O médico veterinário da reserva animal Monte Selvagem (MS) confessa que sempre gostou desta área. «Gosto imenso de espécies exóticas, aves de rapina e animais selvagens. Por isso, quando surgiu esta hipótese de trabalhar com o Monte Selvagem aproveitei logo», conta Nuno Vicente Prates. É um trabalho muito exigente que implica que «esteja sempre a estudar, a pesquisar informações sobre as várias espécies e a procurar formação. Mas isso é que é o desafio e o que aprecio mais», garante.
Um desafio foi precisamente como Nuno Prates encarou a mais recente formação em que participou: Vets Go Wild, organizado pela empresa sul-africana Worldwide Experience, especializada em projectos de conservação. Durante 16 dias, os médicos veterinários tiveram possibilidade de trabalhar em três dos maiores parques ecológicos do mundo, reservas de vida selvagem onde decorrem vários projectos de conservação – Addo National Elephant Park, Amakhala Private Game Reserve e Shamwari Game Reserve.
«Foi muito importante porque aprendi imenso. Tanto nas aulas teóricas como em termos de farmacologia e outros aspectos, principalmente em relação à fauna africana», salienta Nuno Prates, acrescentando que «a captura de vários animais também foi muito útil para aprendermos com quem está habituado a fazê-lo com frequência». Em conjunto com outros médicos veterinários, biólogos, ecologistas e zoólogos, o médico do Monte Selvagem aprofundou também conhecimentos sobre modelos de maneio, métodos de contagem e de regulação de populações, relações entre animais e ecossistemas, nutrição, educação das populações para a preservação e técnicas de captura e de bem-estar na recolocação de animais.
Estes cursos começam a ter cada vez mais “clientes” já que os parques zoológicos e reservas do tipo do Monte Selvagem estão a proliferar um pouco por todo o mundo, tendo muitos deles objectivos de conservação e recuperação de animais. Só em Portugal já há 18 parques e zoológicos (incluindo os mais específicos como o Oceanário, o Fluviário e o Zoomarine).
Protocolo com HV Muralha de Évora
O trabalho de Nuno Prates na reserva resulta de um protocolo com o Hospital Veterinário Muralha de Évora, onde é um dos sócios. Os outros médicos do Hospital também vão ao MS quando é preciso para alguma situação específica, mas Nuno Prates é quem segue, «sempre que preciso», todos os animais. É um trabalho que implica ir à reserva, pelo menos, uma vez por semana mas tendo sempre por base um grande trabalho de acompanhamento de toda a equipa do Monte Selvagem, principalmente dos tratadores. «São eles que diariamente verificam o comportamento dos animais e sua evolução, se têm feridas ou qualquer outra alteração», afirma.
O parque tem «um plano profiláctico-sanitário muito bem definido que inclui vacinações e estudos parasitológicos, às fezes de dois em dois meses, bem como análises anátomo-patológicas e necrópsias, nos animais mortos», explica o médico veterinário. Para estes estudos, para além do Hospital Muralha de Évora, a reserva tem também protocolos com a Escola Superior Agrária de Santarém e com a Universidade de Évora, para além de outros laboratórios referenciados, mesmo no estrangeiro, para alguns estudos específicos.
A alimentação é outra área supervisionada pelo médico veterinário do parque. «Há rações específicas e tabelas de alimentação específicas para cada espécie e, por vezes, cada animal», explica Nuno Prates. Uma grande ajuda nesta área, conta-nos Diogo Pinto Gouveia, proprietário da reserva, «é o facto de Lidl e Intermarché doarem restos de frutas e legumes. No caso do Lidl recebemos todas as sobras da central na Marateca».
Quando visitámos o Monte Selvagem, Nuno Prates estava a desparasitar uma fêmea javali que tinha tido crias há pouco tempo. «Fizemos uma experiência porque já tínhamos o casal de javalis junto há quatro anos e não havia crias. Por isso decidimos juntar o macho com outra fêmea que já tinha parido para sabermos de quem era o problema, se do macho ou da fêmea. Agora já sabemos que a fêmea poderá ter um problema hormonal, vamos analisar», explica o médico veterinário da reserva.
Quando questionado pela Veterinária Actual, Nuno Prates não hesita em dizer que o momento mais crítico que teve nos cinco anos de existência do MS foi uma cirurgia a um elande, um dos maiores antílopes africanos, realizada em Agosto. «Ele tinha uma hérnia muito perigosa, que pensamos que tenha sido de uma marrada de uma zebra, que podia levar à obstrução e à morte. Por isso decidimos operar, o que é sempre um problema nestes animais tão grandes, por causa da anestesia. Para isso, temos de ter em conta a biologia do animal mas também a forma como vivem, etc. e a anestesia propriamente dita tem vários compostos como sedativos, relaxantes musculares, entre outros», diz. Por isso, tentam sempre tratar os animais sem administrar anestesias, só as usando mesmo em último recurso. A cirurgia foi feita a campo aberto e com a colaboração de Pedro Durões, cirurgião também do HV Muralha de Évora. «Foi um sucesso e o elande está a recuperar muito bem», conclui Nuno Prates.
Conservação e bem-estar
Quando entram novos animais no parque o papel do médico veterinário é fundamental porque faz o inquérito epidemiológico de onde vêm, coloca-os em quarentena e trata deles, se tiverem sido recuperados de alguma situação que os tenha colocado em mau estado ou em perigo. «O Monte Selvagem tem, desde o início, o objectivo de recuperação de espécies e de animais que venham de situações difíceis e tem-no feito», explica-nos Diogo Pinto Gouveia.
Todos os animais que estão no MS vieram de outros parques ou foram recuperados, em colaboração com entidades nacionais, como o Instituto da Conservação das Natureza e da Biodiversidade, ou internacionais. «O objectivo é recuperá-los e, se possível, reintegrar na natureza os que for possível. Como vamos fazer agora com dois javalis, já que são autóctones aqui na região, e gostávamos de fazer também com os gamos. Mas para esses temos de pedir autorização à Direcção-Geral das Florestas, etc.», adianta Diogo Pinto Gouveia. «Fazemos uma gestão da colecção através da troca com outros zoológicos e parques», diz ainda o proprietário da reserva.
E a colecção do Monte Selvagem tem progredido muito bem, garante Nuno Prates. «Os nossos índices reprodutivos são fenomenais. Temos tido sucesso em quase todas as espécies, com destaque para os lémures e os lamas, mas não só… Talvez porque os animais andam em semi-liberdade. Tentamos sempre dar-lhes todas as condições e na parte de “safari” andam mesmo “à solta” e em conjunto com outras espécies com que se poderiam cruzar na natureza», salienta o médico veterinário.
Um dos objectivos futuros do Monte Selvagem é precisamente ampliar a área de “safari”, passando o parque dos actuais 12 para cerca de 80 hectares.
Na área especificamente veterinária, o proprietário da reserva adiantou que estão previstas várias melhorias. «Vamos aproveitar os meses de Inverno em que estamos fechados [Novembro, Dezembro e Janeiro] para fazer uma sala de veterinária e uma sala de necrópsias. Fazem falta e são condição sine qua non para podermos ser aceites como membros da Associação Ibérica de Zoos e Aquários», disse.
A preocupação com o bem-estar dos animais é bem visível na forma como estão feitos os seus habitats e não só. Quando visitámos o parque chamou-nos a atenção o facto de o macaco-aranha (um animal extremamente interactivo) estar sozinho. Nuno Prates explicou que estavam à espera de um outro que viria de Madrid, que também estava só, para lhe fazer companhia. Chegou no dia 24 de Setembro, terminando assim a solidão destes dois exemplares de uma espécie com estatuto de conservação vulnerável.