Apesar de um pouco distante da realidade de outros países, a cardiologia veterinária em Portugal dá passos seguros para uma prática clínica mais inovadora. Neste âmbito, fomos saber como evolui esta área em Portugal, quais as patologias que mais surgem no consultório e o que ainda falta fazer para que os diplomados em cardiologia queiram regressar ao País.
O aumento da esperança média de vida dos animais de companhia, os avanços da medicina veterinária e a melhoria dos cuidados de saúde prestados são, obviamente, boas notícias. Mas se a longevidade é, cada vez mais, uma expetativa daqueles que criam relações de afetividade com os animais, é também a causa para uma prevalência crescente das doenças cardíacas.
Atualmente, estima-se que mais de 10% dos cães atendidos em clínicas e hospitais veterinários sofram de alguma alteração cardíaca, uma percentagem que pode chegar aos 35% se considerarmos os cães acima de 13 anos de idade. Também nos gatos o número de diagnósticos de doença cardíaca tem vindo a aumentar ao longo dos anos, um crescimento que poderá estar relacionado com a melhoria dos meios de diagnóstico, como a ecocardiografia.
A doença cardíaca nos cães
- 10% dos cães sofrem de alterações cardíacas
- 35% dos cães com mais de 13 anos sofrem de alterações cardíacas
- Doença degenerativa mixomatosa valvular mitral é a doença cardíaca mais comum na população canina, representando cerca de 75% do total dos casos de doença cardíaca
- Cardiomiopatia dilatada é a segunda doença cardíaca adquirida mais frequente em cães, contando com uma prevalência entre 0,2-6% relativamente a outras doenças em cães adultos de raça grande
A doença cardíaca nos gatos
- 1 em cada 10 gatos em todo o mundo sofrem de alguma doença cardíaca, de acordo com a American Veterinary Medical Association (AVMA)
- Cardiomiopatia hipertrófica é a doença cardíaca mais frequente nos gatos, com uma elevada taxa de ocorrência nesta espécie
Quais as raças mais afetadas por doenças cardíacas?
Gatos
- British shorhair
- Persas
- Ragdoll
- Maine coon
Cães
Pequeno porte
- Caniche
- Pinscher
- Cavalier King Charles spaniel
Grande porte
- Doberman
- Dogue alemão
- Serra da Estrela
- Boxer
Pelo menos é nisso que acreditam os médicos veterinários ouvidos pela VETERINÁRIA ATUAL nesta edição. André Santos, médico veterinário no Hospital Veterinário do Restelo, sublinha que, nos últimos tempos, e sobretudo nos últimos dez anos, “a medicina veterinária de pequenos animais tem sofrido uma evolução muito considerável no diagnóstico e tratamento de diversas doenças. O sistema cardiorrespiratório não é exceção e hoje em dia conseguimos dar aos nossos pacientes uma boa qualidade de vida mesmo nas situações mais graves.”
Com tutores mais consciencializados para os avanços nos tratamentos disponíveis, é atualmente mais fácil oferecer um acompanhamento de qualidade, aumentando a esperança média de vida dos animais.
“É impressionante como hoje em dia conseguimos disponibilizar aos nossos pacientes um serviço muito evoluído no que toca ao diagnóstico e tratamento de doenças do sistema cardiovascular e respiratório. Com as técnicas de diagnóstico a evoluir de ano para ano, temos cada vez mais possibilidade de diagnosticar precocemente e aumentar o prognóstico, a esperança e a qualidade de vida dos nossos pacientes. É de salientar que além da disponibilidade de técnicas de diagnóstico, os tutores dos nossos pacientes estão cada vez mais sensibilizados e instruídos para esta evolução, e felizmente acompanham-na por forma a dar a maior qualidade a este serviço”, acrescenta André Santos.
Sílvia Pinheiro, médica veterinária e atual presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia Veterinária (SPCAV), corrobora esta opinião e afirma que “a evolução dos meios de diagnóstico para as patologias cardiorrespiratórias tem sido marcante, nomeadamente no avanço da qualidade dos ecógrafos, na imagiologia avançada como a TAC, nos biomarcadores cardíacos, entre outros. Em simultâneo, e não menos importante, o crescimento da formação dos colegas médicos veterinários na área da cardiologia tem permitido um progresso enorme desta área em Portugal. Esta evolução tem contribuído para uma medicina de maior qualidade permitindo, por exemplo, detetar precocemente e de forma mais rigorosa determinadas patologias e sua diferenciação, contribuindo para prognósticos mais favoráveis.”
Para Luís Santos, médico veterinário do Animed – Hospital Veterinário de Gondomar, a maior evolução tem-se registado, sobretudo, nos meios de diagnóstico. “Tem havido uma evolução positiva na imagiologia e nos exames realizados na área da cardiologia, seja na melhoria dos equipamentos de diagnóstico, nas imagens 3D e na disponibilidade dos biomarcadores cardíacos. Estes exames e recursos permitem ao clínico compreender melhor as alterações morfoanatómicas e oferecer uma terapêutica mais ajustada a cada caso clínico e, com isto, permitir declarar com maior assertividade prognósticos de evolução das patologias cardíacas”, defende.
A Vetoquinol, farmacêutica francesa que conta com uma gama de produtos para animais de companhia, mas também animais de produção, revelou à VETERINÁRIA ATUAL que, no que à terapêutica diz respeito, a cardiologia é uma das áreas que mais tem evoluído. A empresa, que tem investido no desenvolvimento de produtos para o eixo cardiorrenal, entre inibidores da ECA, quelatos P, suplementos alimentares e diuréticos, acredita que a crescente exigência dos tutores vai ‘obrigar’ a indústria a continuar a investir em tratamentos inovadores.
“Com as técnicas de diagnóstico a evoluir de ano para ano, temos cada vez mais possibilidade de diagnosticar precocemente e aumentar o prognóstico, a esperança e a qualidade de vida dos nossos pacientes” – André Santos, médico veterinário Hospital Veterinário do Restelo
“Os tratamentos têm evoluído profundamente nos últimos 30 anos. Hoje conhecemos mais a fundo as patologias que afetam os nossos animais de estimação e as pesquisas para melhorar a qualidade e a expectativa de vida dos animais de estimação com doenças cardíacas têm sido intensas. Gradualmente, a especialização que a profissão está a vivenciar e as expectativas dos donos de animais de estimação exigem novas e mais avançadas opções terapêuticas”, afirma Álvaro Ortega, product manager da linha de animais de companhia da Vetoquinol.
Também Cláudia Abreu, fundadora e diretora clínica do serviço ambulatório de cardiologia Cardio4Vets, conta que as grandes novidades estão nos equipamentos atualmente utilizados para fazer o diagnóstico.
De acordo com a médica veterinária, “os ecógrafos hoje disponíveis em nada se comparam aos inicialmente utilizados, quer pelo número de valências que possuem, quer pela qualidade de imagem que produzem.” Esta evolução reflete-se, diz, na realização de diagnósticos cada vez mais precisos e precoces. “No campo das doenças respiratórias, a generalização da utilização da radiologia digital e da tomografia computorizada foi, na minha opinião, a grande revolução na abordagem destas patologias.”
Técnicas de intervenção minimamente invasiva são a maior evolução
A fundadora da Cardio4Vets explica ainda que, atualmente, em Portugal, “já possível realizar intervenções cardíacas por mínima invasão, com recurso a cateterismo, para correção de patologias congénitas, como ducto arterioso persistente ou estenose pulmonar ou a colocação de pacemakers. No estrangeiro, cirurgias como a reparação cirúrgica da válvula mitral, tratamento de arritmias por ablação com radiofrequência e cirurgias de ‘coração aberto’ são realizadas de forma cada vez mais rotineira.”
O médico veterinário André Santos, do HVR, também sublinha os importantes avanços nas técnicas de intervenção minimamente invasivas e refere que “cirurgias a ducto arterioso persistente que outrora eram feitas de tórax aberto, hoje em dia podem ser realizadas com o auxílio de um fluoroscópio, em que não há abertura do tórax e a sutura realizada na artéria femoral tem poucos centímetros, o que beneficia muito a recuperação e a taxa de sucesso”. Segundo o profissional, as cirurgias por esta técnica são também usadas “para a estenose pulmonar valvular e para correções de defeitos de septo interatrial ou interventricular, algo que antigamente era impensável”.
Mas apesar dos avanços, a presidente da SPCAV, Sílvia Pinheiro, diz que ainda “há outras cirurgias muito avançadas que apenas se realizam em alguns países da Europa, nomeadamente França e Inglaterra, como é o caso da cirurgia para reparação da válvula mitral”, o que coloca Portugal um pouco atrás de outros países no que à cardiologia veterinária diz respeito.
Tutores preocupam-se cada vez mais com a prevenção
Mas, como os animais são cada vez mais vistos como membros das famílias, ainda antes de a doença ocorrer, há já tutores preocupados com a prevenção das patologias cardiorrespiratórias. De acordo com o médico veterinário Luís Santos, existe uma consciencialização crescente por parte dos tutores para as patologias cardiorrespiratórias, principalmente quando associadas às raças predispostas. “Apercebo-me que os tutores procuram e questionam mais sobre o que podem fazer para detetar determinadas doenças e que se mostram mais sensibilizados à investigação cardíaca, mesmo em idades avançadas. No entanto, muitas vezes a compliance pode falhar, seja por falta de tempo ou porque o animal se mostra menos cooperante. Mas é nesta altura que, nós, como clínicos, temos de apresentar alternativas viáveis para cada animal e estilo de vida do seu tutor, permitindo que o tratamento do seu animal não altere muito a sua rotina, porque esse será um dos principais fatores para quebrar a compliance no tratamento de patologias cardiorrespiratórias, principalmente, sendo maioritariamente doenças crónicas.”
“Tem havido uma evolução positiva na imagiologia e nos exames realizados na área da cardiologia, seja na melhoria dos equipamentos de diagnóstico, nas imagens 3D e na disponibilidade dos biomarcadores cardíacos” – Luís Santos, médico veterinário Animed
André Santos acrescenta que os tutores estão, efetivamente, mais conscientes da existência de exames complementares, como a ecocardiografia, holter 24 h, tomografia com ou sem lavagem broncoalveolar ou mesmo ressonância magnética, e, regra geral, são complacentes com o tratamento. Contudo, “existem por vezes limitações, tanto ao nível financeiro como de informação”.
“Compete ao médico veterinário expor a importância dos mesmos e deixar ao critério dos tutores a sua realização. Acredito que a complacência continue a melhorar de ano para ano e que surjam ainda mais seguros para animais para que possamos fazer o nosso trabalho com as menores limitações possíveis”, acrescenta o médico veterinário do HVR.
A presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia Veterinária diz que a consciencialização para a existência de patologias cardíacas e para a necessidade de as tratar “depende da localização da prática clínica”, mas sublinha que “os tutores estão mais sensibilizados para os avanços da medicina veterinária e tudo o que isso implica no tempo e na qualidade de vida dos seus animais”. Para Sílvia Pinheiro, as consultas de rotina e screenings são cada vez mais comuns, “o que permite diagnósticos mais precoces e acompanhamento mais atento da evolução das patologias.”
Já Cláudia Abreu, que há vários anos se dedica em exclusivo à área da cardiologia, revela que tem acompanhado “dezenas de tutores que administram duas vezes por dia quatro ou mais medicações ao seu animal e que efetuam ‘religiosamente’ as reavaliações analíticas, radiográficas e ecocardiográficas que lhes são propostas”, o que, segundo a médica veterinária, “demonstra a consciência e a dedicação que o tratamento destas patologias suscita nos tutores”.
Reconhecimento das especialidades pode trazer diplomados de volta ao País
Com maior ou menor compliance dos tutores aos tratamentos propostos, a verdade é que Portugal conta com médicos veterinários cada vez mais bem preparados para tratar patologias cardíacas e cada vez mais oferta formativa. Mas ainda há um longo caminho a percorrer.
O médico veterinário André Santos acredita que “a formação está cada mais completa, à semelhança das outras áreas em pequenos animais, mas está longe de estar equiparada a países como Inglaterra ou Estados Unidos da América, onde o volume de consultas de especialidade, o número de especialistas, os exames complementares e o poder de compra dos tutores é muito superior [ao de Portugal]”.
André Santos diz ainda que acredita ser possível que um médico veterinário se dedique em exclusivo à cardiologia em Portugal, mas tem algumas recomendações. “Caso se trabalhe num centro de referência, como é o meu caso, o trabalho não é exclusivo desta área, pelo que acabo por fazer cardiologia e medicina interna, o que faz sentido, dado que estes dois sistemas se interligam. Outra opção é, como a de alguns colegas que tenho, a prática de consultas e exames complementares em regime ambulatório. Neste último cenário, é possível dedicarmo-nos exclusivamente a esta área, o que é bom, mas muitas vezes não se consegue ter um follow-up dos pacientes ou acompanhar o caso quando o sistema cardiovascular está inserido num quadro sistémico […]. Neste momento, a recomendação que tenho para quem se quer dedicar a esta área é a de fazer estágios cá em Portugal em grandes centros ou ambulatório, estágios no estrangeiro em centros certificados e eventualmente internato e residência.”
Já Luís Santos, do Animed, é um pouco mais cético, e diz que apesar de acreditar que “a dedicação exclusiva a qualquer área da medicina veterinária é possível”, às vezes pode não ser viável pela casuística existente e porque a especialização é ainda subvalorizada pela grande maioria dos tutores e mesmo por colegas. “Mas começo a notar que há também o reverso: mais pessoas procuram a especialidade e a formação especializada para que tenham um cuidado mais personalizado para determinados problemas de saúde.”
“Os veterinários portugueses que desejem ter o título de especialista vêem-se forçados a sair do País por um período mínimo de três anos. Atualmente não temos nenhum diplomado do Colégio Europeu na área da cardiologia a trabalhar em Portugal” – Cláudia Abreu, diretora clínica da Cardio4Vets
A falta de reconhecimento das especialidades em Portugal é, aliás, apontada também por Cláudia Abreu como um problema que, a resolver-se, poderia trazer de volta ao País alguns dos diplomados na área da cardiologia e permitir que mais médicos veterinários se dedicassem em exclusivo ao tratamento das patologias cardíacas.
“Existe atualmente, em Portugal, uma oferta variada de formação na área da cardiologia canina e felina e da imagiologia aplicada à cardiologia, o que permite aos clínicos com interesse pela área evoluírem de forma mais rápida e sustentada. Infelizmente, a oferta para formação em cardiologia noutras espécies, nomeadamente exóticos e selvagem ou equinos é ainda muito limitada”, começa por explicar.
“Existe ainda uma forte lacuna formativa para quem se queira dedicar em exclusivo a esta área, em Portugal. A maioria dos que o fazem evoluíram realizando cursos ou estágios no estrangeiro, associados a muitas horas de estudo e trabalho autodidata. Não existe nenhuma instituição em Portugal que permita efetuar a residência em Medicina Interna – Cardiologia reconhecida pelo Colégio Europeu. Assim, os veterinários portugueses que desejem ter o título de especialista vêem-se forçados a sair do País por um período mínimo de três anos. Atualmente, não temos nenhum diplomado do Colégio Europeu na área da cardiologia a trabalhar em Portugal, embora existam vários portugueses com esse grau de formação.
Penso que a especialização é cada vez mais valorizada e que abrirá portas para o regresso destes colegas ao nosso País”, conclui a diretora clínica da Cardio4Vets.
A presidente da SPCAV corrobora esta opinião e diz que “infelizmente”, a formação em cardiologia veterinária existente em Portugal ainda não é suficiente.
“Os médicos veterinários em Portugal são muito dedicados e têm muita sede de conhecimento, contudo, e apesar dos esforços de várias sociedades e empresas de formação como, por exemplo, a SPCAV e a Improve, a maioria dos cursos de formação ainda se fazem no estrangeiro. É possível um médico veterinário dedicar-se em exclusivo a esta área. À semelhança de outras especialidades, estamos ansiosos que os diplomados em cardiologia regressem a Portugal e, quiçá, se possa desenvolver uma residência nesta área, permitindo um progresso tremendo da qualidade da cardiologia no nosso País”, conclui Sílvia Pinheiro.
Cardiomiopatia dilatada canina (CDC): um quebra-cabeças?
Em 2018, depois de um alerta de uma clínica veterinária estado-unidense para a possível influência da alimentação natural, biológica e sem cereais no desenvolvimento de cardiomiopatia dilatada canina (CDC), a Food and Drug Administration (FDA), dos EUA, iniciou uma investigação. Um ano depois, a organização publicava o relatório do processo, revelando que 16 marcas de alimentação poderiam estar associadas aos casos de doença reportados pela clínica.
A cardiomiopatia dilatada canina (CDC), doença analisada no relatório da FDA, resulta, em muitos casos, em insuficiência cardíaca e tem uma vertente genética, manifestando-se, sobretudo, em cães de raças grandes, apesar de já terem sido reportados casos em cães pequenos.
Já este ano, um ano depois da publicação do último relatório da FDA, foi publicado no Journal of Animal Science um estudo que negava que haja relação entre dietas sem cereais e a cardiomiopatia dilatada canina (CDC). Contudo, dias depois, o mesmo estudo viria a ser posto em causa por vários médicos veterinários que acusaram os autores de não declarar um conflito de interesses.
“Estamos ansiosos que os diplomados em cardiologia regressem a Portugal e, quiçá, se possa desenvolver uma residência nesta área” – Sílvia Pinheiro, presidente da SPCAV
Nos cães que desenvolvem CDC, o músculo cardíaco torna-se fraco e deixa de conseguir bombear sangue de forma eficiente, o que leva, nos casos mais severos, à morte súbita do animal.
André Santos explica à VETERINÁRIA ATUAL que, “apesar de ser um assunto delicado e que necessita ainda de mais investigação e estudos científicos, tem-se verificado um aumento da incidência de cardiomiopatia dilatada por deficiência em taurina em raças que antes não apresentavam de forma tão comum esta doença, como é o caso dos golden retriever”.
“Alguns estudos verificaram, após o diagnóstico da doença por deficiência deste aminoácido essencial em vários cães, que todos se alimentavam com rações comerciais grain-free ou legume-rich e que quase todos eles apresentaram melhorias clínicas e funcionais quando mudaram para uma dieta específica ou foram suplementados com taurina. É possível que o aparecimento desta doença cardíaca por deficiência em taurina seja uma questão multifatorial, havendo uma combinação de características genéticas, metabólicas e de dieta associadas, mas é muito importante que se identifique se as rações que emergem no mercado podem predispô-la ou não, pois muitas delas são adaptadas de conceitos extrapolados da medicina humana e que não colmatam as necessidades dos nossos pacientes”, acrescenta o médico veterinário.
Cláudia Abreu explica ainda que a CDC se manifesta sob a forma de disfunção sistólica ou arritmias e encontra-se em raças mais predispostas, como dobermann, boxer, dogue alemão, galgo irlandês e dálmata, com sintomatologia associada, como intolerância ao exercício, perda de peso, ascite, dispneia (edema/efusão pleural), síncopes e morte súbita.
“Existe uma fase pré-clínica, também denominada oculta, em que por não existir sintomatologia, o diagnóstico apenas é possível com recurso a ecocardiografia e holter. Na ecocardiografia, apenas podemos afirmar que o paciente tem um fenótipo de CDC, isto porque existem fatores extracardíacos que podem induzir patologia miocárdica, mimetizando os achados ecocardiográficos da CDC. Entre estas causas extracardícas encontramos patologias endócrinas, agentes infeciosos, quimioterápicos e também fatores nutricionais”, acrescenta a médica veterinária.
Já Luís Santos afirma que este é um tema em voga, devido à integração das alimentações grain-free e naturais nas dietas dos animais, mas recorda que “a fisiologia do animal é diferente da humana e também não é estritamente carnívoro como o lobo, por isso, não os podemos tentar humanizar perante as nossas ‘vontades’”.
“A cardiomiopatia dilatada canina é uma disfunção sistólica do miocárdio com dilatação do ventrículo, que afeta principalmente cães de raça de porte grande a gigante, e pode ser causada por vários fatores, entre eles os genéticos e os nutricionais. Existe de facto uma associação a mutações genéticas na raça doberman pinscher, mas não é descartada a relação com a biodisponibilidade de aminoácidos adquiridos de proteínas animais de alto valor biológico. À semelhança da doença em gatos, em que a deficiência em taurina foi declarada como o principal fator de cardiomiopatia dilatada, nos cães, este aminoácido conjuntamente com a L-carnitina podem estar no cerne do desenvolvimento da doença em raças não predispostas. Quando questiono os tutores sobre a alimentação destes animais com cardiomiopatia dilatada, é verdade que existe uma relação com a utilização de alimentações grain-free ou naturais, pelo que recomendo sempre que estes animais sejam nutridos com alimentações que ofereçam um aporte nutricional adequado e apenas a suplementação com taurina/L-carnitina se os seus níveis sanguíneos assim exigirem”, conclui.
Novos meios de diagnóstico para doenças antigas
Enquanto os meios de diagnóstico disponíveis avançam, proporcionando diagnósticos cada vez mais precoces e melhores prognósticos para o animal, as doenças cardíacas mais observadas em clínica, tanto em caninos como em felinos, continuam a ser as mesmas.
André Santos, médico veterinário do Hospital Veterinário do Restelo, conta que, no que diz respeito às patologias cardiorrespiratórias mais prevalentes nos cães e nos gatos em Portugal, “a medicina continua semelhante ao que era”, com a vantagem de hoje haver “maior quantidade e qualidade de informação sobre cada doença, bem como tratamentos mais evoluídos e vanguardistas por forma a aumentar a qualidade e esperança de vida”.
De acordo com o médico veterinário, “as raças de gatos mais afetadas por doenças do sistema cardiorrespiratório continuam a ser os British shorhair, persas, ragdoll e Maine coon, que podem apresentar em fases mais jovens da vida a cardiomiopatia hipertrófica, sendo que todos os gatos podem apresentá-la e devem fazer o despiste a partir dos sete anos de idade, através de ecocardiografia, mesmo que assintomáticos. As raças mencionadas devem fazer um despiste mais precoce, entre o primeiro e segundo ano de vida.”
“Nos cães, há doenças cardiovasculares mais comuns em raças de pequeno e grande porte. Cães de pequeno ou médio porte, como caniche, pinscher ou Cavalier King Charles spaniel têm maior tendência para doença degenerativa mixomatosa valvular mitral ou tricúspide, que geralmente se traduz numa fase inicial pela auscultação de sopro cardíaco sistólico apical esquerdo ou direito. Raças de grande porte têm mais tendência para a cardiomiopatia dilatada ou mesmo para cardiomiopatia arritmogénica do ventrículo direito, sendo que raças como doberman, doguel alemão, serra da Estrela ou boxer devem realizar o seu despiste através de ecocardiografia e holter 24 horas perto do primeiro ano de vida”, acrescenta.
Por outro lado, a persistência do ducto arterioso (PDA) continua a ser a doença congénita mais comum, embora os defeitos de septo interventricular ou interatrial também ocupem uma parte importante no diagnóstico destas doenças, revela André Santos, acrescentando que “em fases mais adultas de vida podem aparecer tumores cardíacos, sendo mais comuns os quemodectomas e hemangiossarcomas, com maior incidência e prevalência em cães”.
*Artigo publicado originalmente na edição de setembro de 2020 da VETERINÁRIA ATUAL.