Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
Desde o início da faculdade que tinha mais ou menos a minha ideia de profissão definida. Clínica de Animais de Companhia satisfazia a minha curiosidade médico-científica e grande interesse por cirurgia, nomeadamente ortopédica. Com o decorrer do curso parecia que as vagas de emprego eram cada vez mais escassas, independentemente da área, e ainda que Clínica de Animais de Companhia fosse de longe a escolha mais popular, pareceu-me que o mercado português e estrangeiro tinha ainda escassez de bons clínicos e portanto decidi focar-me nesta área onde trabalho há quase três anos.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
Houve toda uma cadeia de acontecimentos que levaram ao local onde estou a trabalhar. O meu estágio curricular foi feito nos Croft Veterinary Referrals, em Newcastle. Várias foram as coincidências quando me candidatei e acabei por conseguir um estágio remunerado. Aqui aprofundei os meus conhecimentos e interesse em cirurgia ortopédica com a ajuda da grande quantidade de casos clínicos diários. Desenvolvi o meu projeto de tese de mestrado e ainda durante o estágio foi-me oferecida a oportunidade de fazer parte do corpo clínico.
Após a graduação trabalhei um ano nesta clínica e foi então que me foi oferecido emprego nos Kingston Vets, em Kingston Upon Hull. Às vezes temos que dar um passo atrás para continuar a andar para a frente e percebi que a minha progressão num hospital de referência seria lenta e morosa. Nos Kingston Vets foi onde senti que cresci mais como veterinário e cirurgião, a pronto a enfrentar qualquer desafio.
O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Não vou entrar nos detalhes da remuneração porque são óbvios e talvez uma consequência das longas horas de trabalho e elevada exigência dos clientes e estritas leis que nos regem, mas a principal razão foi a possibilidade de trabalhar ao mais alto standard e poder fazer todas aquelas coisas que pensamos só ver nos livros. Ao mesmo tempo gosto de poder sentir alguma estrutura na profissão e progressão de carreira, que não é palpável em Portugal.
Como é um dia de trabalho normal? O que faz?
Trabalho em média 4 a 5 dias por semana, cerca de 11 horas por dia com “1 hora” de almoço (a clínica não fecha e esta 1 hora podem ser 5 minutos às 16h30). Chego às 8h00 ao hospital e fazemos a ronda dos pacientes internados. Construímos o plano para o restante dia e, dependendo se o meu dever é consultar ou operar nesse dia, as tarefas são distintas. Se estou a operar, em média serão cerca de dez animais por dia, divididos por entre 2 a 3 cirurgiões. Se estiver a consultar então em média terei 30 a 40 consultas diárias. Saímos quando o trabalho estiver terminado, por norma às 19h00, podendo prolongar-se se estivermos de serviço nessa noite.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Há sempre coisas que fazem falta… O sol, família e amigos. Não existem mundos perfeitos. A adaptação foi fácil e consegui-me adaptar bem a todos os dialetos locais. Para ser sincero, o meu inglês só tem tendência a piorar quanto mais tempo trabalho aqui…
Do que mais tem saudades de Portugal?
Da família, sem dúvida.
Quais os seus planos para o futuro?
De momento estou a meio do meu certificado de Advanced Veterinary Practicioner in Small Animal Surgery, que terminará em pouco mais de um ano. A partir daqui está tudo em aberto, talvez uma residência do colégio europeu.
Equaciona voltar a Portugal?
Sem dúvida. Não vejo isto mais que uma fase que poderá ser mais ou menos longa. É com tristeza, no entanto, que vejo a pouca consideração por parte dos clientes e colegas para com outros colegas com graus académicos mais elevados. Em Portugal, o melhor veterinário continua sempre a ser o mais ‘antigo’, o ‘veterinário que já tratava das gatas da minha avó’, e infelizmente dá-se muito pouco crédito a verdadeiros especialistas com ‘E’ grande.
Qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
Continuará a ser na área de pequenos animais, nomeadamente cirurgia. Gostava de poder sair daqui e ter a capacidade de poder escolher onde quero trabalhar, mas sei que é difícil. Não nego que teria interesse de um dia voltar às raízes e quem sabe tomar um papel no ensino.
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Continuem a tentar. Batam a todas as portas. Ninguém vai achar que estão a ser incomodativos e os que o consideram são os que não têm qualquer interesse em empregar-vos. Não se limitem ao pequeno e básico só porque ‘é mesmo ao lado de minha casa’ e façam o que vos dá prazer!
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal?
Preferia não me estender nisto… digamos, precário. Mais pela ideia que o cliente tem do “ser médico veterinário” do que outra qualquer razão. Mas suponho que existam organizações cuja função seja impulsionar a profissão no país.
Qual o seu sonho?
Se não estamos a viver o nosso sonho então estamos a fazer alguma coisa errada.