O processo de conhecimento sobre as patologias que afectam os equinos evoluiu muito nas últimas duas a três décadas. O aumento do impacto económico do desporto equestre, associado ao grande desenvolvimento de meios complementares de diagnóstico até então só disponíveis na medicina humana, vieram disponibilizar ao médico veterinário uma série de "armas" imprescindíveis ao diagnóstico e tratamento das diversas doenças que afectam estes animais.
Portugal acompanha a evolução em termos de medicina veterinária de equinos, embora não atinja o mesmo grau de progresso dos países mais desenvolvidos nesta área, como os EUA, Reino Unido, Alemanha, Holanda, Bélgica, França ou Suíça. Isto deve-se sobretudo à dimensão do mercado nacional, «que leva a que as receitas do desporto equestre e da criação cavalar não permitam um investimento equiparável ao dos países referidos», considera Rui Mendes, médico veterinário.
A nova relação Homem / equino veio também determinar o tipo de selecção de raças efectuada. Mário Barbosa, médico veterinário na Fundação Alter Real, organismo que actualmente tutela toda a criação cavalar nacional, explica à Veterinária Actual que a selecção de cavalos está «necessariamente dependente de modas momentâneas e pouco de índices mensuráveis. Daí que a testagem funcional, se bem que muito importante, tem sempre que ser encarada com certas reservas».
Apuramento de raças
Em Portugal, a selecção foi, durante muitos anos e em larga medida, orientada pelo Estado, através da Coudelaria Nacional e pela Associação Portuguesa das Raças Selectas, que praticamente controlava todos os Stud-Books, ou livros genealógicos, das diversas raças de cavalos criadas em Portugal. Posteriormente, o cavalo Lusitano, dada a sua importância nacional, criou a sua própria associação e, com ela, recebeu do Estado o controlo do seu Stud-book. Nos anos subsequentes outras raças fizeram o mesmo.
As raças hoje reconhecidas são a Puro-sangue Lusitano, Puro-sangue Árabe, Anglo-Árabe, Puro-sangue Inglês, Sorraia, Garrano, Português de Desporto e Cruzado Português.
Actualmente a Fundação Alter Real dispõe de um controlo sobre todos os livros genealógicos; um Depósito de Garanhões, onde se encontram garanhões de diversas raças para reprodução em éguas particulares em que os criadores pretendam a sua cobrição; bem como uma Unidade de Reprodução Obstetrícia e Neonatologia, onde se procede aos trabalhos de reprodução, quer das éguas do efectivo da Fundação, quer das particulares que o solicitem.
Também como medida de controlo da criação, e no sentido de certificar as afirmações dos criadores, a Fundação dispõe de um Laboratório de Genética Molecular onde, a partir de 17 marcadores moleculares, é possível confirmar a paternidade de todo o efectivo equino nascido em Portugal e no estrangeiro (raças nacionais). Como forma de credibilizar todo o sistema, é mantido sempre actualizado um Registo Nacional de Equinos.
Cuidados alimentares
Para que um equino atinja um bom desempenho é essencial que seja saudável e a alimentação detém aqui um papel fundamental, determinando o seu desenvolvimento, saúde e longevidade.
A dieta ideal é aquela que consegue fornecer todos os nutrientes (energia, proteínas, vitaminas e minerais) nas quantidades de que o animal necessita, permitindo que se mantenha saudável. Parece simples, mas «devemos ter em consideração que as necessidades variam muito em função do peso vivo, fase de crescimento, gestação ou lactação e intensidade de trabalho», explica Manuel Cacella de Abreu, professor na Faculdade de Medicina Veterinária de Évora. «É de evitar alimentos contaminados com fungos e que libertem pó ou utilizar trigo, arroz ou sorgo. Deverá também ser tida em conta as relações entre alguns nutrientes como energia / proteína e cálcio / fósforo, que variam consoante a fase produtiva do cavalo. Deve-se ainda prestar atenção à forma de transformação dos alimentos (moenda, esmagamento, micronização, etc.) que pode contribuir para uma melhor utilização digestiva e prevenção de cólicas».
Os desequilíbrios nutricionais ou a falta de nutrientes podem comprometer definitivamente o crescimento e desenvolvimento de um poldro, prejudicar a lactação de uma égua ou a sua fertilidade, ou o desempenho de um saltador ou corredor. Mas, «se a deficiência de proteína, num poldro, resulta num mau desenvolvimento muscular, o seu excesso também pode provocar um atraso no desenvolvimento e problemas como epifisites, contratura dos tendões e osteocondrites», explica Cacella de Abreu. «A utilização de certos alimentos ou alimentos em excesso pode provocar cólicas, enquanto que a falta de cálcio ou fósforo, ou um desequilíbrio entre estes elementos, pode estar na origem de claudicações, osteítes, deformações ósseas ou problemas articulares. Em cavalos adultos a falta de sódio, cloro, potássio ou cálcio pode ser responsável por debilidade física, falta de força ou descoordenação motora».
Preconceitos vigentes
Os proprietários e aqueles que trabalham com equinos estão crescentemente conscientes da importância da alimentação, embora continue a ser necessária a disseminação de informação. Contudo, alerta Cacella de Abreu, «continuam a existir algumas ideias erradas, como a tendência para manter os cavalos gordos ou a não atribuição de importância a determinadas fases, como a de lactação ou a do crescimento dos poldros até serem recolhidos para o desbaste, considerando que a pastagem, por si só, consegue garantir a sua alimentação».
Um dos aspectos mais importantes e ao qual se costuma atribuir pouca importância é a escolha da forragem. «Continua a fornecer-se grandes quantidades de palha, que é boa para entreter os cavalos, devido ao seu teor em fibra, mas que praticamente não é digerida, fornecendo quantidades muito baixas de energia e de outros nutrientes, tendo que ser complementada com quantidades razoáveis de concentrados».
O professor aconselha a escolha de uma boa forragem, «por exemplo, um feno de azevém colhido cedo, que permitirá fornecer uma maior quantidade de nutrientes, nomeadamente pró-vitaminas A, uma menor sobrecarga do ceco e cólon e menor utilização de alimentos concentrados».
Continua também a haver uma utilização desajustada das misturas de alimentos, usando-se o mesmo alimento composto para animais em fases completamente diferentes, como por exemplo utilizar uma mistura para éguas na alimentação de poldros ou vice-versa.
Outros problemas são a falta de conhecimento sobre vitaminas e electrólitos, que conduz a uma tendência de «algum exagero na sua utilização ou má aplicação» e a propensão para utilizar, em cavalos adultos, dietas com proteína elevada. Um dos maiores desafios é «o ajuste de dietas para cavalos de alta competição, que permitam tirar partido de todas as suas potencialidades uma vez que, na maior parte dos casos, é necessário praticar uma alimentação individualizada e diferenciada entre as fases de treino e as de competição», defende Cacella de Abreu.
Cólicas: principal causa de morte
As cólicas continuam a ser a primeira causa de morte em equinos, apesar de apenas uma pequena percentagem de cólicas ser cirúrgica e dos enormes avanços alcançados no diagnóstico e tratamento da doença.
Na sua origem estão factores como o tipo de maneio, alimentação, trabalho ou exercício, estação do ano ou localização geográfica, programas profiláticos contra parasitas gastrointestinais, entre outros.
Comparativamente a outros animais, as cólicas apresentam-se nos cavalos, dada a sua dimensão, forma de agir e grande proximidade com o homem, com uma exuberância muito própria», explica José Prazeres, médico na Clínica Veterinária de Santo Estevão.
É uma patologia para a qual os proprietários tendem a estar mais atentos, recorrendo atempadamente ao médico veterinário.
Nos últimos 30 anos, o conhecimento sobre a doença tem evoluído muito, sobretudo na Europa e EUA. Também em Portugal a capacidade de lidar com a patologia é boa, não obstante exista uma grande diferença no número de casos cirúrgicos por comparação com outros países onde o desporto equestre é mais relevante, o que José Prazeres atribui à existência de seguros de saúde para cavalos, que em Portugal não são ainda muito comuns.
Para vencer esta doença é fundamental o exame clínico no seu todo. Estão disponíveis exames variados, quer analíticos, quer de imagem, como é o caso da ecografia, endoscopia e laparoscopia. «Em poldros, o raio X pode ser um meio de diagnóstico em certas situações».
Já a terapêutica depende de caso para caso, embora frequentemente seja uma terapêutica de estabilização do paciente e de analgesia. No caso de certas patologias pode ser necessário recorrer à cirurgia. O tratamento de cólicas exige «uma equipa competente e eficaz nos casos de cuidados intensivos, cirúrgicos e nos pós-cirúrgicos». O tratamento precoce permite reduzir os custos, embora estes sejam sempre elevados, dado que «estamos quase sempre a falar de um animal de 500 quilos».
Claudicação: o preço do esforço
As patologias locomotoras, de que a claudicação é um sintoma, são outro problema comum nos equinos. São particularmente frequentes nestes animais, fruto da sua utilização baseada em trabalho / desporto. Assim, as raças com utilização desportiva são as que mais padecem de claudicação.
O impacto da claudicação em equinos é grande, implicando a impossibilidade de utilização do animal para fins de trabalho ou a paragem do mesmo em termos desportivos, com a consequente perda da forma física, ausência de competição e classificação (prémios monetários) e dispêndio de recursos para recuperação da condição.
A atitude dos donos face aos cavalos que padecem de um problema que origine claudicação é «muito variável», segundo Rui Mendes. «Há aqueles que fazem o necessário, dentro dos seus recursos financeiros e logísticos, para tratar os animais eficazmente, curando a origem da claudicação. Há também aqueles que apenas procuram um alívio rápido dos sintomas através do recurso a tratamentos sintomáticos que, não curando a origem da claudicação, a vão mascarar, de forma a permitir a sua utilização temporária, se bem que debilitada, quer para se poderem manter em competição, quer para poderem vendê-lo a outrem, dizem, enquanto é tempo».
Detecção precoce
A detecção precoce da claudicação e da(s) sua(s) causa(s) é fundamental para que uma patologia de solução simples e rápida não se torne num problema complicado, por vezes insolúvel. Quanto mais cedo for iniciado o tratamento, mais eficaz e barato será o mesmo. Por outro lado, na maioria das vezes é menos dispendioso tratar de raiz a causa da claudicação, do que manter terapêuticas sintomáticas durante longos períodos, associados a claudicação latente e baixos desempenhos.
A detecção passa pelo exame físico, o passo «mais importante, e por vezes negligenciado». Os meios de diagnóstico a que mais se recorre são a radiografia e a ecografia. Outros meios, como a termografia, cintigrafia, TAC, ressonância magnética, artroscopia, tenoscopia, podem também ser utilizados, caso se revele necessário”.
Em termos de terapêuticas, é comum a utilização de anti-inflamatórios, condroprotectores, hidroterapia e cirurgia. «A maior evolução a este nível será o aprofundar dos recursos a nível cirúrgico e da terapêutica celular», crê Rui Mendes.
Mantém-se a dificuldade de tratar animais de grande tamanho e peso, o que condiciona o tipo de instalações utilizadas, assim como o uso de equipamentos de diagnóstico complementar e terapêuticos. «Um cavalo adulto de 500 quilos ou mais, intervencionado cirurgicamente a um membro, vai ter que se levantar e firmar peso nesse membro, imediatamente no final da cirurgia, o que não acontece nem nos humanos nem nos pequenos animais, conclui Rui Mendes.
Problemas respiratórios em estudo
No cavalo, tal como no ser humano, tem vindo a aumentar a nível mundial a prevalência de RAO (Recurrent Airway Obstruction ou, em português, Obstrução recorrente das Vias Aéreas), termo que no último consenso internacional veio substituir o COPD (Chronic Obstructive Pulmonary Disease), anteriormente utilizado.
Esta doença, que tem algumas semelhanças com a asma humana, está associada a determinados ambientes e, em particular, a sistemas de arejamento inadequados dos alojamentos em que os animais se encontram. «Estão neste momento a ser testados novos métodos de ventilação para estábulos», explica Paula Tilley, docente na Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa (FMVL), que tem vindo a conduzir um estudo sobre o tema naquela instituição.
A RAO nos equinos afecta o seu desempenho físico, implicando emagrecimento associado a perda de massa muscular. Hoje já são menos frequentes as situações de enfisema pulmonar crónico (vulgo “pulmoeira”), «uma vez que os donos começam a pedir a intervenção do médico veterinário mais cedo», segundo Paula Tilley. Ainda assim, alguns proprietários têm relutância em aceitar a necessidade de manter os cuidados de maneio e de alimentação toda a vida.
A eficácia do tratamento depende sobretudo de um diagnóstico eficiente e atempado, antes de a doença ter deixado sequelas irreversíveis. Nesta patologia o tratamento baseia-se numa terapêutica medicamentosa (anti-inflamatórios, broncodilatadores, anti-histamínicos) na fase aguda, mas depois o grande foco deve incidir no maneio e na alimentação.
Embora os conhecimentos sobre a doença tenham evoluído bastante nos últimos anos, «ainda há um longo caminho a percorrer», considera esta especialista. As maiores dificuldades prendem-se com a enorme variedade de factores que podem estar na sua etiologia. Aqui os maiores desafios existem a nível laboratorial.
Vacinas mais eficazes
Os países que mais têm elaborado estudos em equinos com RAO são os EUA e o Canadá e, a nível da Europa, o Reino Unido, a França, a Bélgica, a Suíça e a Alemanha. Portugal não está muito aquém em termos de tratamentos disponíveis, mas na área do diagnóstico especializado «ainda temos algumas lacunas, sendo nesse âmbito que temos estado a trabalhar na FMVL».
Os meios de diagnóstico disponíveis são a endoscopia respiratória em repouso e em exercício, a lavagem bronco-alveolar com posterior análise detalhada do lavado, a radiologia torácica, a ecografia torácica e os testes cutâneos de alergia. «De todos estes, o único que não temos ainda disponível na FMVL é a endoscopia em exercício».
O método de diagnóstico considerado como gold standard na avaliação da etiologia do foro imunoalergológico consiste em testes cutâneos de alergia, que «permitem intervir de forma eficiente no maneio e alimentação dos animais, eliminando o mais possível os alergenos aos quais demonstraram reacção nos testes, com o intuito de manter sempre a sua situação clínica estável».
Paula Tilley acredita que a grande evolução será «conseguir um sistema fiável de doseamento de IgE específicas no soro sanguíneo, possibilitando que a etiologia do foro imunoalergológico possa ser facilmente caracterizada sem o cavalo sair de sua “casa”. Um método de efectuar os testes cutâneos de alergia que seja mais prático e tendo em maior consideração o bem-estar animal, podendo ser feito também em “casa”, seria outra mais-valia na confirmação dos resultados obtidos no doseamento de IgE».
Outro aspecto fundamental será a elaboração de vacinas mais eficientes do que as actualmente disponíveis, com maior capacidade de desensibilização dos indivíduos relativamente aos aeroalergenos aos quais reagem significativamente. A elaboração de uma vacina de desensibilização específica para cada animal, de acordo com o mapa de aeroalergenos identificados, é aliás o que poderá representar um maior custo em termos de tratamento.