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Higiene e Segurança

A sua clínica tem uma ‘cultura de biossegurança’?

biossegurança Veterinária Atual
Não criar um plano de biossegurança é contribuir para a “ocorrência de infeções nosocomiais e/ou surtos de doenças. Ainda assim não existe um programa padrão de desinfeção para uso por todos os CAMVs mas vários, dependendo, por exemplo, das superfícies, do ambiente envolvente e até da casuística. Independentemente do plano a escolher, o importante mesmo é iniciar a ‘cultura da biossegurança’.

Nos centros de atendimento médico veterinários (CAMVs,) onde se cruzam animais saudáveis para check-up ou vacinação (com maior ou menor desenvolvimento do sistema imunitário) com animais doentes imunodeprimidos, associados ou não a doenças infeciosas é importante instituir medidas de biossegurança. “Os internamentos longos, os procedimentos invasivos (até mesmo a cateterização para fluidoterapia), o confinamento de animais doentes com animais em convalescença ou apenas em observação, a manipulação destes animais com diferentes suscetibilidades pelas mesmas pessoas, o cruzamento de circuitos (limpo-sujo), a inexistência de salas de isolamento ou erros no design das mesmas (ausência de antecâmara), podem trazer problemas em termos de controlo de doenças”, alerta Mariana Portugal Ferreira, médica veterinária da Câmara Municipal de Coimbra.

Para falar sobre medidas de controlo e prevenção de doenças é inevitável entrar no campo da biossegurança. Neste sentido, a médica veterinária explica que num plano de biossegurança existem objetivos a atingir como o “controlar/isolar a fonte; limitar a transmissão de infeção, reduzir a suscetibilidade do paciente à infeção e aumentar a resistência a uma infeção”.

Não criar um plano de biossegurança é estar a contribuir para a “ocorrência de infeções nosocomiais e/ou surtos de doenças”. A título de exemplo, Mariana Portugal Ferreira aponta o estudo ‘Determinação dos pontos críticos de contaminação e avaliação de protocolos de desinfeção hospitalar na área veterinária’ (Sfaciotte, Vignoto, Pachaly e colaboradores; 2014) onde são “mostrados resultados de zaragatoas de superfície, tendo sido concluído que o Plano de Limpeza e Desinfeção (LD) deveria ser mudado. Alguns valores encontrados após a desinfeção foram maiores do que antes da mesma”. Os autores referiram mesmo, na discussão, segundo a médica veterinária, “a importância de dois passos para a eficácia destas operações: conhecimento prévio do produto e sua diluição, concentração e tempo de ação; e formação para o pessoal responsável pela limpeza”.

Considerar todo o CAMV

A biossegurança é fundamental, mas também é sinónimo de desafios para os CAMVs. No Alma Veterinária – Hospital Veterinário, no Cacém, estes desafios têm passado pelo “conhecimento e estabelecimento das boas práticas de biossegurança pela equipa (médicos, enfermeiros, auxiliares), mas também pelo custo financeiro inerente a possuir instalações, equipamentos, proteções, material de desinfeção, sistemas de exaustão, para cumprir todas as práticas de biossegurança”, revela Susana Azinheira, diretora-clínica.

Todo o CAMV tem de ser considerado no plano de limpeza e desinfeção, “desde o pavimento ao equipamento médico”, salienta Mariana Portugal Ferreira, acrescentando que “o pessoal encarregue destas funções deve ser formado quanto à sua importância e treinado quanto ao manuseamento seguro e ao uso dos desinfetantes”. No Alma Veterinária – Hospital Veterinário, por exemplo, foram implementadas várias medidas no âmbito da biossegurança, nomeadamente “a presença de sistema de exaustão e insuflação para ventilação das instalações e evitar propagação de doenças; formação da equipa sobre utilização de meios de proteção individual (luvas, máscaras, toucas, proteção de sapatos, higiene das mãos, etc.); protocolos e formação a cumprir nos internamentos de infectocontagiosos, existentes isoladamente; formação da equipa a nível dos desinfetantes de superfície a utilizar em bancadas e outras superfícies e limpeza e desinfeção dos chãos; e os materiais utilizados na construção do hospital são facilmente higienizáveis”.

“A biossegurança pode ser definida, de uma forma simples, como um conjunto de ações relacionadas com a prevenção, eliminação ou minimização de riscos associados a agentes ou produtos biológicos com importância na saúde das pessoas e animais, bem como na integridade do meio ambiente.”

Também no Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (HV-UTAD), com vista a proteger a segurança e a saúde de pessoas e animais, encontram-se um funcionamento medidas para evitar ou reduzir ao mais baixo nível a exposição a agentes biológicos. Aqui foi mesmo criado o Código de Boas Práticas de Biossegurança da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD, 2016), segundo o qual, como cita Luís Cardoso, presidente da Comissão de Biossegurança, “a biossegurança pode ser definida, de uma forma simples, como um conjunto de ações relacionadas com a prevenção, eliminação ou minimização de riscos associados a agentes ou produtos biológicos com importância na saúde das pessoas e animais, bem como na integridade do meio ambiente”.

Não há um (só) programa

Um bom plano de biossegurança, segundo Mariana Portugal Ferreira, “dá uma melhor imagem do serviço, melhora a confiança do cliente, contribui para a saúde e bem-estar dos animais e beneficia o ambiente dos trabalhadores”. Além disso, direta ou indiretamente “também ajuda a aumentar as receitas”, revela a médica veterinária. “Não há, no entanto, um programa padrão de desinfeção para uso por todos os CAMVs”, alerta, justificando que “as superfícies, o ambiente envolvente, a casuística e as práticas de rotina (em que se incluem a higienização das mãos, o uso de equipamentos de proteção individual (fardamento e calçado), procedimentos de limpeza e desinfeção, lavandaria, gestão de resíduos, controlo de pragas, influenciam as escolhas”. Neste sentido, Mariana Portugal Ferreira conclui que “deve ponderar-se quanto ao espetro de atividade, aos agentes patogénicos potenciais e mais frequentes, à possível inativação pela matéria orgânica, à toxicidade para o pessoal e animais, à corrosividade, ao tempo de contacto mínimo requerido, aos efeitos ambientais e ao custo”.

Apesar das vitórias que possam ser alcançadas pelos CAMVs ao nível da biossegurança, é importante salientar que “não há um fim, porque esta está em constante atualização e melhoria”

No caso do HV-UTAD, a avaliação dos riscos teve em conta: “(a) a probabilidade da presença de agentes biológicos nos animais e nas amostras e materiais residuais deles provenientes; (b) a patogenicidade e a virulência desses agentes biológicos e (c) o risco inerente à natureza das atividades clínicas, de ensino e de investigação”, especifica Luís Cardoso. Em consequência, as medidas aplicadas incluíram, por exemplo, “(a) a especificação de processos adequados de desinfeção e descontaminação, incluindo a respetiva sinalética; e (b) a aplicação de processos que garantem a segurança das pessoas e dos animais na manipulação, transporte e eliminação de resíduos contaminados”. Já as unidades de isolamento onde se encontram “animais infetados ou com suspeita de estarem infetados por agentes biológicos dos grupos 3 ou 4 são alvo da aplicação de medidas de confinamento adequadas”. E nos laboratórios de diagnóstico onde se manipulam materiais suspeitos de conterem agentes biológicos suscetíveis de causar doença nos seres humanos e/ou nos animais, “mas cujo objetivo não seja trabalhar com esses agentes enquanto tais, é adotado, no mínimo, o nível 2 de segurança biológica (básico). Em situações consideradas excecionais, e sempre que se revele adequado, estes laboratórios de diagnóstico adotam um nível de segurança biológica 3 ou 4 (confinamento e confinamento máximo, respetivamente)”, sublinha Luís Cardoso. No HV-UTAD existe ainda um programa de controlo de insetos e de roedores e “são realizadas periodicamente ações de formação para estudantes, docentes e funcionários não docentes”.

Resultados práticos

Dado o exposto, a biossegurança pode parecer inicialmente difícil de implementar, mas “é uma questão de criar a ‘cultura da biossegurança’”, como indica Mariana Portugal Ferreira, acrescentando que “quem melhor para a iniciar, implementar, valorizar e servir de exemplo se não os médicos veterinários ‘séniores’ e os diretores clínicos? É fundamental o envolvimento dos médicos veterinários da própria instituição”.

E os resultados práticos da implementação desta cultura não tardam em aparecer: “menos acidentes de trabalho e menor incidência de doenças profissionais; equipa mais consciente e alerta para os riscos inerentes à profissão médico-veterinária; dosímetros de radiologia sempre com leituras nulas ou muito baixas em termos de exposição à radiação e consciencialização da equipa para a preocupação com a saúde dos próprios, dos colegas e clientes e dos próprios animais”, refere Susana Azinheira.

Já no HV-UTAD, graças à implementação das várias medidas no âmbito da biossegurança, “foi estabelecido um nível elevado de qualidade em matéria de procedimentos de biossegurança no HV-UTAD. Numa perspetiva de saúde ocupacional estão criadas as condições para garantir a biossegurança das pessoas (estudantes, docentes e funcionários não docentes) e dos animais que frequentam o hospital, bem como do meio ambiente”, sublinha Luís Cardoso. Por outro lado indica que, como hospital veterinário universitário, “o HV-UTAD contribui para formar estudantes e médicos veterinários que, enquanto desenvolvem a sua formação pré e pós-graduada, convivem com normas de biossegurança que lhes servirão de referência durante o curso e na vida profissional, respetivamente. Aliás, os estudantes foram e continuam a ser, pelo seu número e pela sua atitude proactiva, um importante motor para a consolidação de comportamentos em termos de adoção de normas de biossegurança”. O presidente da Comissão de Biossegurança refere ainda que foi conseguido “por um lado, a acreditação do HV-UTAD pela Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) e, por outro, a aprovação do curso de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária da UTAD pela Associação Europeia de Estabelecimentos de Ensino Veterinário (AEEEV/EAEVE)”.

Não obstante, apesar das vitórias que possam ser alcançadas pelos CAMVs ao nível da biossegurança, é importante salientar que “não há um fim, porque esta está em constante atualização e melhoria”, remata Mariana Portugal Ferreira.

<strong>Protocolos</strong>

Todos os CAMV, independentemente do tipo ou tamanho, “devem ter um programa formal de controlo de infeções desde uma simples coleção de práticas de controlo, a um manual formal com programas de formação, monitorização, vigilância e cumprimento”, refere Mariana Portugal Ferreira. Sendo que depois de organizar, ponderar, decidir e escrever as normas a seguir “é preciso dá-las a conhecer, providenciar a sua implementação, fazê-las cumprir (de destacar que a eficácia de um programa de controlo de infeções é sem sombra de dúvida um trabalho de grupo) e revê-las periodicamente”, salvaguarda a médica veterinária, indicando os protocolos escritos, afixados e/ou entregues a cada colaborador:

– Higiene das mãos – como e quando;

 

– Equipamento de proteção individual – o que usar em cada sala/ área/ procedimento;

– Lavandaria – procedimentos e tipos de programas;

 

– Desinfetantes – o que usar em cada área, diluição clara e simples, medidas de proteção e cuidados na manipulação;

– LD (Limpeza e desinfeção) das superfícies: marquesas, bancadas, pavimentos, superfícies de alto contacto;

 

– LD jaulas, canis, boxes (movimentos não circulares, de trás para a frente, iniciando no teto, paredes e por fim pavimento);

– LD equipamentos móveis em geral e usados nos internamentos;

 

– LD equipamentos médicos (estetoscópio, máquina tosquia e lâminas, espéculos, termómetros, tubos endotraqueais, endoscópios…).

<strong>O controlo de infeções</strong>

Mariana Portugal Ferreira indica que, em termos da biossegurança, o projeto deve ser pensado quanto ao controlo de infeções:

– Muitos pontos de LD das mãos, comando não manual, etc.;

– Muitos dispensadores de desinfetantes mãos;

– Janelas abertas só com redes mosquiteiras;

– Prever circuito de água quente com T>70ºC;

– Circuito de entrada e saída de animais e trabalhadores, sem cruzamentos nem retrocessos (sentido limpo-sujo);

– Determinar áreas de especial consideração: sala de cirurgia, recobro, isolamentos

– Ventilação (pressão positiva/ negativa, filtros HEPA, boa renovação…).

<strong>HV-UTAD</strong>

No âmbito do processo de avaliação do curso de Mestrado Integrado em Medicina Veterinária (MIMV) da UTAD pela AEEEV/EAEVE – e com base numa dinâmica conjunta da direção de curso (Cristina Saraiva), da direção de departamento de Ciências Veterinárias (Carlos Viegas) e da direção do Hospital Veterinário (Isabel Dias) – “houve um considerável investimento em biossegurança, que assentou em três vertentes: instalações, equipamentos e comportamentos”, menciona Luís Cardoso.

Deste modo, presentemente o HV-UTAD está acreditado pela OMV “para o que contribuiu também o substancial investimento em termos de biossegurança”, sublinha o presidente da Comissão de Biossegurança, especificando que “durante o processo de acreditação, além da satisfação de exigências regulamentares de ordem administrativa, houve também uma visita ao HV-UTAD por parte de representantes da OMV e da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, que permitiu confirmar o cumprimento precisamente de normas de biossegurança”. A UTAD tem ainda em atividade a referida Comissão de Biossegurança, presidida por Luís Cardoso, e o curso de MIMV conta com o seu respetivo Núcleo de Biossegurança, cuja presidente é Ana Cláudia Coelho.

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