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Motivação: É fundamental valorizar o ser humano que está detrás do trabalhador

Motivação: É fundamental valorizar o ser humano que está detrás do trabalhador

É possível ser-se trabalhador precário e, ainda assim, sentir-se motivado para sair da cama todos os dias para ir trabalhar? É possível, «mas há esforços essenciais à sobrevivência e os mais lutadores adaptam-se melhor às situações de crise, embora mantenha que este tipo de esforço desgasta muito mais do que àqueles que têm uma posição mais ou menos estável e fazem, na maior parte do tempo, tarefas que lhes dão prazer», explica a psiquiatra Marina Dinis. Todavia, poucos são aqueles que aceitarem falar do tema da motivação de equipas para a nossa equipa de reportagem. «Falta de tempo», de «oportunidades» foram algumas das razões invocadas. Mas há excepções.

É crucial estimular, encorajar e motivar os colaboradores, isto se o empregador deseja continuar a tê-los do seu lado. Motivar e manter essa motivação não é fácil. Uma boa remuneração não é suficiente. Um carro da empresa, benefícios extra e um aumento funcionam. Mas continuam a não ser suficientes.

Para a maioria das pessoas os factores de motivação encontram-se na manutenção e respeito pela dignidade individual, em desejos humanos como o reconhecimento, o apreço, o estar ocupado com coisas que fazem sentido, sentirem-se úteis e que não estão a trabalhar em vão, ou melhor, para o “boneco”. Os mesmos argumentos são válidos para praticamente todas as áreas de trabalho. A motivação das equipas que laboram nos CAMV não foge destas regras básicas. Pese embora o clima de depressão económica que está a tolher a normal actividade dos CAMV, os especialistas em recursos humanos explicam que, apesar de motivar ser, de facto, complicado, é essencial potenciar o bom desempenho das equipas, porque é público e universalmente aceite que pessoas desmotivadas tendem a diminuir sua produtividade.

 

A psiquiatra Marina Dinis entende que a motivação é condição sine qua non para obter um bom desempenho no trabalho, uma vez que sem motivação, o desempenho laboral se ressente. «A motivação é essencial para o bom desempenho e realização profissional, seja ela de carácter financeiro ou outro».

Neste sector, como em tantos outros, a precariedade no mercado de trabalho dita a sua lei – sendo por vezes quase que “obrigatória” para não obrigar a encerrar portas. Como se sabe, muitas das pequenas clínicas não conseguem fazer face aos encargos com os trabalhadores. Assim, o excesso de “oferta” de mão-de-obra e a crise financeira obriga os trabalhadores, médicos veterinários, a aceitarem tudo o “que aparece” para poderem sobreviver. Na óptica da psiquiatra – que admite que os conflitos laborais são «o pão-nosso de cada dia» nas suas consultas porque lida diariamente com trabalhadores que entram em “colapso” físico e mental – a precariedade laboral afecta a motivação.

 

«Aqui poderemos considerar várias respostas. Se por um lado, muitas pessoas não se encontram a fazer aquilo que gostam ou para o qual estão mais vocacionadas, por outro, têm garantida a sua sobrevivência económica em tempos de “fome envergonhada” nos meios urbanos portugueses. Essa é, actualmente, motivação suficiente».

Veterinários “instáveis” 

 

No caso concreto dos veterinários, Marina Dinis afiança que «estes profissionais, especificamente, são profissionais liberais, tendo, como tal, hipóteses acrescidas de auferirem honorários, embora estes sejam irregulares, podendo levar à instabilidade, a qual traz necessariamente preocupação e um cansaço desproporcional ao volume de trabalho efectuado. Pode concluir-se que a principal senão única motivação é, de facto, económica… mas pode muito bem ser suficiente para garantir resultados positivos».

Para a perita, «não é fácil» ser-se trabalhador precário e, ainda assim, sentir-se motivação para sair da cama todos os dias para ir trabalhar, «mas há esforços essenciais à sobrevivência e os mais lutadores adaptam-se melhor às situações de crise, embora mantenha que este tipo de esforço desgasta muito mais do que àqueles que têm uma posição mais ou menos estável e fazem, na maior parte do tempo, tarefas que lhes dão prazer».

 

Segundo Marina Dinis, é possível identificar os sinais que denotam quando alguém tem problemas sérios de depressão, por motivos laborais. «São sinais e sintomas de ansiedade e depressão, surgindo inicialmente a ansiedade e depois do desgaste por esta provocado. O sujeito cansa-se de lutar e baixa os braços ficando com sinais e sintomas depressivos também. Insónia, incapacidade de concentração, isolamento, sintomas físicos como dores nas costas, estômago ou aperto no peito e intolerância à frustração são alguns dos sintomas», explica.

Que fazer para minimizar uma situação deste género? «As empresas deveriam ter psicólogos ou psiquiatras e não apenas os médicos de medicina do trabalho obrigatórios por lei. Depois, seria importante uma clara definição do papel de cada um e da estrutura hierárquica. Muitas vezes a falta de planeamento adequado leva a que os prazos para completar tarefas sejam ridiculamente insuficientes, deixando o sujeito sem vida própria devido a um volume excessivo de trabalho inesperado, sem espaço para lazer ou tempo com a família».

Espírito de equipa

Em qualquer cartilha dos direitos dos trabalhadores se diz que o dinheiro pode ser um importante factor de motivação dos trabalhadores, mas é apenas mais um. «Entre os mais efectivos estão o grau de realização pessoal, a possibilidade de ter controlo sobre as suas tarefas / níveis de autonomia e responsabilização, procurar a adequação do tipo de trabalho desenvolvido às características de cada indivíduo, desempenho de uma gestão positiva e não negativa (o sujeito é elogiado publicamente pelo seu bom desempenho, nunca sendo criticado publicamente), assim haverá uma competição natural, estimulada pelo reforço positiva e não impondo estratégias punitivas».

Uma boa relação entre colegas de trabalho é meio caminho para se alcançar a motivação no trabalho. «A boa relação entre as pessoas que trabalham directamente uns com os outros é básica para o êxito colectivo. O bom empregador deve fomentar um relacionamento de inter-ajuda, embora com estrita definição de papéis».

No mesmo âmbito, é igualmente importante que as pessoas se conheçam melhor, fora do contexto laboral, desmistificando, assim, as aparências, por vezes tão enganosas, «devido aos nossos preconceitos», diz a psiquiatra. «Saídas de equipas para jantares ou actividades lúdicas colectivas são muito produtivas, bem como actividades de “coesão de equipas” (team building), as quais estão ainda muito mal enraizadas entre nós, sendo encaradas como gasto desnecessário. Porém, podem gerar um excelente ambiente de trabalho com maior aproximação entre os colegas, mais espírito de inter-ajuda e maior possibilidade de fidelização dos trabalhadores – um turnover excessivo de trabalhadores insatisfeitos é péssimo pois nunca se consegue criar qualquer tipo de equipa coesa e motivada».

Pequenos tiranos

Uma das críticas mais frequentes feitas pelas principais centrais sindicais, nomeadamente a CGTP, é aquela que diz que, em Portugal, há muitos “patrões” e poucos empresários. Deste modo, grande parte dos colaboradores ainda vê o superior como um opressor, como o "patrão".

«De uma forma geral essa é ainda em grande escala, a nossa realidade, tendo-se acentuado com a crise económica. O patrão é ainda frequentemente um pequeno ditador com pouca sensibilidade para gestão das pessoas, olhando aos lucros e metas imediatas com o menor custo possível, não pensando na sua “massa humana” a médio ou longo prazo. Por vezes, exibem narcisicamente a sua autoridade em público, sob a forma de desautorização ou humilhação do trabalhador responsável, o que é profundamente desmotivador, mesmo que sejam bem pagos», alerta a psiquiatra.

Igualdade no Infantado

Na Clínica Veterinária do Infantado, em Loures, atitudes de despotismo, de tirania ou de mania das grandezas ficam à porta da clínica. Como nos conta Carla Santos, assistente veterinária, por lá não há “patrões”, «há duas pessoas, que são médicos veterinários, mas que me tratam de igual para igual, como se fosse um deles. São pessoas espectaculares!».

De resto, a funcionária, que aprendeu tudo o que sabe com os donos da clínica, explica, orgulhosa, que não sabe o que é isso de precariedade laboral, que não trabalha a recibos verdes. «Tenho a minha situação contratual regularizada, tenho tudo como deve de ser».

A médica Isabel Narciso, co-proprietária da clínica, adianta que «não pactua» com a precariedade laboral dentro do seu estabelecimento de saúde. Aliás, não vê outra forma de trabalhar que não seja a de «motivar os trabalhadores», porque trabalhador motivado «é trabalhador que mostra boa cara, que produz mais, que é atencioso com os clientes, e que sabe cativar o cliente».

Questionado sobre a relação estreita co-relação entre a crise económica e a depauperação do mercado de trabalho dos médicos veterinários, Isabel Narciso solta um suspiro de impotência face à actual delicada situação económica da maioria dos seus clientes. «Não está nada fáceis aguentar o barco! Estamos a sentir imenso as dificuldades das pessoas. Antes, por exemplo, havia a preocupação de vacinar os animais. Hoje, há muitas pessoas que fogem literalmente deste tipo de intervenções e só cá vêm quando é estritamente necessário». Por outro lado, a diminuição da capacidade económica dos donos vê-se, por exemplo, pelas constantes hesitações e procuras de preços de cada acto clínico. «As pessoas estão sempre a perguntar quanto é, quanto é que custa, quanto tempo o animal vai ter de ficar internado. Depois, quando se tem que avançar com os tratamentos perguntam-nos se podem pagar de forma faseada. E há inclusivamente aquelas que têm mais dificuldades e nos perguntam se podem abater os seus animais. Para esses casos, nós pensamos sempre em arranjar alternativas – se não pagam se uma só vez, pagam em 3 ou 4 vezes – para evitar que os animais sejam mortos por falta de dinheiro dos donos».

Segundo a veterinária, a crise é de tal ordem que a sua unidade «praticamente que já só tem clientes até ao dia 10 de cada mês. De aí em diante, a nossa facturação baixa substancialmente».

O facto de estarmos em plena depressão económica funciona como uma autêntica espiral que arrasta consigo todo o sector para o mesmíssimo abismo. A equação é simples: menos consultas e actos médicos é igual a menos dinheiro para pagar salários ou para merecidos aumentos». Todavia, a situação da Clínica Veterinária do Infantado nem é das piores. «Tive uma colega que trabalhou a recibos verdes mais de 17 anos. Por isso, os jovens médicos (e os menos jovens) aceitam tudo o que lhe aparece à frente, dado que não há qualquer segurança. Assim, é muito difícil motivar as pessoas».

Em comentário às razões mais profundas do que as desculpas do costume, Isabel Narciso adianta pronta explicação para o “empobrecimento” que tem vindo a afectar toda uma classe, que outrora tinha poder de compra. «Quando me licenciei, há mais de 20 anos, só existia este curso na Universidade de Lisboa e a UTAD estava a dar os primeiros passos. Saíam para o mercado cerca de 60 veterinários por ano; havia muitas empresas de agropecuária, principalmente nesta zona litoral e Ribatejo. Actualmente, temos uma série de novas faculdades, que lançam para o mercado centenas de novos profissionais, e grande parte das empresas foram à falência. Como é possível dar emprego a tanta gente? É impossível! Essas circunstâncias vão criar uma notória erosão do nosso mercado de trabalho, pois as pessoas só querem montar clínicas de animais e companhia e vão tentar a todo o custo ter clientes. Como? Baixando os preços. É uma situação muitíssimo grave», conclui.

«Foi para isto que se fez o 25 de Abril?»

João (nome fictício), 31 anos, anda perdido entre os seus múltiplos pensamentos “negativistas”. Recebe-nos à porta de um café numa cidade do Ribatejo. O acordo tinha sido religiosamente cumprido: não queria fotógrafos por perto, nem tão-pouco revelar a sua verdadeira identidade. Não é por nada de especial, é apenas porque «não quer que na terra (na chamada província) o vejam como um “perdedor” que não soube agarrar a vida pelos colarinhos», diz com ar de quem quer ser levado a sério, mas que não ainda perdeu a “veia romântica”. Entre um café e muitos cigarros, explica que, ao contrário da maioria dos seus colegas, não queria entrar no curso de medicina humana. «Nasci para ser veterinário! Gosto daquilo que faço, sou feliz a tratar animais. O problema é que não ganho o suficiente para me sustentar. Tenho de sobreviver como posso e sem a ajuda dos meus pais não seria possível estar a fazer aquilo que gosto. É muito triste e não há nada a fazer. Já enviei centenas de currículos e não há maneira de dar um pontapé na sorte. Recibos verdes, que mal dão para a comida são o prato do dia», lamenta. «Admito que sinto muita vergonha, que me sinto revoltado com a minha sina. Sou um tipo inteligente, modéstia à parte, dou o litro no meu trabalho, não faço mal a ninguém, ajudo quem precisa. Pela lógica deveria ter uma situação desafogada, mas não…», justifica.

João é por estes dias um homem abatido. Parte para o estrangeiro à procura de «uma vida melhor». «Sei que vou melhorar a minha condição económica, há até hipóteses de leccionar numa faculdade do país que me vai acolher. Mas não queria ser obrigado a emigrar. Já bastaram os trabalhos que o meu pai passou para me dar uma vida melhor. Vou embora deixo a família, os amigos e a namorada para trás. Foi para isto que se fez o 25 de Abril?».

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