A arritmologia clínica vai estar em debate nos dois dias do Congresso da Sociedade Portuguesa de Cardiologia Veterinária (SPCAV), a realizar de 28 e 29 de março, no Novotel, em Lisboa. As duas primeiras edições foram dedicadas às doenças cardíacas mais frequentes na medicina de pequenos animais, “as doenças adquiridas valvulares e miocárdicas”, refere Rui Lemos Ferreira, médico veterinário no Hospital Veterinário do Atlântico, responsável pelo serviço de ecografia ambulatória – Sombra Acústica – e colaborador no Espaço Ecovet.
Após o debate destas duas patologias, a organização optou por realizar um congresso sobre arritmologia “por ser uma área essencial no maneio do doente cardíaco, mas também muito importante em qualquer caso clínico em geral”, acrescenta. Este foi também um dos motivos que levou a que a SPCAV optasse por realizar um workshop um dia antes do arranque do evento, dedicado à Eletrocardiografia. Desta forma qualquer médico veterinário que esteja interessado em aprofundar a área das arritmias tem oportunidade de realizar um curso prático como base ou preparação para os assuntos um pouco mais específicos abordados durante o congresso. “Uma das missões da SPCAV é promover o conhecimento da cardiologia veterinária em Portugal. Por isso pretendemos que o workshop e o congresso se situem num patamar de conhecimento adequado para o clínico geral e para o médico veterinário com interesse específico em cardiologia”, esclarece Rui Lemos Ferreira.
As arritmias em geral representam um enorme desafio diagnóstico e terapêutico, constituindo muitas vezes emergências médicas que requerem prontas e eficientes respostas. “Um bom conhecimento geral das arritmias mais frequentes em animais de companhia é essencial na prática clínica daí o próximo congresso da SPCAV ser uma ótima iniciativa”, afirma José Novo Matos, especialista europeu em cardiologia veterinária que irá abordar a temática no Congresso por gostar especialmente de cardiologia felina e por ser uma área onde há muito por descobrir. “O objetivo da minha palestra é abordar as arritmias que mais frequentemente observamos em gatos, mas também trazer alguns exemplos mais raros que nos podem aparecer no dia-a-dia clínico. Uma parte importante deste tema será também alertar os participantes para as diferenças entre cães e gatos no que se refere ao diagnóstico e tratamento de arritmias, porque gatos não são cães pequenos”, refere. O IV congresso da SPCAV vai ser uma boa oportunidade para os palestrantes tomarem contacto com alguns dos melhores oradores a nível mundial e as últimas novidades na área da arritmologia.
A cardiologia veterinária encontra-se em desenvolvimento no nosso país e nesse sentido a SPCAV “tem como missão promover o desenvolvimento que se faz sentir noutros locais por toda a Europa e Estados Unidos da América, em que a casuística é superior. O interesse dos colegas portugueses por esta especialidade é crescente, sendo gratificante saber que cada ano que passa mais colegas frequentam o nosso Congresso e discutem casos clínicos”, sublinha o médico veterinário André Santos. A SPCAV aposta em sessões de formação para colegas “com menos conhecimentos na área e que permitem cada vez mais uma triagem mais aperfeiçoada. Por outro lado organiza congressos da especialidade para aqueles que dedicam quase por inteiro a sua atividade profissional à cardiologia veterinária”, diz-nos Manuel Monzo, médico veterinário na CardioCare e professor auxiliar na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Évora.
Realidade portuguesa vs realidade além-fronteiras
Existem algumas limitações e desafios na cardiologia veterinária em Portugal, desde logo pelas limitações económicas “impostas diariamente aos proprietários dos animais de companhia que não permitem um investimento em infraestruturas e no pessoal que permita uma situação comparável ao que se faz em cardiologia veterinária noutros países”, refere Rui Máximo, médico veterinário no Hospital Veterinário do Atlântico e responsável pelo serviço de ecocardiografia ambulatório na CardioVet. Na sua opinião, o principal desafio atualmente passa por “tentar inovar continuamente ao nível de equipamentos e formação”. A crise económica tem levado alguns proprietários a não ter dinheiro suficiente “para pagar os meios de diagnóstico ou terapêuticos mais adequados. Nota-se ainda a pouca adesão dos proprietários aos seguros de saúde animal e, por vezes, à dificuldade dos mesmos em regularizar alguns processos”, salienta Manuel Monzo.
O diagnóstico precoce da doença cardíaca – congénita ou adquirida – é fundamental. “O estadiamento clínico da doença é essencial para a correta abordagem terapêutica e definição de um prognóstico. Não nos podemos esquecer da compliance dos proprietários, seja ela no seguimento do tratamento prescrito, como nas reavaliações aconselhadas. A cooperação entre os proprietários dos animais e os profissionais é importante para o diagnóstico nas primeiras consultas do animal durante os primeiros meses de vida ou nos chamados check-up geriátricos”, explica Rui Lemos Ferreira. Como a maioria das doenças cardíacas são crónicas e “dinâmicas”, a cooperação proprietário-médico veterinário é muito relevante para a qualidade de vida do animal.
Os desafios são também vistos como oportunidades. “O desenvolvimento de mais formação avançada na área e o surgimento de novos centros de referência serão certamente importantes para o progresso da cardiologia veterinária em Portugal”, na opinião de Rui Máximo. A cardiologia veterinária tem evoluído “gradual e progressivamente” ainda que se encontre “um pouco aquém da realidade existente noutros países”, sublinha o veterinário. Têm sido dados “pequenos passos, mas no sentido positivo” e exemplo disso “é o facto de dispormos de vários colegas por todo o país a efetuar um excelente trabalho na área do diagnóstico e um centro de referência que consegue dar resposta a alguns dos casos mais complicados com recurso a técnicas intervencionistas”, acrescenta.
Já Manuel Monzo define a cardiologia veterinária no nosso país como um crescimento lento, mas “seguro”. “Os colegas estão cada vez mais cientes da necessidade da ecocardiografia no diagnóstico e maneio das doenças cardiovasculares, entendendo a importância dos colegas que se dedicam à cardiologia quase em exclusivo”.
E como está a especialidade fora de Portugal? Quais as grandes diferenças? O especialista europeu em cardiologia, José Novo Matos, tem larga experiência de prática clínica no estrangeiro, que lhe tem permitido conhecer e trabalhar com vários especialistas com backgrounds muito diferentes e dispostos a partilhar conhecimentos e experiências. Na sua opinião, a maior diferença com a realidade portuguesa prende-se com o facto de ainda não existirem em Portugal “centros a oferecerem residências e internatos aprovados pelos colégios europeus ou americanos.
A criação de residências (internatos de especialidade) e internatos gerais que sigam as normas dos colégios de especialidade permitiriam a formação de especialistas dentro de fronteiras”. No entanto, para o veterinário é importante sublinhar que “existem colegas de várias áreas em Portugal a oferecer um serviço de bom nível, bem como hospitais e clínicas portuguesas com serviços de referência e infraestruturas semelhantes ao que se observa noutros países”. Na Europa e nos Estados Unidos da América existem “grandes colégios de especialidade que oferecem residências de três anos, com um ano prévio de internato geral, com vista à aquisição do grau de especialista em cardiologia”, destaca.
Nota: Ler o artigo na íntegra na edição de março da Veterinária Atual ou consulte a edição online.