em certos nutrientes como ácidos aminados essenciais, cálcio ou fósforo. O ritmo de crescimento e a sua duração é próprio de cada raça, sendo proporcionais ao peso em adulto», continua o docente da Universidade de Évora, acrescentando que «as dietas de crescimento caracterizam-se por terem uma elevada concentração energética e um teor muito elevado de proteína, que deve ser de muito boa qualidade (composição em ácidos aminados essenciais) e digestibilidade alta. A relação cálcio/fósforo deve ser equilibrada».
Já no estado adulto, os cães e os gatos «devem ser alimentados para a manutenção do peso e da saúde, evitando-se a ingestão excessiva de energia. O alimento deve conter alguma fibra, para dar uma sensação de saciedade, um valor baixo de gorduras e alto de proteína. O seu valor em cálcio e fósforo deverá ser mais baixo do que nas dietas de crescimento.
A ingestão de alimento deve ser regulada em função da actividade do animal. É aconselhável a utilização de substâncias antioxidantes para retardar o efeito do envelhecimento», conclui.
No que toca à gestação, «para prover as necessidades dos fetos no seu decurso e depois para a produção de leite durante o período de aleitamento, as cadelas e as gatas têm necessidades de um aporte alimentar suplementar», assegura Luís Ferreira.
«Para a maior parte das fêmeas isto não constitui problema porque a sua capacidade de ingestão se adapta bem ao aumento das suas necessidades alimentares, mas noutras isso é mais difícil, porque não têm aptidão suficiente para ingerirem a quantidade de alimento necessário», continua o professor da FMV-UTL. Como tal, «torna-se preferível reforçar a concentração energética da ração do que aumentar o seu volume. Procurar-se-ão alimentos pobres em celulose e sem excessos minerais e ricos em gordura. A gordura que tem a dupla vantagem de possuir um teor energético elevado e de conferir uma excelente apetência ao alimento. É nisto que se baseiam as rações comerciais para fêmeas em gestação e lactação».
Segundo este docente, no decurso do 2º mês de gestação as necessidades aumentam em relação à manutenção de 20 a 50%, de acordo com o tamanho da “barriga”. «As influências hormonais e o preenchimento da cavidade abdominal das fêmeas pelo útero grávido diminuem as possibilidades de uma ingestão adequada. Para permitir às fêmeas manterem o seu peso e não recorrerem às suas próprias reservas, é útil passar a duas refeições por dia (caso das cadelas) de uma ração concentrada».
Chegado ao período da lactação, que atinge o seu máximo da 2ª à 5ª semana, «as necessidades são ainda mais aumentadas (multiplicadas duas a três vezes em relação às necessidades de manutenção). É aconselhável fornecer, então, uma ração concentrada à razão de três a quatro refeições por dia, ou mesmo ad libitum. Deve, no entanto, observar-se uma diminuição da quantidade de alimento, com o aproximar do período do desmame», ressalva Luís Ferreira.