Pedro Alves, médico veterinário no Hospital Anderson Moores Veterinary Specialists, em Winchester, Reino Unido
Qual a sua área de especialidade e porque escolheu essa área?
Felizmente a medicina veterinária tem muitas disciplinas interessantes. Foi após um/dois anos em clínica geral que me apercebi que a medicina interna era a disciplina que mais me estimulava enquanto médico veterinário. A abordagem metódica para chegar ao diagnóstico aliada a técnicas diagnóstico-terapêuticas minimamente invasivas são particularmente fascinantes.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o estrangeiro? Onde trabalha neste momento?
Foi um desafio. Comecei por tentar encontrar um hospital de referência no Reino Unido com especialistas no qual pudesse completar o meu estágio de final de curso. Felizmente, essa oportunidade surgiu num hospital de referência nos arredores de Newcastle, no qual estagiei por nove meses. Antes de regressar a Lisboa para apresentar a tese, ofereceram-me emprego em clínica geral assim que me graduasse e, assim, começou o meu trajeto profissional no Reino Unido. Neste momento, acabei de completar o primeiro ano (de três) de uma residência em medicina interna no Anderson Moores Veterinary Specialists, um hospital de referência, multidisciplinar, com uma vasta equipa de especialistas que recebe casos de todo o Sul de Inglaterra.
O que o fez tomar a decisão de ir para fora de Portugal?
Um misto de interesse pessoal e profissional. Já tinha interesse em viver uma experiência no estrangeiro desde novo, particularmente no Reino Unido. Do ponto de vista profissional, achei que, na altura em que me preparava para acabar o curso, Portugal ainda não oferecia as oportunidades de carreira que pretendia, particularmente no que toca a especializações.
Quais as diferenças que encontra entre os métodos de trabalho nos dois países? Ou seja, como é um dia de trabalho normal? O que faz?
Como nunca trabalhei em Portugal, confesso que tenho dificuldade em fazer uma comparação entre os dois países. Geralmente o dia começa com o exame clínico dos pacientes internados, seguido de rondas clínicas que são repetidas à tarde. Geralmente, há uma sessão de ensino após as rondas de manhã no mínimo quatro dias por semana que envolve análise de artigos, apresentação e/ou discussão de casos clínicos, ou preparação escrita/oral para os exames do Colégio Europeu de Medicina Interna. O resto do dia envolve um misto de consultas, procedimentos, telefonemas com donos e médicos que referenciaram casos e escrita de relatórios de referência e relatórios de alta médica. São geralmente dias longos e noites longas. Os fins de semana de banco são frequentes.
Como é viver fora de Portugal? Conseguiu adaptar-se bem?
Tem sido um desafio interessante com uma adaptação rápida no geral. A cultura ocidental e a língua inglesa tornam a adaptação mais fácil. O primeiro ano foi particularmente importante para aprendizagem de linguagem técnica. O clima foi (e continua a ser) um desafio e nunca me consegui adaptar bem às horas de luz diárias reduzidas no Inverno, particularmente no Norte de Inglaterra. A comunidade imigrante na profissão é considerável e permite vivências interculturais interessantes que não esperava antes de imigrar. A gastronomia é incomparável, não há nenhuma como a portuguesa.
“No geral, penso que o nível de cuidados tem continuado a progredir positivamente tanto em Portugal como no mundo, fruto de avanços tecnológicos e científicos constantes e facilidade de partilha de ideias e experiências, aliados a um crescente grau de exigência por parte dos tutores”
Como é que está a situação de pandemia de covid-19 neste momento e como é que isso afeta o seu trabalho?
Inglaterra tem um plano bem definido para reabertura do país que o governo quer cumprir. Houve um esforço enorme para levar avante um plano de vacinação ambicioso que tem avançado a uma velocidade estonteante. As novas variantes têm levado a reajustamentos nas regulações e aconselhamentos oficiais, mas, no geral, as rotinas mantêm-se como há um ano atrás. Distanciamento social, uso de máscara de manhã e à noite, movimento de staff em caminhos unidirecionais, desinfeção de mãos e superfícies frequente, e uso de equipamento de proteção pessoal descartável para maneio de animais tornaram-se rotina. Consultas continuam a ser feitas por telefone com os tutores no exterior do hospital.
Com a pandemia, encerramento das fronteiras, recentes requisitos impostos para viajar, e os horários e responsabilidades inerentes a este emprego, não foi possível regressar a Portugal no último ano e meio, o que de certa forma acaba por tornar o trabalho mais desafiante, já que as visitas a Portugal também serviam de escape à rotina laboral.
Do que mais tem saudades de Portugal?
Da família e dos amigos. Da comida portuguesa! Um bom cozido, leitão, ou arroz de polvo, e muitas outras iguarias que tenho na minha lista de “a comer” assim que puder regressar a Portugal. Da minha terra, Amadora, e dos passeios em Lisboa. Não há luz como a de Lisboa. De ir ao futebol, de comer uma bela bifana antes de um jogo do Estrela da Amadora.
Quais os seus planos para o futuro?
Continuar o crescimento pessoal e profissional com vista a concluir o principal objetivo de completar a residência. A medio-longo prazo os planos vão depender das oportunidades que surgirem e dos interesses pessoais a altura.
Equaciona voltar a Portugal?
A resposta a esta pergunta tem variado conforme os anos vão passando. Se no início não era de todo uma hipótese, e há uns anos o regresso enquanto reformado seria uma certeza, neste momento vejo o regresso como uma possibilidade, mas ainda não num futuro próximo.
Qual o trabalho/projeto que gostaria de desenvolver em Portugal?
Regressando a Portugal, gostaria de levar conhecimentos, experiências, técnicas, e vivências que possam contribuir para o avanço da profissão no País. Se possível, contribuir para a formação e ensino na área de medicina interna a nível académico, privilegiando a componente clínica e, quem sabe, fazer parte de/estabelecer um programa de residência em Portugal.
“Regressando a Portugal, gostaria de levar conhecimentos, experiências, técnicas, e vivências que possam contribuir para o avanço da profissão no País. Se possível, contribuir para a formação e ensino na área de medicina interna a nível académico, privilegiando a componente clínica e, quem sabe, fazer parte de/estabelecer um programa de residência em Portugal”
Que conselhos dá aos recém-licenciados em medicina veterinária que estão a ter dificuldades em ingressar no mercado de trabalho?
Para não desistir porque a oportunidade certa há de surgir. Por vezes, é necessário fazer alguns sacrifícios pessoais numa fase mais precoce da carreira para que mais tarde se possa colher os frutos desse esforço. O mercado é cada vez mais competitivo, mas na maioria das vezes acaba por presentear o esforço dos mais dedicados.
Como vê o estado atual da medicina veterinária em Portugal e no mundo?
A medicina veterinária progride a uma velocidade estonteante e é um privilégio poder usufruir da constante troca de ideias e descobertas científicas que ocorrem a nível global. Não tendo experiência clínica em Portugal tenho dificuldade em avaliar o estado da profissão em território Luso. No entanto, cada vez mais há uma tendência para a corporização da profissão, o que mais tarde ou mais cedo chegará também a Portugal. No geral, penso que o nível de cuidados tem continuado a progredir positivamente tanto em Portugal como no mundo, fruto de avanços tecnológicos e científicos constantes e facilidade de partilha de ideias e experiências, aliados a um crescente grau de exigência por parte dos tutores.
*Entrevista publicada originalmente na edição n.º 151 da revista VETERINÁRIA ATUAL, de julho/agosto de 2021.