Além de obrigar a consultas desnecessárias, o hábito, segundo o “Jornal de Notícias”, acaba por transferir, para os cuidados primários despesas que, em teoria, deveriam ser de responsabilidade hospitalar.
Por conseguinte, elas acabam pagas pelo Estado ao sector convencionado, apesar da existência de meios disponíveis no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
A FNAM, apesar de não conseguir quantificar o problema, menciona «prejuízos para a eficiência global do sistema, subversões nas responsabilidades de prescrição, incómodos para os utentes e sobrecarga de trabalho ao nível dos cuidados primários».
O dirigente sindical dedicado à área de cuidados primários, Bernardo Vilas Boas, reconhece que nem as situações, nem as despesas transferidas para os centros de saúde, nem as consultas gastas com esta prática estão calculadas. Contudo, garante que são casos «frequentes».
«Ainda hoje recebi aqui um pedido de prescrição de um estudo genético vindo do Hospital de S. João», contou ao “JN” o também coordenador da unidade de saúde familiar Serpa Pinto, no Porto.
O argumento empregue pelo médico que transcreveu o exame foi o da «falta de condições» para a realização do mesmo no hospital. «Se o S. João não tem condições, quem tem?», questionou o médico de família.
«O que às vezes acontece é os doentes chegarem às consultas externas mal referenciados dos centros de saúde, sem estarem minimamente estudados», explica um administrador hospitalar que preferiu manter o anonimato. Faltam-lhes, por exemplo, análises e radiografias simples, acabando por ser reencaminhados para o médico de família, acrescentou.
Em muitos casos, segundo Bernardo Vilas Boas, «o argumento apresentado é o do atraso da realização dos exames no próprio hospital. Já recebi pedidos de TAC com a indicação de que no hospital o doente teria que esperar quatro semanas e que cá fora seria muito mais rápido».
Outras vezes, o motivo é o de que «é mais conveniente para o utente realizar os exames na sua área de residência em vez de ter de voltar ao hospital», contou.
Questionado se acredita nos argumentos aludidos, o sindicalista responde que «por vezes sim, outros não». Por um lado, «todos sabem do equipamento subaproveitado nos hospitais». Por outro, há casos em que o hospital e o centro de saúde são na mesma zona.
Além disso, «é muito raro um utente não querer fazer exames no hospital, até pela atracção que exerce, por reunir os especialistas e a tecnologia», relatou Bernardo Vilas Boas, acrescentado que «o que a carta à ministra refere são casos de exames possíveis nos hospitais».
Já o administrador admite «que possa acontecer» o desvio denunciado pela FNAM. Mas, caso exista, «não é razoável, nem aceitável», considerou.
Em consonância com a lei e as circulares da Direcção-Geral da Saúde, a responsabilidade pelas despesas com cuidados de saúde é imputada ao serviço que os requisita. «O significado desta sobrecarga de despesas com cuidados de saúde é imputada para cada centro de saúde e para cada médico de família pode ser relativamente pequena. Só que multiplicada por seis mil clínicos e 300 estabelecimentos começa a pesar», alertou o dirigente sindical.
Hospitais solicitam exames aos centros de saúde
A prática de encaminhar os doentes dos hospitais para os centros de saúde, para a prescrição de exames, tem vindo a gerar desconforto entre os médicos de família e já foi denunciada pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM), numa carta endereçada, na semana passada, à ministra da Saúde.