Uma das primeiras câmaras hiperbáricas veterinárias em Portugal – e a primeira de tratamento – já começou a funcionar no Centro de Reabilitação e Regeneração Animal de Lisboa, em Odivelas, por iniciativa da equipa do Hospital Veterinário da Arrábida, liderado por Ângela Martins. “O nosso sonho e objetivo é que todos os animais possam vir a andar e serem livres”, diz a médica veterinária.
O Centro de Reabilitação e Regeneração Animal de Lisboa (CR2AL), em Odivelas, deverá estar a funcionar em pleno em setembro, mas desde maio que a câmara hiperbárica já está a funcionar, estando a ser realizados tratamentos a animais, principalmente cães que já estavam a ser seguidos pela equipa do Hospital Veterinário da Arrábida (HVA), mas também referenciados por outros médicos veterinários. Aliás, o CR2AL vai funcionar por referenciação e consultas de especialidade.
“Esta é a primeira câmara hiperbárica totalmente direcionada para medicina veterinária em Portugal e a segunda em toda a Europa”, assegura Ângela Martins, afirmando que este equipamento, apesar de se focar no tratamento de cães e gatos, pode ser utilizado noutros animais, até 85 kg.
A câmara hiperbárica pode ter inúmeros benefícios para a saúde, sendo utilizada para a realização de oxigenoterapia hiperbárica, que consiste na inalação de uma alta dose de oxigénio. “Cá fora temos 0 Psis e lá dentro 14 Psis, ou seja, duas atmosferas.”
A médica veterinária, referência nacional na área da reabilitação funcional, explica à VETERINÁRIA ATUAL que “a atmosfera de oxigénio é perigosa, por isso, todas as pessoas que vão trabalhar com a câmara têm de estar certificadas”, uma certificação internacional concedida depois da formação in loco dada por uma técnica da Hyperbaric Veterinary Medicine (HVM), empresa estado-unidense que constrói estas câmaras hiperbáricas. “E podemos ser nós agora também a dar formação na Europa sobre a utilização destas câmaras.”
O CR2AL une-se assim a uma rede em expansão de instalações veterinárias e universidades nos Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia e Canadá que estão equipadas com câmaras HVM. Atualmente, existem apenas dois destes equipamentos de terapêutica hiperbárica em toda a Europa, estando o outro instalado no Reino Unido, no Fitzpatrick Referrals, centro reconhecido pela ligação ao programa televisivo do médico veterinário Noel Fitzpatrick, apelidado de veterinário ‘biónico’.
O equipamento foi um investimento do Hospital Veterinário da Arrábida, com patrocínio principal da Nestlé, da Vetoquinol e da Virbac.
Grandes benefícios para a saúde dos animais
De acordo com Ângela Martins, a terapêutica hiperbárica traz muitos benefícios para a medicina veterinária inerentes a várias causas possíveis de tratamento primário ou adjuvante. “Com esta câmara, o nosso sonho e objetivo é que todos os animais possam vir a andar e serem livres”, diz a médica veterinária. “Por isso, temos este painel, onde os animais podem ‘sentir’ a natureza e sentirem-se, de novo, livres.”
Nesse sentido, além da câmara hiperbárica, o CR2AL, cuja diretora clínica será Ana Cardoso (também da equipa do HVA), terá igualmente uma área de reabilitação e treino locomotor em piso de terra, passadeira normal e aquática, bem como laser, eletroestimulação e um serviço inovador de “tratamento com células estaminais, que vai incluir um laboratório de medicina regenerativa para aplicação de células estaminais e plasma rico em plaquetas – em parceria com o ICBAS [Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto] e Ana Colette Maurício –, e um bloco cirúrgico”, refere Ângela Martins.
A câmara hiperbárica permite a difusão de oxigénio a tecidos com falta de irrigação sanguínea, como em caso de sépsis, queimaduras, traumatismo cerebral ou do sistema nervoso central. Permite também a recuperação de animais que sofreram lesões graves, como hérnias discais e que na sequência da lesão ficam paraplégicos, exemplo de vários casos que a nossa reportagem acompanhou.
A médica veterinária adianta que a utilidade da câmara hiperbárica “é demonstrada na cicatrização em feridas extensas/infetadas/necrosadas, sendo prescrita no pós-cirúrgico de medicina reconstrutiva (flaps/grafts), queimaduras profundas, abcessos, entre outros”.
A terapêutica hiperbárica de animais tem ainda um papel fundamental em quadros de anemia não regenerativa, ou seja, insuficiência renal crónica em cães e gatos, assim como na medicina de urgências em quadros de abdómen agudo, especificamente em caso de pancreatites no cão e gato.
Antes de decidir se o animal tem indicação para o tratamento na câmara hiperbárica, terá de se realizar uma consulta de medicina e vários exames para avaliar o estado de saúde geral, como análises, avaliação da pressão arterial, eletrocardiograma e ecografia abdominal.
Melhorias visíveis
A reportagem da VETERINÁRIA ATUAL acompanhou o tratamento de vários cães, sendo 16 os primeiros agendados para beneficiar deste equipamento em Portugal e havendo já uma lista de espera. O Madiba foi um deles, um cão com seis anos e mielopatia degenerativa. “Os animais deixam de ter capacidade de se levantarem e andarem”, explica Ângela Martins, acrescentando que “o objetivo é parar a necrose, neste caso em conjunto com reabilitação intensiva e colocação de células estaminais, que está a fazer já há 620 dias, tendo reagido muito bem ao primeiro tratamento na câmara hiperbárica há uma semana”. Cada tratamento de células e câmara (com várias sessões) fica entre os 350€ e os 450€.
A médica veterinária adianta que “a câmara ajuda a reduzir os fatores inflamatórios que não permitem a despolarização a nível dos oligodendrócitos”. E explica: “Vai permitir que haja a despolarização e continuidade da informação para os membros.” O tratamento terá de ser complementado com reabilitação e, por vezes, com células estaminais.
Outro cão que acompanhámos foi o Cookie, um cocker com quatro anos, que teve uma hérnia de extrusão de disco que explodiu, tendo sido sujeito a uma hemilaminectomia. “Perdeu a sensibilidade à dor profunda na zona pélvica, fez reabilitação e ganhou locomoção fictícia/funcional. Veio para fazer dois tratamentos na câmara e vermos a evolução.”
O Gaspar, de 16 anos, também estava na fila para o tratamento na câmara hiperbárica no dia em que estivemos no CR2AL. “[Teve várias hérnias] associadas a uma discospondilite, foi operado, tendo sido submetido a uma corpectomia, e tem estado em reabilitação no Centro de Reabilitação Animal da Arrábida/Hospital Veterinário da Arrábida, estando agora recomendado para cinco tratamentos na câmara hiperbárica, para ver se conseguimos que recupere, nomeadamente a função urinária.”
Além dos cães e gatos, a médica refere que “as aves também reagem muito bem à câmara”. Ângela Martins assegura que “os animais ficam calmos e alguns até adormecem. Até agora, não precisámos de sedação”, salientando que “a duração de cada tratamento e o número de tratamento depende muito da doença e de como vai reagindo cada animal”.
A última paciente, pelo menos do nosso dia, foi a Bifana, uma cadela de seis anos que foi atacada por javalis na Arrábida, e que foi tratada na câmara hiperbárica para ajudar a debelar as infeções.