Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
A minha área de especialidade é a epidemiologia. Sendo filho de veterinários, conhecia bem a realidade das clínicas e no final do curso quis experimentar uma abordagem diferente. Quando terminei a componente curricular da licenciatura surgiu a oportunidade de estagiar na então UISEE (Unidade de Investigação e Serviços de Epidemiologia Económica) da FMV-UTL. Após o estágio fui convidado a coordenar o SIREA, um sistema de registo de espécies avícolas, desenvolvido no âmbito da gripe das aves. Tinha ajudado a criar este sistema, que entretanto tinha alcançado impacto nacional, mas não sabia o que fazer aos dados colhidos. Felizmente estava rodeado de uma equipa muito competente e que me ajudou a criar os alicerces para poder desenvolver as competências necessárias nesta área.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
Trabalhar no estrangeiro foi algo que sempre fiz, mesmo quando vivi em Portugal. Estive envolvido em projetos de investigação em Moçambique, Angola e Camboja. Atualmente divido o meu tempo entre Inglaterra, Moçambique e, agora com menos frequência, Portugal. A minha atividade principal passou a ser a gestão dos negócios que tenho nos três países.
O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Foi uma decisão pessoal/familiar. Em Portugal, a minha principal atividade estava ligada ao Ensino Superior. No último ano que trabalhei em Portugal passava três dias da semana em Lisboa a lecionar e o restante tempo no estrangeiro (essencialmente no Reino Unido). Por fim atingi o limite de viagens que conseguia fazer e tive de encontrar soluções que se adequassem às minhas necessidades e às competências profissionais. Montei uma clínica veterinária em Moçambique, encontrei um nicho de mercado associado à consultoria estatística e epidemiológica tanto no Reino Unido, como em Portugal (em segmentos diferentes) e iniciei projetos que tinha na gaveta.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?
O dia de trabalho depende do país em que estou, da empresa ou negócio que estou a gerir ou a tratar. Em Moçambique há um problema de gestão dos recursos humanos. É necessário repensar toda a cultura de trabalho e adequar à visão local e ao mercado. No Reino Unido, quando integro um projeto de consultoria, percebo que venho formatado de uma cultura onde fazemos muitas coisas que extravasam as competências para as quais fomos contratados. Em Portugal somos uma espécie de canivete suíço, com múltiplas ferramentas, e com a tendência para fazer múltiplas tarefas – o que não significa qualidade ou produtividade. No Reino Unido, sair tarde do escritório ou enviar um email de noite é interpretado como uma ineficaz gestão de tempo ou pior, que não estarmos a conseguir fazer determinada tarefa dentro do limite temporal definido. Resumindo: Em Moçambique o problema está em criar competências nos colaboradores, no Reino Unido está em concentrar ou focar competências. Isto transparece nas metodologias de trabalho e, claro, nos resultados.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Vou responder à questão ao contrário: Viver em Portugal é fantástico e um privilégio para quem tem um trabalho e é dignamente recompensado pelo mesmo. Genericamente, os nossos emigrantes deixam Portugal por não terem trabalho ou por serem mal recompensados pelo mesmo. Poucos saem porque procuram a especialização profissional – o que já foi o principal motivo de sair de Portugal ainda na minha geração. Os emigrantes portugueses que vou conhecendo estão, regra-geral, mais felizes com o aspeto profissional e muitos falam em não voltar tão cedo. Pessoalmente, a escolha de viver fora foi familiar, e não profissional, e talvez por isso Portugal faça sempre parte dos meus planos. Não nego, porém, que tenho uma excelente qualidade de vida e a família imediata por perto, o que tornou a adaptação fácil.
Do que mais tem saudades de Portugal?
Do café, do Guincho, dos amigos e família.
Quais os seus planos para o futuro?
Num futuro imediato pretendo estabilizar os negócios que montei, abrir outros, explorar alguns projetos que tenho em gaveta e investir mais na minha formação, concluindo o Ph.D. e o MBA.
Equaciona voltar a Portugal?
Tento ir a Portugal de três em três meses. Espero, no entanto, que os negócios em Portugal deem frutos e que possa passar progressivamente mais tempo. Gostaria, entretanto, de explorar a Austrália ou os E.U.A.
Qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
Iniciei recentemente em Portugal, com alguns colegas, um projeto de comunicação para a sociedade, chamado Guia do Cão. O objetivo é criar um canal de comunicação de conteúdos escritos por veterinários para a sociedade – focalizando na educação dos tutores e na saúde e bem-estar dos animais de companhia. Atualmente estamos mais presentes nos social media, como por exemplo o Facebook, onde já contamos com cerca de 16 mil seguidores. Temos vários colegas a colaborar regularmente, o que me faz crer que é um projeto com pernas para andar. Portanto, este é o projeto que penso desenvolver a curto prazo em Portugal. Tenho também outros, tanto em Portugal, como no estrangeiro, que estão ainda em maturação.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Em tudo que fazemos na vida devemos encontrar o nosso fator de diferenciação. É imperativo fazer duas perguntas: O que é que nos torna diferentes? E como podemos usar isso como uma vantagem competitiva? Saímos da faculdade com mais ou menos as mesmas competências. Porque é que uns conseguem trabalho e outros não?! É uma questão que fazia, aos meus alunos, no primeiro ano da Faculdade. O objetivo da questão era que trabalhassem as competências extracurriculares com tanto empenho como as curriculares/académicas. Depois de ter emprego, o importante é mantê-lo e isso só é alcançável com muito esforço e trabalho.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
A medicina veterinária está a mudar. Isto é apenas expectável num mundo em mudança. Uma visão estratégica, quer na dimensão da gestão da carreira pessoal, quer na gestão de uma empresa é fundamental. É necessário estarmos atentos ao mercado, à concorrência e às oportunidades que surgem. Em Portugal, os desafios da Classe são grandes, mas as soluções que vou vendo deixam-me com esperanças. Sou um otimista e acredito no espírito empreendedor português.
Qual o seu sonho?
Um professor, no último ano da Faculdade, disse numa aula de fim-de-curso: “Quando acabamos o Curso temos a ideia que vamos mudar o mundo. Depois crescemos e isso passa-nos”. Foi nesse exato momento que fiz um compromisso comigo próprio, que nunca perderia essa vontade. Julgo que o meu sonho é continuar a sonhar, a criar e a desenvolver coisas novas, mudando um bocadinho do mundo à minha volta. Sonho, além das concretizações profissionais, poder continuar os projetos de intervenção e apoio social, como os que iniciei com a prevenção da Raiva junto das comunidades.