Inês Lopes Rei
Médica veterinária em internato rotativo no Willows Veterinary Centre and Referral Service, Inglaterra
Qual é a sua área de especialidade e porque é que escolheu essa área?
Desde pequena que queria ser médica veterinária e foi a tratar de pequenos animais que sempre me imaginei. Após terminar o curso decidi trabalhar na área medicina e cirurgia de pequenos animais.
Como é que surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
Vim para o estrangeiro por escolha própria: sempre tive esta opção em aberto com o objetivo de melhorar o meu conhecimento. Neste momento, trabalho no hospital de referência Willows Veterinary Centre and Referral Service, em Inglaterra, e estou a fazer um internato rotativo.
O que é que a fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Este é um tema que me deixa bastante triste. Eu decidi ir trabalhar para fora de Portugal porque tenho perspetivas de crescimento profissional, de condições de trabalho e de respeito do público geral pela profissão que, atualmente, excedem o possível em Portugal. No entanto, o mais importante foi mesmo a vontade de aumentar o meu conhecimento, daí estar a fazer um internato rotativo. Quis também ver como a medicina veterinária funciona no estrangeiro na esperança de perceber se seria possível/benéfico implementar em Portugal algumas mudanças.
Como é que é um dia de trabalho normal para si? O que faz?
Estando a fazer um internato rotativo, um dia normal varia muito de rotação para rotação. Faço rotações pela grande maioria das áreas de medicina e cirurgia de animais de companhia. Quando me encontro nestas rotações, começo o dia às 8 h a examinar os pacientes hospitalizados e a discutir os seus planos de investigação e tratamento com os especialistas. Depois disso, o dia geralmente segue com consultas durante a manhã e eventuais exames complementares ou cirurgias durante a tarde. As rotações de anestesia e imagiologia são intrinsecamente diferentes das restantes rotações clínicas, uma vez que não têm uma estrutura fixa, dependem das cirurgias e exames complementares que sejam necessários em cada dia.
Quando estou a fazer rotação de emergência e cuidados intensivos ou a assegurar o serviço de emergência noturno, os turnos são longos e sou responsável pelos animais hospitalizados no serviço de cuidados intensivos e pelas emergências que aparecem durante o dia ou noite, respetivamente.
Todas as semanas tenho pelo menos um journal club para discutir temas médico-cirúrgicos ou estudos recentes e, geralmente, os internos juntam-se também para fazer apresentação e discussão de fármacos todos os meses.
Como é que foi a adaptação a um trabalho fora de Portugal?
Os primeiros anos da carreira podem ser aterrorizantes, principalmente saindo do nosso País. Tive muita sorte na clínica onde tive a oportunidade de começar a minha carreira, Clent Hills Vets, perto de Birmingham. O meu primeiro emprego foi como médica de primeira opinião e tornou-se numa experiência muito boa, porque tive uma equipa que estava muito habituada a receber veterinários recém-graduados. Em termos de adaptação aos clientes, penso ser muito fácil: em Inglaterra os seguros de saúde animal permitem que os clientes sejam mais cooperantes e que permitam maior investigação e tratamento – tornando o nosso trabalho como veterinários incrivelmente mais fácil. Existem ainda outros pontos muito positivos aqui em Inglaterra, como haver uma obrigatoriedade, imposta pelo Royal College of Veterinary Surgeons, de um mínimo de horas de formação por ano. Deste modo, torna-se raro encontrar um empregador que não financie esta formação obrigatória aos seus veterinários.
Equaciona regressar a Portugal?
Sem dúvida, esse continua a ser o meu objetivo.
Se sim, qual o trabalho/projeto gostaria de desenvolver?
Não tenho ainda certeza de que caminho vou escolher. Há muitas áreas dentro da medicina veterinária e, por vezes, nós esquecemo-nos disso.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
Confesso que tenho uma forte opinião sobre as condições que são atualmente consideradas normais para um médico veterinário em Portugal. Acredito que a minha opinião é também espelhada pelos resultados do mais recente VetSurvey, que contou com uma forte participação dos portugueses e que permitiu perceber que há uma geral insatisfação da nossa classe.
Somos profissionais que estudaram durante seis anos e continuamos a estudar todos os dias, temos um balanço de vida social/profissional extremamente difícil para conseguir assegurar serviços de emergência aos animais durante noites, fins de semana e feriados, e o nosso dia só acaba quando o último animal for devidamente cuidado. Penso que, muitas vezes, isso não é devidamente apreciado nem recompensado. Há também uma falta de sensibilização do público geral para o papel do médico veterinário e da seriedade da nossa profissão – essa sensibilização cabe diariamente a nós, como profissionais, e também à Ordem dos Médicos Veterinários, como representante da nossa profissão em Portugal.
Quais são os principais desafios que enfrenta na sua prática clínica diária?
O mais básico de todos é o equilíbrio entre o tempo profissional e o tempo pessoal. Muito frequentemente trabalhamos durante os fins de semana, vimos para casa estudar casos complicados ou acabamos por fazer horas extra no trabalho devido a emergências. Tudo isso torna a nossa gestão de tempo bastante difícil.
Outro desafio importante é fazer a separação emocional em situações menos boas. Acredito que a maioria dos médicos veterinários são, por natureza, pessoas com altos níveis de compaixão e preocupação pelos outros. Isso faz de nós pessoas mais suscetíveis ao stresse dessas ocasiões, em que os nossos esforços não são suficientes para salvar os nossos pacientes e, por conseguinte, ajudar o nosso cliente.
*Entrevista publicada originalmente na VETERINÁRIA ATUAL de dezembro de 2019.