A melhor forma de abordar a saúde oral é, no caso do cão, começar logo em cachorro, de forma a ir familiarizando o animal ao sabor da pasta – especialmente concebidas para cães, enzimáticas e de uso veterinário — e à inevitabilidade da escovagem diária de dentes e gengivas, a fim de prevenir a doença periodontal. Doença essa que, uma vez instalada, é irreversível. Daí também ser tão importante estar atento à saúde oral dos animais.
É claro que, por vezes, esta pode não ser uma tarefa propriamente fácil. O dono pode ter a sorte do cachorro achar piada e não lhe complicar a vida, mas noutros casos esta meta pode parecer inalcançável. Nestes casos, os veterinários aconselham, sobretudo, aos donos para não desesperarem. Há que ter paciência e ir insistindo de forma a criar alguma habituação. Entretanto, é óbvio que o mercado antecipou estes problemas e hoje existem biscoitos que equivalem a uma escovadela de dentes. Ou seja, caso haja dificuldade em manter esta rotina, há uma enorme variedade de produtos que conseguem substituir a escova e a pasta de dentes.
Problemas de saúde generalizados
A verdade é que os maus hábitos ou mesmo a inexistência de hábitos de higiene oral incorrem em graves problemas de saúde generalizados e não apenas circunscritos à cavidade oral, com sangramento, inflamação e possível perda espontânea de dentes. A acumulação de placa bacteriana começa, de facto, por dar origem à inflamação das gengivas – gengivite – mas a multiplicação das bactérias, em casos mais graves e avançados da doença oral, acabam por infiltrar-se na circulação sanguínea, o que pode conduzir a lesões crónicas de coração e rins, órgãos mais frequentemente afectados nos animais com inflamações crónicas nas gengivas.
O mau hálito é uma das principais queixas dos donos no relacionamento com, por exemplo, os seus cães. O cão adulto possui 42 dentes, ocorrendo a erupção dos dentes definitivos entre os quatro e os sete meses de idade. E a verdade é que estudos recentes, nomeadamente da American Veterinary Dental Society, revelam que mais de 85% dos cães com idade superior a três anos sofrem de doença periodontal. Nos gatos, essa doença atinge 70% dos animais.
Este problema tem início com a acumulação da placa dentária (película fina viscosa e transparente), constituída por mais de 300 bactérias da cavidade bucal, que se forma sobre os dentes após cada refeição (e mesmo depois de seis horas após a limpeza dos dentes). Com o decorrer do tempo, esta placa dentária pode sofrer mineralização pela fixação do cálcio salivar e transformar-se em tártaro. As bactérias presentes na placa dentária infectam as gengivas e outras estruturas dos dentes. As consequências desta doença periodontal podem ser de dois tipos: locais ou sistémicas.
A nível local, esta patologia é responsável por halitose (mau hálito) persistente, gengivite, periodontite, dor, dificuldade na mastigação, perda de peso por não conseguir comer, perda de dentes e abcessos. As patologias crónicas da boca podem conduzir à disseminação dessas bactérias pela corrente sanguínea e, por consequência, as já referidas infecções secundárias nos pulmões, coração, rins e articulações.
Odontologia veterinária desperta nos anos 80
O despertar para estes problemas é relativamente recente, sendo que apenas nos anos 80 é que começou a surgir um interesse mundial pela odontologia veterinária. Antes disso, apenas centros isolados e clínicos nos EUA e Europa realizavam a odontologia veterinária de relativo alto padrão. O tratamento profilático mantendo os dentes limpos começou então a ganhar particular relevância. A dieta é um factor que os veterinários insistem em assumir como fundamental no desenvolvimento da placa e do tártaro. Alimentos de consistência suave e que aderem facilmente ao dente devem ser evitados, ao mesmo tempo que alguns brinquedos que estimulem a mastigação podem ser benéficos.
Claro que um check-up dental durante as visitas ao veterinário deve ser realizado. O intervalo entre esses check-ups varia de animal para animal, dependendo também do programa de cuidados em casa. O tártaro endurecido deve ser removido pelo veterinário, já que exige o uso de equipamentos e instrumentos especializados, sendo que o tratamento periodontal de rotina inclui raspagem com ultra-som, raspagem sub-gengival manual e polimento.
Perda de dentes é rara em cães e gatos
A perda de dentes e cárie, como acontece nos seres humanos, pode acontecer mas é relativamente raro em cães e gatos. Os gatos, no entanto, estão propensos a desenvolver um tipo diferente de cárie, conhecida como lesão de reabsorção. Uma lesão ainda pouco explorada e que geralmente começa na linha da gengiva ou um pouco abaixo dela. Gengivas vermelhas e avermelhadas ao redor do dente afectado e dor são sinais que podem ser notados pelo dono, lesões essas que requerem tratamento veterinário imediato.
Fracturas dentais são muito comuns em cães e o tratamento dentário é obrigatório caso tenha ocorrido exposição da polpa. A exposição da polpa não só é muito dolorosa como também pode necrosar, sendo a formação de um granuloma periférico ou “abcesso dental” também uma possibilidade. O tratamento endodontico é rotineiro e feito por dentistas veterinários. Após o tratamento endodontico, o canal da raiz é preenchido com selante dentário. A restauração da coroa, para as quais há várias técnicas, pode também ser realizada. Aliás, em alguns casos excepcionais, outros métodos de consertos prostodonticos podem ser considerados.
No campo da ortodontia, os veterinários aconselham a que se preste mais atenção à forma como os dentes do animal estão dispostos uns em relação aos outros (conhecido como “problema de dentada”). Ao avaliar a mordida do cão, por exemplo, é importante examinar todos os dentes. Um dente mal posicionado pode ser o resultado de problemas da dentição e não é necessariamente de origem genética. Por outro lado, a avaliação de todos os dentes pode revelar que a estrutura óssea que suporta os dentes não é normal o que, neste caso, tem carácter hereditário.
Animais podem usar aparelho
O tratamento ortodontico correctivo é restrito a condições que podem, obviamente, causar dor e desconforto ao paciente. Tanto aparelhos fixos quanto os móveis, similar aos de uso humano, têm sido utilizados em animais com bons resultados.
A cirurgia oral em animais inclui extracções, reparo de fractura de mandíbula e tratamento de tumor oral. Infelizmente, nem todos os dentes podem ser salvos e a extracção é o tratamento de escolha. Técnicas de extracção foram refinadas ao ponto de causar dor e desconforto mínimos. No entanto, segundo os especialistas, a prevenção é ainda melhor opção. Trauma em cães e gatos é comum e a fractura da mandíbula é relativamente frequente. Lidar com fracturas de mandíbula é um aspecto importante da cirurgia oral. Novas técnicas para reparar a fractura foram desenvolvidas e as técnicas existentes foram melhoradas para minimizar o dano ao dente e assegurar um rápido retorno a função normal.
Casos de tumores constam como outro grupo importante na cirurgia oral. Tumores da boca e garganta são comuns em cães, mas ocorrem com menos frequência em gatos. Tumores orais frequentemente passam despercebidos pelos proprietários até atingir um estágio avançado de desenvolvimento tornado o tratamento mais difícil. Uma variedade de lesões pode ocorrer, incluindo condições malignas e benignas. Massas não-cancerígenas e inchaços como a hiperplasia da gengiva e condições infecciosas podem ser confundidas com tumores orais. Ao mesmo tempo que processos orais malignos podem apresentar-se como úlceras que não curam, ao invés das massas proeminentes típicas. O reconhecimento precoce de inchaços suspeitos e feridas persistentes é crítico e, quando evidente, deve ser imediatamente encaminhado ao veterinário. Técnicas cirúrgicas para remoção de tumores orais e a radioterapia estão disponíveis nesses casos. Sendo, de facto, técnicas que os especialistas admitem dar óptimos resultados, tanto em termos de aparência estética quanto de prognóstico, desde que sejam realizadas num estágio inicial do tumor.
Uma consciência maior quanto às doenças dentárias nos animais entre veterinários e proprietários vai ser fundamental para a identificação e prevenção de problemas dentários, em particular doenças periodontais. Isto é importante pois, como já referimos, a doença periodontal pode ter um sério impacto no bem-estar e saúde geral do animal.
Principais sinais de alerta:
– Mau hálito
– Salivação abundante
– Gengivas inflamadas
– Sangramento à volta dos dentes
– Manifestação de dor na boca
– Relutância em que lhe examinem ou lhe mexam na boca
– Morosidade e dificuldade em comer, roer e morder
– Vestígios de sangue nos objectos do animal