Jorge Leite criou a Bonematrix e, mais recentemente, o Centro de Cirurgia Veterinária Avançada (CCVA) onde pode proporcionar uma prática clínica e cirúrgica com altos padrões de segurança e de qualidade. A atividade do CCVA começou um pouco antes da pandemia e funciona sobretudo por referenciação por parte de colegas.
Foi no ano de 2012 que tomou a decisão de iniciar um negócio próprio e de se desvincular da sua entidade patronal. Sem ser algo premeditado, lançou o projeto Bonematrix, no Porto, pela necessidade que Jorge Leite sentia e que define como “liberdade absoluta na decisão de técnicas e implantes”. Foi assim que conseguiu priorizar “a excelência cirúrgica acima dos interesses financeiros ou margens de lucro, algo muito difícil quando se trabalha por conta de outrem”, refere o fundador e diretor da Bonematrix. Durante alguns anos, o médico veterinário prestou serviço de ambulatório na área de ortopedia e traumatologia. Só mais tarde é que avançou com instalações físicas.
Dado o primeiro passo, seguiu-se o natural crescimento enquanto cirurgião veterinário e uma evolução rápida, mas sustentada. “O aumento crescente na complexidade dos procedimentos e da exigência na sua execução tornou a modalidade de cirurgia ambulatória cada vez mais desconfortável. É muito difícil controlar todos os fatores críticos numa cirurgia quando estamos a operar fora do nosso ambiente”, explica. Criar o seu próprio centro de cirurgia tornou-se “um passo lógico e inevitável”.
No começo de 2019, a microempresa avançou para a criação do Centro de Cirurgia Veterinária Avançada (CCVA), dedicado em exclusivo ao diagnóstico e tratamento de fraturas, patologias ortopédicas, artroscopia e cirurgia de coluna. “O sonho viveu dentro de mim durante cerca de seis anos”, confessa. O trabalho propriamente dito começou mesmo antes do início de 2020, em vésperas da pandemia.
O espaço distribui-se por dois pisos – de 150 m2 cada um – e inclui um consultório, uma sala de raio-X, escritório, recobro, sala de preparação de pacientes e dois blocos de cirurgia (a atividade é desenvolvida no piso 0). “O desenho do espaço permite-nos uma separação clara entre zonas limpas e sujas. A manutenção do centro isento de infeções é uma preocupação fulcral e bem vincada na arquitetura e na dinâmica da equipa”, explica Jorge Leite.
“Confesso que, após mais de 10 anos a operar em regime de ambulatório, sinto-me um privilegiado por fazê-lo todos os dias num centro cirúrgico com condições de excelência, muito difíceis de replicar e equiparadas a alguns dos melhores centros de referência cirúrgica na Europa” – Jorge Leite
 
No que respeita a equipamentos, o CCVA dispõe de radiologia digital direta, um RX portátil direto e dois blocos completamente apetrechados com torres de anestesia e monitores de última geração, mesas cirúrgicas radio-transparentes, luzes de cirurgia, equipamento de astroscopia e “um stock interminável de implantes das mais reconhecidas marcas internacionais”. “Isto permite-nos uma resposta rápida e de elevada qualidade a quase todos os desafios que nos chegam. Confesso que, após mais de 10 anos a operar em regime de ambulatório, sinto-me um privilegiado por fazê-lo todos os dias num centro cirúrgico com condições de excelência, muito difíceis de replicar e equiparadas a alguns dos melhores centros de referência cirúrgica na Europa”, afiança o fundador do Centro.
No piso -1, além das zonas de pessoal e sala de formação, está localizado o laboratório 3D, um espaço onde são desenhados implantes e onde são planeados os procedimentos em ambiente virtual. É aqui que se sonham técnicas e encontram soluções. “Temos instalado um computador, uma impressora 3D de tecnologia SLA e diversos materiais de autêntica bricolage. É realmente um espaço de criatividade, experimentação e preparação”, salienta Jorge Leite. Neste espaço, a equipa – composta por seis elementos – tem a oportunidade de imprimir os ossos dos pacientes e instrumentos especialmente desenhados para cada procedimento, além da possibilidade de treinar e testar em plástico as técnicas cirúrgicas, antes da sua aplicação real.
Casos surgem por referenciação
A maioria do trabalho surge via referenciação de outros CAMVs. “Atualmente, chegam-nos referências de todo o País, do Algarve a Trás-os-Montes, das ilhas dos Açores e da Madeira e, menos frequentemente, de Espanha e França”, explica o médico veterinário. Grande parte do trabalho é composta por casos de ortopedia, sendo que a traumatologia é uma área que tem ficado mais sob a responsabilidade da Bonematrix Freelance. “Os casos mais comuns que nos chegam ao CCVA são a rutura de ligamento cruzado, as luxações de rótula, as deformidades angulares, as artroscopias de ombro e cotovelo e as cirurgias de coluna.” Com uma frequência crescente, têm chegado pacientes para colocação de exo-endopróteses ou outros procedimentos cirúrgicos de salvamento do membro. “Quando nos chegam fraturas, já não são bonitas de se ver”, partilha.
As consultas principais no CCVA são a consulta de ortopedia e de neurologia, bem como, os despistes precoces de displasia de anca e do cotovelo (dos cinco aos seis meses). “Dentro da cirurgia ortopédica estamos virtualmente preparados para praticamente qualquer desafio, pese embora a nossa experiência não seja igual em todos os campos da cirurgia. Julgo que as áreas onde somos realmente bons e onde apresentamos soluções e resultados diferenciadores são o tratamento de rutura de ligamento cruzado cranial, de luxação de rótula, de deformidades angulares complexas, a aplicação de procedimentos cirúrgicos de salvamento de membros ou articulações, bem como, a artroscopia”, explica Jorge Leite. Além da hemi-prótese de joelho, do limp-sparing ou exo-endopróteses, o CCVA iniciou este ano, a colocação de próteses totais da anca.
“Atualmente, chegam-nos casos referenciados de todo o País, do Algarve a Trás-os-Montes, das ilhas dos Açores e da Madeira e, menos frequentemente, de Espanha e França” , explica o médico veterinário Jorge Leite
A ideia de Jorge Leite passou sempre por ter um espaço muito bem preparado para o diagnóstico e tratamento de condições ortopédicas complexas, trabalhando em proximidade com os colegas que referenciam casos. “Procuramos que os nossos colegas nos confiem os seus pacientes para uma referenciação responsável e respeitadora. Queremos que nos vejam como uma extensão das suas próprias estruturas e equipas e sabemos que conseguimos fornecer a resposta de qualidade superior que o tutor exigente busca para o seu animal.”
Neste caminho, o centro procura garantir a qualidade de cirurgia e de trabalho acima dos próprios interesses empresariais. “Por esse motivo, não operamos mais de três animais por dia e mantemos a missão de exercer cirurgia veterinária com paixão, com o máximo empenho, preparação e a minúcia necessária para fazer de cada cirurgia uma obra de arte singular. Aumentar o volume de cirurgias irá naturalmente baixar a qualidade de serviço, pelo que não está nos nossos planos. A nossa visão não é criar uma ‘uma rentável fábrica’ de cirurgias”, afirma, sem rodeios.
Um projeto pensado ao detalhe
Por forma a assegurar a qualidade de tratamento que pretendia, Jorge Leite e a sua equipa assumiram muitos cuidados, destacando a assepsia e a segurança anestésica. A assepsia é primeiramente garantida com um apertado critério de admissão de pacientes. “Os tutores são convidados a proteger o calçado à entrada do espaço. Não atendemos urgências ou pacientes traumatizados que não sejam previamente estabilizados e posteriormente referidos pelos colegas”, explica. Igualmente, o CCVA não atende pacientes doentes, com infeções de pele, ouvidos, dentes ou de qualquer outra ordem. Não realizamos cirurgias do trato gastrointestinal, piometras ou destartarizações.”
Os pacientes não são internados, pelo que, fezes, urina ou diarreia não existem neste espaço. O cumprimento escrupuloso de todos os cuidados responde à ambição de manter o centro “isento de bactérias hospitalares multirresistentes, baixando o risco de infeção de forma significativa”. Para além disso, todo o espaço é dividido fisicamente entre zona suja (consultório e sala de espera) e zona limpa (área clínica interdita a clientes). Os espaços são todos diariamente lavados com detergentes profissionais e os blocos de cirurgia permanecem sob luz UV durante a noite.
A segurança anestésica é também um dos pilares da empresa. “Todos os sítios onde podemos manter animais sedados (RX, mesa de preparação e os dois blocos de cirurgia) estão equipados com torre de anestesia e monitor multiparamétrico. Existem ecrãs espelho que replicam os parâmetros do monitor fora do bloco cirúrgico, permitindo controlar a anestesia mesmo haja a necessidade de o anestesista se ausentar por segundos”, refere Jorge Leite. Cada anestesia fica ao cargo de uma anestesista que acompanha em exclusivo o animal intervencionado, não acumulando qualquer outra função e garantindo o foco total no paciente. “As jaulas de recobro são envidraçadas, permitindo controlar visualmente os animais previamente operados a partir do interior das salas de cirurgia”, acrescenta.
Um novo negócio e uma pandemia
“O primeiro mês após o início do confinamento foi um mês assustador. O nosso caseload desceu a pique e temi que a pandemia fosse fatal para o projeto recém-nascido.” Mas, a sorte esteve ao seu lado e fintou as previsões. Realizadas as devidas adaptações de segurança, os clientes voltaram, sendo possível trabalhar sem restrições desde então. “Na realidade, como recebemos um número reduzido de clientes por dia e funcionamos por marcação, conseguimos gerir os espaços, evitar aglomerações e situações de potencial risco”, refere Jorge Leite. Até à data, tem sido possível estar a trabalhar e ninguém na equipa foi infetado com covid-19.
“Reconheço que sou bem melhor cirurgião do que empresário. Ser empresário requer talentos e skills próprios que nem todos os veterinários têm”, defende Jorge Leite
O CCVA está aberto de segunda a sexta das 09h00 às 19h00, mediante agendamento, e o serviço Bonematrix Freelance trabalha em modalidade de ambulatório igualmente durante os dias úteis. “Com a abertura do CCVA, alguns procedimentos mais complexos passaram a ser feitos exclusivamente no Centro, sendo que na Bonematrix Freelance resolvem-se essencialmente casos de traumatologia.
Apesar de dirigir uma equipa pequena, Jorge Leite sente-se privilegiado por trabalhar com a mesma. “Recentemente, integrámos a colega Claudia Leitão, uma talentosa jovem veterinária que trabalha diariamente comigo. A nossa equipa de enfermagem conta com a Alexandra Branco e a Raquel Ribeiro, duas enfermeiras anestesistas de um profissionalismo impressionante. Por último, a rececionista Pamela Matos veio ajudar a conseguir uma comunicação mais competente entre os clientes e a nossa equipa”, apresenta.
O desafio de se aventurar num negócio próprio tem sido “enorme”. “Reconheço que sou bem melhor cirurgião do que empresário. Ser empresário requer talentos e skills próprios que nem todos os veterinários têm. Confesso que gerir este projeto não é algo que me agrade nem que eu faça propriamente bem. Por mim, estaria a planear e a executar cirurgias o dia todo”, partilha, desejando que um dia seja possível delegar a área de gestão e dedicar-se apenas à prática clínica.
Apesar da presença nas redes sociais, Jorge Leite confessa que não tem explorado ou profissionalizado estas plataformas. “Mas reconheço que é um veículo de divulgação importante para que colegas e tutores possam saber o tipo de trabalho que conseguimos realizar no nosso País.”
Como mensagem aos colegas da área, Jorge Leite refere que o CCVA irá continuar a inovar e procurar crescer nas técnicas mais avançadas, garantindo que os pacientes em Portugal podem ter acesso às técnicas cirúrgicas e implantes que se executam e utilizam nos melhores centros cirúrgicos da europa. “Estamos obviamente disponíveis para colaborar com qualquer colega que necessite do nosso apoio”, conclui.
*Artigo publicado originalmente na edição n.º 153 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de outubro de 2021.