As eleições da APMVEAC decorreram no passado mês de setembro. Porque sentiu necessidade de se candidatar ao cargo de presidente?
Não senti propriamente necessidade, quase que me obrigaram a apresentar uma candidatura (risos). Houve uma demissão da anterior direção, numa altura em que já estava completamente desligado da APMVEAC. Fui sócio fundador e passei pelos cargos todos, desde secretário-geral, vice-presidente, presidente e presidente da assembleia geral. Saí em bom tempo, numa altura em que a associação estava num fase áurea da sua vida, com muita atividade, muito empenho e muitos sócios. Representou um papel fundamental na classe, nomeadamente na aprovação do ato médico-veterinário, do regulamento dos CAMV’s, foi tudo feito por nós. A associação era sempre contactada, quer pela OMV, quer pela DGV e tinha um certo protagonismo.
Então o que correu mal?
Por vários motivos as coisas não vieram a correr tão bem. A última direção demitiu-se, um pouco pressionada por algumas demissões internas da sua equipa e quase que me obrigaram a concorrer. De uma lista já feita e que me pediram para presidir, limitei-me a fazer uma composição muito pequena de duas pessoas. Alguns sócios fundadores falaram comigo e pediram-me para não deixar morrer a associação. Até ao penúltimo dia do prazo limite de apresentação das candidaturas tinha-me recusado, pois era algo que tinha deixado para trás. Ainda assim era uma associação que me dizia algo a nível sentimental porque vi-a nascer e contribui muito para o seu desenvolvimento. Custou-me ver a associação no estado em que estava, em que já ninguém acreditava nela e quase sem sócios. É um desafio porque acho que cada vez mais, e nesta altura de crise profunda em toda a classe portuguesa, faz falta uma organização de classe que defenda e represente os interesses de todos. Haver alguém que tenha uma palavra a dizer no exercício desta profissão, que é um ramo da veterinária – o exercício da clinica de animais de companhia – que cada vez tem mais protagonismo, pois também não há muitas mais saídas profissionais neste momento.
No nosso país é complicado encontrar outras saídas profissionais?
É complicado. Antes a medicina veterinária tinha várias saídas profissionais, nomeadamente clínica de grandes e pequenos animais e toda a parte de inspeção sanitária, investigação. Havia um setor que absorvia imensos veterinários: o Estado. No tempo em que me formei era muito fácil ir para o Estado, para as direções regionais ou para a DGV. Hoje em dia o Estado não admite ninguém e a nível rural também houve uma concentração em grandes explorações, em que um só veterinário, com um ajudante, faz muitos animais concentrados numa exploração grande, sobretudo nas explorações leiteiras. Com a diminuição da produção pecuária e com a concentração dessas explorações cada vez há menos saídas profissionais. Houve um incremento muito grande da clínica de equídeos e nos pequenos animais. Hoje em dia faz-se praticamente tudo o que se faz em medicina humana aos animais e há uma consciencialização maior por parte dos donos dos animais para o tratamento.
Mas é importante que os veterinários façam essa divulgação dos novos tratamentos disponíveis.
Exato. Acho que a associação não pode continuar a ser o que era no passado, uma organização para fazer eventos, congressos e encontros científicos. Isso está um pouco esgotado porque há muita gente a fazer o mesmo, quer em Portugal, quer no estrangeiro. Hoje em dia é muito fácil ter acesso à informação e as pessoas não precisam ir a um congresso para absorverem informação. Têm palestras, por vezes promovidas por laboratórios, que são gratuitas, outras promovidas por organizações que cada vez fazem mais formação e até por alguns hospitais e clínicas que também se estão a virar, como fonte de receita, para a organização de cursos teórico/práticos. No fundo é uma tentativa de arranjar mais uma fonte de receita numa altura em que é necessário, em que as coisas não estão tão bem.
Após vencer as eleições, o que sentiu necessidade de fazer imediatamente?
Como não estava minimamente à espera de voltar à associação, estava completamente desligado e nem estava muito inteirado dos problemas internos. Deparei-me com uma situação difícil, senti-me quase a começar do zero, com muito por fazer e achei que a associação tinha que se profissionalizar. Daí ter pensado em contratar um colega para que começasse a trabalhar mediante as nossas diretivas. A APMVEAC não pode mais trabalhar como uma associação em que nos tempos vagos, à noite e um pouco ao fim de semana disponibilizamos um pouco do nosso tempo. A associação tem de estar preparada para responder aos desafios que se colocam à classe que exerce a clínica de animais de companhia. Neste momento vejo-a mais como uma organização de classe, com essa vertente de defender os clínicos dos animais de companhia, do que propriamente de organização de eventos e congressos. Acho que temos de organizar sempre um congresso nacional, já está marcado – 11 e 12 de maio – e com um programa muito bom. Isso sempre foi apanágio da APMVEAC, que fez sempre congressos de grande valor científico, mas que muitas vezes não são tão correspondidos pelos colegas. Haverá outros eventos com menos valor científico que são mais concorridos. Como entidade independente, sem fins lucrativos e só virada para a classe, escolhemos os oradores com um critério de mais-valia e analisamos quem são os grandes oradores do momento, o que sem sempre acontece se for uma organização comercial a fazer os congressos. Por vezes estão ligados a laboratórios ou são patrocinados pelos respetivos laboratórios. Nós não, todos os oradores que convidámos e que vêm falar não são patrocinados por ninguém, não têm ligações a laboratórios, não foi nenhuma empresa que os indicou para virem falar. São pessoas que escolhemos, dentro da panóplia de oradores, pelo seu valor científico. Pagamos o que nos pedem e temos uma independência que não terá mais nenhuma organização.
Com a associação quase sem sócios havia capacidade financeira para contratar essas pessoas?
Ainda havia alguma capacidade financeira devido a uma gestão cuidadosa que vinha do passado. Quando saí deixei as finanças bem consolidadas e o Dr. Vieira Lopes, que é uma pessoa de grande rigor diretivo e financeiro, também deixou as contas bastante confortáveis. É evidente que, à medida que cada vez havia menos sócios, cada vez se notava mais nas dificuldades que encontrámos. A atual direção resolveu dar um grande passo e vamos apostar. Estamos a arriscar muito este ano, se as coisas não correrem bem será muito complicado a nível financeiro. Mas gosto de grandes desafios e se vim para a associação outra vez foi porque o desafio era muito grande. Se não fosse assim nunca viria, estava fora dos meus horizontes, mas resolvi arriscar tudo para levantar a associação. Começámos já com um novo site, com uma imagem nova, contratámos uma profissional que está muito direcionada para o marketing e relações públicas e aceitámos encabeçar um congresso mundial de imagem, com um orçamento muito grande, em Portugal, no final de agosto, e onde vão estar todas as figuras da imagem do mundo. A organização escolheu Portugal para a realização do evento e abraçámos o projeto, que também é de “alto risco” porque tem um orçamento muito grande.
O número de sócios já começou a subir?
Nota-se já uma postura diferente nas pessoas. Notamos que há muita expectativa, as pessoas ligam a dizer que era uma pena a associação desaparecer. E até pessoas que nunca tinham sido sócias a quererem entrar, sobretudo pessoas novas a mostrar muito interesse. Além dos corpos diretivos e do conselho científico que sempre houve, criámos este ano pela primeira vez um conselho consultivo para o qual fomos buscar nomes que considero bastante representativos na classe, de norte a sul do país. Pessoas que, pela sua postura e currículo, se têm distinguido e são reconhecidas pelos colegas de profissão. Convidámos essas pessoas e tivemos uma aceitação muito grande. Eram pessoas que estavam completamente desligadas, nem eram sócias da associação, mas mostraram interesse em colaborar e perceberam a necessidade de ter uma associação forte.
Quais as funções desse conselho consultivo?
São os nossos consultores, pessoas que nos vão ajudar a criar novos rumos, a propor novas ideias, soluções, que vão dar apoio na escolha de nomes de oradores. São pessoas que, por terem vivencias muito diversificadas e que já têm bastante experiência neste meio, poderão dar apoio pois a associação tem de ser de todos. Todos têm de colaborar, não podem ser apenas duas ou três pessoas na direção a ter ideias, tem de haver um grande apoio da classe. Foi a tentativa de nos juntarmos e fazermos coisas novas que convidámos o Prof. Herman Hazewinkel para dar formação aos colegas que estão a fazer a leitura das radiografias da displasia da anca, para podermos dar uma melhor resposta a toda a classe. Sentimos necessidade de chamá-lo para estar um fim de semana connosco a dar formação para dar mais credibilidade ao nosso serviço.
E qual a posição da APMVEAC em relação à luta pela isenção do pagamento de IVA na medicina veterinária?
Isso insere-se na minha política de tentar que a associação seja a pioneira na defesa dos interesses dos veterinários. Acho que a classe devia fazer algo para tentar alterar o regime de IVA porque não faz sentido sermos taxados à taxa máxima uma vez que somos profissionais de saúde e fazemos saúde pública. Tanto quanto sei, o regime de isenção de IVA para médicos e estomatologistas é precisamente fazerem saúde pública e com esse argumento também fazemos saúde pública. O mais mediático será a vacinação da raiva, que é uma zoonose e um perigo de saúde pública, para não falar nas outras zoonoses e da parte de inspeção alimentar. Não faz sentido estarmos num regime de IVA no máximo, como se fossemos uma atividade puramente comercial. Tem de haver um reconhecimento do Estado. Deveríamos estar como os médicos, a zero, mas se conseguíssemos os 6% já era positivo. É uma batalha onde não podemos baixar os braços, mas não é fácil nesta altura do país. Já pedimos reuniões, pedimos um parecer e vamos tentar, com as capacidades que temos, ir para a frente. Existem coisas anacrónicas, como o IVA na alimentação dos animais de companhia: quem tiver um cavalo de luxo, que pode valer milhares de euros, compra comida a 6% e quem tiver um cão compra a 23%. Isto faz sentido? Não faz! Ninguém tem batalhado o suficiente por isto, é uma área esquecida, até porque os veterinários não têm grande poder de lobby como as outras associações profissionais com grande protagonismo. O veterinário é o parente pobre da medicina e é isto que queremos inverter. Este é um dos papéis da associação: lutar por estas situações que consideramos injustas. E temos outras medidas que queremos implementar.
Quer falar em algumas delas?
Neste momento, a atividade médico-veterinária dos animais de companhia é a que está mais em voga, mas com menos regulamentação. Há que regulamentar a atividade e quando digo isto não quero dizer que queremos criar dificuldades e burocracias, pelo contrário. Há que regulamentar pois uma atividade que não é regulamentada é o pior que há para todos. Neste momento está a assistir-se ao salve-se quem puder, quer a nível de salários pagos a médicos veterinários que trabalham em clínicas, quer a nível de preços que se praticam e que considero quase indignos da classe. Temos restrições e não podemos tomar medidas corporativas, pois foi considerado ilegal o chamado preço mínimo na atividade, mas há que ter um pouco de bom senso. Por causa da crise, as pessoas começaram a praticar preços que considero indignos, é uma situação que fica mal aos profissionais, desvaloriza a classe, o nosso trabalho e todos os dias somos confrontados com situações escandalosas. Não há quem reporte isto, pelo que nada melhor que uma organização que possa analisar a situação e tentar chegar a consenso.
O que têm em mente fazer perante a situação?
Queremos debater a situação. Não temos uma fórmula mágica para resolver os problemas. As situações só se modificam se toda a classe quiser que se modifiquem. Ou a classe sente necessidade de mudar e nós podemos ser os porta-vozes e os seus representantes, ou não podemos ser nós a querer mudar o mundo. É um sentimento que a classe terá de ter e que gostaria que vissem em nós a sua associação, onde internamente pudessem debater o problema.
Vai ter novas condições para sócios antigos? Ou para os sócios que estavam inativos?
A primeira coisa que fiz quando cheguei à associação foi fazer um levantamento do que se passava com os sócios. Cheguei à conclusão que tínhamos centenas que não pagavam quotas há 5, 6 ou 7 anos. Falei com alguns que mostraram interesse em voltar a ser sócios, mas era impensável pagar os anos que estavam para trás. Assim tomei uma medida, e assumi o risco dessa medida: fazer um perdão de todos os que não pagaram as quotas atrasadas se mostrassem interesse de voltarem a ser sócios. Pagando as quotas de 2013 ficam automaticamente com o perdão das quotas antigas.
E os sócios que pagaram sempre ao longo dos anos?
Para tentarmos ser justos com quem sempre cumpriu até 2012 oferecemos a quota de 2013, assim como o nosso congresso nacional e todos os eventos que tenham o patrocínio da associação este ano. É um reconhecimento de todos aqueles que nunca deixaram de pagar. Possivelmente podem achar que os outros estão a ser beneficiados, mas nesta fase temos de chamar todas as pessoas que querem vir, mas que diziam que não vinham pois não iam pagar as quotas em atraso. As pessoas estão a aderir e é uma oportunidade única de voltarem a ser sócios ficando com o perdão da dívida.
O que as pessoas podem ganhar sendo sócios da APMVEAC?
No nosso site temos descriminadas as todas as vantagens. E embora haja vantagens económicas, as pessoas têm de perceber que devem estar ligadas a uma organização de classe que as possa defender e que amanhã possa representar os seus interesses. Tem de haver uma consciencialização das pessoas de que não é o que eu ganho, mas o que eu posso dar, é completamente diferente. Não é o que eu vou receber, mas o que eu vou dar à associação e à classe para que sejamos fortes e unidos. É mudar radicalmente a postura de pensamento. Cada vez mais as pessoas estão a sentir que é preciso fazer mais qualquer coisa porque a crise começou agora para os veterinários. Até agora mal ou bem íamos tendo trabalho, a partir de agora sinto que as pessoas estão preocupadas, e às vezes é quando as coisas estão piores que as pessoas têm de se unir.