A dermatologia veterinária é uma área conhecida desde cerca do ano 200 a.C.. Embora não seja uma especialidade reconhecida em Portugal, esta é uma área em franco desenvolvimento, havendo mesmo médicos veterinários dedicados apenas a este tipo de tratamentos. Além disso, no caso dos animais de companhia, este é um dos motivos mais comuns da visita aos consultórios.
Assim, desde uma simples queda de pêlo ou seborreia, passando por problemas causadores de comichão (prurido) e de peladas até tumores cutâneos, são muitos e variados os problemas dermatológicos que levam os animais ao médico veterinário. Deve ainda ser tido em conta o facto de a saúde da pele muitas vezes reflectir patologias internas, como é o caso de problemas endócrinos e leishmaniose, igualmente frequentes entre os pequenos animais.
Principal motivo de consulta
Problemas de origem alérgica, nomeadamente «a alergia à picada de pulga, a dermatite atópica, ou as reacções adversas aos alimentos, mas também a perda de pêlo, geral ou parcial, muitas vezes associadas a factores sazonais (relacionados com o fotoperíodo) ou endócrinos (hipotiroidismo, desequilíbrios das hormonas sexuais)» estão no topo das queixas, conta Pedro Salvador Marques que assume um particular interesse por esta área da Medicina Veterinária no seu blogue Vet4Skin. O clínico aponta ainda os problemas das otites externas, os tumores cutâneos, as sarnas demodécica, e sarcóptioca, a malasseziose e as dermatofitoses como sendo outras patologias frequentes entre os animais de companhia.
Contudo, como conta o médico veterinário Ricardo Vintém, estes problemas chegam, na maioria das vezes, «"mascarados" por outras patologias secundárias como as piodermites ou otites externas».
Já Nélia Carvalho, directora clínica da Clínica Veterinária Quinta do Anjo, em Palmela, aponta os problemas dermatológicos associados a leishmaniose e alergia a pulgas, como os casos mais frequentes no seu consultório. Também a alimentação deficiente, nomeadamente «rações de má qualidade», se assume como um dos factores que leva ao aparecimento deste tipo de problemas, além de que o pêlo mal cuidado «pode indiciar distúrbios nutricionais que mais tarde produzirão verdadeiros problemas de saúde», afirma a médica veterinária.
Por seu turno, Mário Magalhães, da Clínica Veterinária Santa Marta, em Corroios, diz que as dermatites alérgicas, sarnas e tinhas estão no topo das queixas. Como considera que «o aparecimento é multifactorial», as causas para o aparecimento deste tipo de problemas podem ir «desde o estado de saúde do próprio animal a contacto com zonas ou animais infestantes».
No Algarve, no Hospital Animal do Sul, Jorge Serpa Santos conta que a situação clínica do foro dermatológico mais frequente é, «sem qualquer dúvida, a dermatite alérgica à picada da pulga». Além de provocar um prurido intenso, a patologia pode provocar problemas de saúde mais graves «devidos a infecções bacterianas secundárias», explica. Também são comuns «casos de dermatites alérgicas por contacto do animal com alergenos ambientais do meio exterior ou dos existentes no interior das habitações, bem como provocadas por alergenos alimentares», revela Jorge Serpa Santos.
Dificuldade no diagnóstico
Como se trata de um problema visível, os donos dos animais apressam-se muitas vezes na visita ao médico veterinário. Contudo, nem sempre assim é e, associado ao facto de os sintomas poderem ser indício de algo mais grave e ainda de «haver um mimetismo muito grande entre as lesões e de, em termos dermatopatológicos, existirem poucos padrões de reacção», como conta Pedro Salvador Marques, há que ter em conta que estes casos necessitam «ao mesmo tempo de uma boa conduta do diagnóstico diferencial e um conhecimento das terapias adequadas a serem aplicadas», explica Sara Peneda, responsável pelo serviço de Dermatologia do Hospital Veterinário do Porto. «Se por um lado as lesões são facilmente acessíveis ao exame clínico, a sua falta de especificidade torna por vezes o diagnóstico complicado. Face a essas dificuldades, um exame clínico bem conduzido e exames complementares adequados são a chave de um diagnóstico etiológico e também de um tratamento eficaz», revela a médica veterinária.
Sara Peneda diz que, no que se refere aos meios de diagnóstico, «a dermatologia é uma área na qual não há necessidade de grandes investimentos financeiros para se adquirir um equipamento básico», o que poderá explicar as dificuldades sentidas por Hélder Rodrigues, da clínica Tutti Natura, no tratamento de um caso de Lúpus cutâneo, num pastor alemão. A confirmação do diagnóstico foi o grande entrave, uma vez que o exame teve de ser realizado num laboratório espanhol e o resultado levou duas semanas a chegar. «Em Portugal, apenas para a Medicina Humana faziam o teste laboratorial necessário para o diagnóstico desta doença», conta o clínico.
Tratamento dispendioso
Actualmente, dadas as constantes inovações na área da Medicina Veterinária, o clínico tem de estar constantemente atento ao lançamento de novas técnicas e soluções terapêuticas. Porém, apesar de caber ao médico veterinário a decisão da terapêutica adequada, de acordo com numerosos critérios, como o meio ambiente, animais envolvidos e proprietários, e de o tratamento deste tipo de problemas ser eficaz, «desde que conhecida objectivamente a causa da patologia», conforme ressalva Mário Magalhães, há ainda outros entraves com que o clínico se depara.
Dado serem problemas crónicos, insidiosos, que requerem um tratamento longo e dispendioso, no entender de Ricardo Vintém, que dirige a Clínica Primavet, a situação requer «uma boa compreensão e atitude por parte do proprietário». O médico veterinário revela que é comum haver resistência nesse ponto, «pois muitos donos focam-se no problema secundário (a otite e piodermite) e só quando começam a recidivar ou a tornar-se muito frequentes é que dão abertura para investigar a causa primária».
Já a experiência clínica de Mário Magalhães diz que os donos costumam estar motivados para o diagnóstico e tratamento, «pois são problemas que “saltam a vista” e interferem com a estética do animal». Contudo, a já referida semelhança dos sintomas dérmicos leva a dificuldades do diagnóstico, «associado por vezes também a realização de exames complementares dispendiosos».
No fundo, tal como em outras áreas da Medicina Veterinária, «as limitações de ordem financeira, na optimização do procedimento técnico, são um grande obstáculo, no sucesso terapêutico, ou na gestão das expectativas do proprietário, por parte do clínico responsável», nas palavras de Pedro Salvador Marques.
Contudo, Jorge Serpa Santos recorda a importância de alertar os proprietários para a existência, «como para os humanos, de seguros de saúde para animais de companhia que comparticipam neste tipo de despesas».
Resistência dos donos
Apesar de os proprietários de animais de companhia se apresentarem «preocupados com o incómodo do seu companheiro e sempre com a expectativa de uma resolução rápida e completa da patologia», nas palavras do director clínico do Hospital Animal do Sul, a resolução do problema dérmico «é sempre demorada e obriga a algumas visitas ao médico veterinário e ao cumprimento estrito das indicações e medicação prescritas».
Porém, de acordo com Ricardo Vintém, nos casos de dermatite de origem alimentar, muitas vezes o problema é resultante do comportamento do dono do animal, pois, como conta, «embora as pessoas adquiram as rações hipoalergénicias por nós recomendadas, acabam por dar sempre algo adicional, um biscoito, uma fatia de fiambre, etc.».
Cabe então ao médico veterinário “educar” o dono para uma melhor saúde do seu animal de companhia, alertando para a «necessidade de manter o animal protegido de parasitas externos durante todo o ano e motivar a escovagem frequente», considera Nélia Carvalho. Mário Magalhães acrescenta ainda «um adequado programa de saúde», salientando mais uma vez a necessidade de «uma nutrição adequada», e Sara Peneda fala na elucidação que deve ser dada logo na primeira consulta sobre os cuidados a ter de acordo com a espécie e raça do animal. Isto porque, segundo a responsável pelo departamento de Dermatologia do Hospital Veterinário do Porto, «está demonstrado que uma das principais causas de fracasso no tratamento é a sua aplicação incorrecta por parte dos proprietários, por negligência ou, com mais frequência, por desconhecimento». Sara Peneda faz questão ainda de frisar que «uma boa comunicação com o proprietário pode, na maioria dos casos, ser a chave para o sucesso terapêutico».
Casos extremos
Dada a visibilidade e a complexidade deste tipo de problema, todos os entrevistados recordam um ou outro animal que lhes passou pelo consultório.
Ricardo Vintém recorda Tareco, «um gato que tinha alopecias a nível da cabeça e pescoço, sem sinais significativos de dermatite, mas que pela análise microscópica do pêlo se concluiu ser de origem traumática». O problema resolveu-se com a mudança na dieta alimentar, que passou para uma ração hipoalergénica, «conseguindo-se assim que a alimentação fosse restrita a uma dieta hidrolisada». Porém, após algum tempo o animal teve uma recidiva, porque, como conta, «apesar de toda a adesão à terapêutica inicialmente, os proprietários alteraram a alimentação (segundo eles, "ele já estava bom…")».
Mas o caso teve um final feliz e agora, após se ter reintroduzido a alimentação hipoalergénica, o Tareco «tem-se mantido clinicamente estável».
Pedro Salvador Marques lembra-se de um «caso espantoso de calcinose cutânea, que impressionava pela autêntica placa de gesso que a cadela “rafeira” transportava subcutaneamente no seu lombo, como se tratasse de um fardo de palha». Além disso, fala também de cães já com «a “sentença de morte” traçada, mas que, apesar de apresentarem quadros clínicos impressionantes, com perda de pêlo, feridas nos bordos das orelhas e perda de peso, foi possível “tratar”, obrigando a redigir novamente essa crónica de uma morte anunciada».
Também Nélia Carvalho conta que são frequentes os animais que chegam à clínica «num estado deplorável, cheios de feridas e escaras», em que a principal dificuldade «é diferenciar o que são lesões iniciais e o que é já só infecção e automutilação». Segundo o depoimento da médica veterinária, «nestas fases, os donos vêm a pedir a eutanásia porque, apesar de manterem o animal no quintal este tempo todo, agora estão receosos que "a doença de pegue"!». E deixa o desabafo: «É frustrante fazer a consulta tentando fazê-los gastar tempo e dinheiro com um animal de quem já desistiram».
Reconhecimento da especialidade
A questão das especialidades não é nova e são muitos os médicos veterinários que reclamam o reconhecimento de algumas áreas da Medicina Veterinária, sendo a Dermatologia uma delas.
Porém, como afirma Ricardo Vintém, «enquanto não houver um sistema de credenciação adequado, com um Colégio de especialidade, com residências e exame de especialidade, não podemos falar em especialistas em Portugal».
O médico veterinário explica que, actualmente, «especialistas são apenas os colegas diplomados pelo European College of Veterinary Dermatology ou o equivalente norte-americano ACVD, seguindo todas essas credenciações e exames estipulados por essas instituições».
Embora haja médicos veterinários em Portugal com mais experiência e conhecimentos em determinadas áreas, não se pode falar em especialistas, pois, na opinião de Ricardo Vintém, «é incorrecto falar de especialistas apenas pela sua experiência, sem qualquer credenciação. Para ser realmente especialista tem de possuir de facto esse diploma do(s) colégio(s)».
Partilhando da opinião de que não existem verdadeiros especialistas em Portugal, os restantes entrevistados entendem que há colegas mais aptos nesta área, seja pela frequência de colégios de especialidade no estrangeiro, por serem membros dos grupos de interesse especial ou por se dedicarem apenas à resolução destas patologias.
No fundo, Nélia Carvalho considera que são estes os «nossos "especialistas" e sempre que a triagem inicial de um caso dermatológico não produz o efeito desejado, não hesito em contactá-los, buscando novas ideias ou tentando marcar uma consulta para uma segunda opinião».
Segundo a médica veterinária, «numa altura em que a medicina dos pequenos animais evoluiu tanto, não posso considerar que uma só pessoa seja completa em todas as áreas». Assim, entende que, «em cada clínica, há que reconhecer as mais-valias e as deficiências e tentar manter a colaboração com colegas que preencham essas lacunas».
Já Mário Magalhães afirma que «a especialização é essencial. Quer porque estará associada a uma maior competência técnica, quer porque promoverá uma medicina de qualidade».
E Ricardo Vintém não perde a esperança de ter em Portugal «residências acreditadas pelo colégio europeu, passando assim a admitir-se a criação de especialidades e, por conseguinte, de Médicos Veterinários Especialistas». Esta situação poderá «permitir também abrir o leque de oportunidades para o Médico Veterinário», segundo Mário Magalhães.
Porém, enquanto não há o reconhecimento da especialidade, Hélder Rodrigues reclama que «em todas as salas de recepção dos centros de atendimento veterinário deveriam estar acessíveis as referências académicas de cada profissional, de forma a diminuir os exageros que se cometem quando se fala em “especialistas”».
Queda de pêlo
Fenómeno fisiológico inevitável, a queda de pêlo é uma queixa comum dos proprietários de animais de companhia. Existem numerosos factores que influenciam o controlo do ciclo de crescimento do pêlo do animal, nomeadamente os factores ambientais e hormonais, mas a queda deste é «sazonal, com uma muda muito exuberante na Primavera e uma mais discreta no Outono». Contudo, como revela Nélia Carvalho, muito cães e gatos passam o ano todo a perder pêlo, «porque arrastam o período de queda até juntar as mudas».
Isto pode acontecer porque os cães e os gatos expostos à luz natural estão sujeitos ao ciclo natural de muda, mas «os animais que passam a maior parte do tempo dentro de casa, em interior, estão consequentemente, expostos a uma temperatura e luz praticamente constantes, perdendo os seus pêlos de modo constante ao longo do ano», elucida Sara Peneda.
Outra explicação para este problema pode ser a alimentação inadequada ou a utilização de rações de pouca qualidade, segundo Jorge Serpa Santos.
Ricardo Vintém considera que a queda de pêlo normalmente se enquadra numa de três situações: «animal perfeitamente normal, com boa alimentação, e expectativas irreais dos proprietários; animal normal com alimentação deficiente; dermatopatias específicas (por exemplo dermatofitose)».
O médico veterinário explica ainda que a primeira situação «é uma causa muito comum de queixa». Isto porque, muitos proprietários não compreendem que o pêlo tem um ciclo de crescimento e «é suposto cair», uma vez que «cada pêlo, em cada folículo, tem um ciclo e tempo de "vida" limitado».
Segundo o director clínico da Primavet, «é inevitável encontrar pêlos no chão», há é que ter em consideração a quantidade e aqui a dieta alimentar assume um papel extremamente importante, já que «vai interferir muito nesse ciclo, e uma má alimentação pode de facto levar a uma queda irregular do pêlo». Daí que, normalmente adopte como primeiro passo, «em casos de animais com uma pelagem saudável, mas cujos donos se queixam da queda de pêlo» a mudança da alimentação.
Nélia Carvalho diz que a melhor forma de estimular a mudança da pelagem na altura certa passa pelo «aumento da frequência dos banhos e da escovagem, assim como uma dieta rica em ácidos gordos omega-3 e omega-6». E quando os donos não estão dispostos a trocar a alimentação do animal, a médica veterinária prescreve estes ácidos gordos na forma de cápsulas ou líquido.
Contudo, o maior problema para tratar e prevenir o agravamento deste tipo de patologias continua a ser a falta de disponibilidade de alguns donos para dar banhos e secar o animal com a frequência ideal, bem como a falta de capacidade monetária para manterem uma alimentação específica durante longos períodos de tempo e para visitarem a clínica com frequência para os animais serem vigiados.