A carreira médico-veterinária vai estar em debate no XIV Congresso da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV), o primeiro desde a renovação do mandato. A menos de dois meses do evento, o bastonário Pedro Fabrica, em entrevista à VETERINÁRIA ATUAL, fala-nos sobre a prioridade da valorização da profissão, que inclui a criação de uma carreira especial na medicina veterinária. O evento decorre em Évora, nos dias 25 e 26 de outubro.
Volvidos cerca de 7 meses após o início do novo mandato da OMV, quadriénio 2024–2027 … Que balanço faz deste primeiro semestre?
Penso que tem corrido bem, pelo menos é esse o feedback que temos tido dos membros que falam connosco. Dizem-nos que veem uma ordem diferente, com uma postura diferente, mais ativa, com maior proximidade e interesse e também mais dinâmica. Portanto, penso que nesta primeira fase já se consegue ver a diferença em relação aos anos anteriores. Temos procurado estar próximos dos diferentes atores da cadeia de valor da saúde animal, que é complexa e tem muitos atores, sejam técnicos ou políticos. Temos feito um esforço para estarmos presentes e para falarmos com quase toda a gente envolvida. Claro que ainda não conseguimos chegar a todos, porque temos de definir prioridades. Existem assuntos e temas mais prioritários na nossa agenda e também há stakeholders que consideramos fundamentais, como alvos primários da nossa comunicação, nesta fase.
Além disso, conseguimos estar em 85% dos eventos para os quais fomos convidados, seja com a figura do bastonário ou com outros membros dos órgãos sociais. Estamos a falar de quase uma centena de eventos, portanto há um esforço muito grande neste sentido. Pode parecer que esta é apenas uma vertente social, mas estes eventos são fundamentais, na medida em que, muitas vezes, é lá que começamos a criar redes de ligação e a falar de assuntos importantes. Nos bastidores preparamos o que é mais importante para nós, nas matérias que queremos dar foco e prioridade.
“Este será o ano da reestruturação, de organização da Ordem, para depois, em 2025, podermos levar a cabo a expansão, com mais serviços e maior profissionalização.”
Como têm avançado os objetivos propostos no programa para este novo mandato?
Fizemos um balanço de 155 dias. No nosso programa do mandato temos nove grandes temas que queremos cumprir e estes desdobram-se em 44 objetivos. Já começámos a trabalhar em 22 deles, ou seja, 50% dos subtemas já estão em marcha, e cerca de 13% dos objetivos já foram cumpridos. Este nível de dedicação só é possível porque o bastonário está a tempo inteiro, totalmente dedicado, o que permite um maior dinamismo, algo que os membros já vinham a reclamar.
Uns dos objetivos primordiais passavam por uma maior proximidade e valorização da classe. A esse nível, que linhas de ação já foram cumpridas?
Por exemplo, o compromisso da proximidade. O bastonário tem estado presente nas delegações regionais pelo menos uma vez por ano. Já estivemos na Madeira e, apesar do ano estar a acabar, vamos também fazer um esforço para estar noutras regiões. Também realizámos um Fórum Interconselhos, que é uma reunião com os presidentes dos Conselhos Regionais e da Assembleia Regional, para alinharmos agendas e percebermos o que cada Conselho Regional vai fazer – o que nos dá uma visão do todo.
Já criámos duas comissões técnicas também, uma de sustentabilidade e outra de fauna selvagem e animais exóticos. No fundo, estas comissões, incluem médicos veterinários com interesse e know-how nestes temas, com vista a apoiarem a Ordem. Estamos a iniciar também a criação da comissão técnica do medicamento veterinário e a comissão técnica de animais de companhia.
“O principal objetivo deste encontro é sairmos com um documento que defina o que consideramos essencial para uma carreira especial na medicina veterinária, ou até mesmo a criação de um contrato coletivo de trabalho que estabeleça as condições mínimas para a profissão.”
Este será o ano da reestruturação, de organização da Ordem, para depois em 2025 podermos levar a cabo a expansão, com mais serviços e maior profissionalização.
Começámos ainda a colaboração com outras ordens internacionais. Já tive oportunidade de me reunir informalmente com a Ordem dos Médicos Veterinários de Angola, de Moçambique, e com o Conselho Federal do Brasil. O objetivo é criar uma plataforma de língua portuguesa na medicina veterinária.
Além disso, estamos a dar seguimento à implementação do novo estatuto, já elegemos o Conselho de Supervisão, com a proteção do quinto elemento, e também procedemos à nomeação do Provedor dos Destinatários dos Serviços Médico-Veterinários.
Estamos focados na valorização da profissão, que é a nossa principal prioridade. Esta começa pelo facto de precisarmos de ter uma carreira especial de médicos veterinários na administração pública e melhores condições para que o profissional exerça o seu trabalho.
O Congresso da Ordem dos Médicos Veterinários, que irá decorrer nos dias 25 e 26 de outubro deste ano, surge precisamente nesse sentido, para despertar o debate em torno da carreira médico-veterinária e das condições da profissão. Quais são os principais temas em destaque neste Congresso?
O principal tema deste Congresso será a carreira médico-veterinária. No momento, a nossa profissão não tem referências de condições mínimas laborais, seja na administração pública ou no setor privado. Vamos discutir a criação de um contracto coletivo de trabalho e uma carreira especial para médicos veterinários.
Além disso, vamos trazer para o debate outros temas, como a Inteligência Artificial, sendo cada vez mais importante refletir sobre o papel que esta ocupa na nossa profissão, percebendo também como pode ser regulamentada. Convidámos todas as instituições de ensino universitário de medicina veterinária para que possamos discutir, em mesa-redonda, a atualização curricular. Queremos ainda abordar o tópico da saúde mental e, numa palestra um bocadinho cartomante, debater como será a profissão no ano de 2040, por parte da recém-criada Comissão de Jovens Médicos Veterinários. Esta envolve profissionais jovens, até aos 30 anos, com, no máximo, sete anos de experiência. O objetivo é que tragam a sua visão da profissão para o futuro e que possam desafiar-nos enquanto Ordem.
“Convidámos todas as instituições de ensino universitário de medicina veterinária para que possamos discutir, em mesa-redonda, a atualização curricular.”
Este congresso vai contar com a presença do bastonário da Ordem dos Médicos e de um representante da Ordem dos Médicos Dentistas: são duas profissões médicas que já têm uma carreira especial e é importante que tragam os seus ensinamentos e a sua curva de aprendizagem. Já temos confirmada a presença da Secretária de Estado da Saúde e também da Secretária Regional da Madeira, que esta última está a fazer um grupo de trabalho que envolve o Conselho Regional da Madeira, sobre a carreira especial do médico veterinário nesta região autónoma.
Queremos também envolver a parte privada e, para isso, contamos com a presença do nosso colega Paulo Teixeira, um dos fundadores da Associação Nacional de Empresários Veterinários.
O colega André Marinho da Rocha, que trabalha em Espanha, irá trazer a visão do contrato coletivo que foi implementado no país vizinho e já vai na sua segunda versão.
Além disso, teremos também a presença de elementos de dois sindicatos para darem os seus contributos.
O principal objetivo deste encontro é sairmos com um documento que defina o que consideramos essencial para uma carreira especial na medicina veterinária, ou até mesmo a criação de um contrato coletivo de trabalho que estabeleça as condições mínimas para a profissão. Esse documento será a base para reivindicarmos melhorias e lutarmos pela valorização da nossa profissão. Para isso, a participação ativa dos nossos membros é fundamental.
Decidimos realizar o evento em Évora para descentralizar este tipo de iniciativas e escolhemos o Conselho Regional do Sul, porque representa mais da metade dos membros inscritos na Ordem. Todos os conselhos são importantes, mas acreditamos que o Conselho Regional com maior número de membros nos permitirá alcançar uma audiência mais ampla.
Este evento será uma oportunidade para que os membros presentes expressem o que pensam e o que anseiam. Este é um espaço ideal para que todos possam ter uma voz ativa, promovendo uma discussão aprofundada entre os profissionais da área, bem como com outros atores relevantes na saúde animal. No fundo, tentar agregá-los todos no mesmo espaço para que cada um deles possa dar os seus contributos para o futuro da profissão.
“Se não houver uma estratégia de diferenciação e de reconhecimento do papel do medico veterinário, por mais universidades ou cursos que se abram – nós temos mais do que o número suficiente de instituições de ensino e de médicos veterinários formados por ano – não vamos conseguir reter, vamos sim exportar profissionais.”
Referiu que está a ser desenvolvido um grupo de trabalho na Madeira, relativamente à carreira especial do médico veterinário. Que características específicas ressaltam desta região?
Nas visitas de proximidade, houve a possibilidade de estar reunido na Madeira com a Secretária de Estado da Agricultura, mas também depois com as várias direções gerais, como, por exemplo, de pescas e florestas. E essa visita permitiu-nos perceber a estratégia local, especialmente em termos de agricultura e produção de origem animal. Sendo uma ilha, a Madeira tem uma forte preocupação com a dependência alimentar, o que resulta em muitas trocas comerciais, exportações e importações.
Contudo, o grande desafio que eles reconhecem é o de reter médicos veterinários nos diferentes serviços. E esta é uma preocupação que os Açores seguramente vão começar a ter, com uma quota de produção leiteira a representar cerca de 30% da produção nacional. Se nada for feito, eles enfrentarão dificuldades em fixar profissionais e vão pôr em perigo a produção leiteira, assim como todas as atividades pecuárias.
O mesmo cenário também se passa no continente, ao nível das dificuldades de retenção, sobretudo em clínica de animais de companhia, mas também em animais de produção, e de contratação para inspetores sanitários e médicos veterinários municipais. O salário e as condições de trabalho, incluindo o desgaste emocional e a falta de proteção, são fatores que afetam a retenção de profissionais.
Se não houver uma estratégia de diferenciação e de reconhecimento do papel do medico veterinário, por mais universidades ou cursos que se abram – nós temos mais do que o número suficiente de instituições de ensino e de médicos veterinários formados por ano – não vamos conseguir reter, vamos sim exportar profissionais.
Nesse sentido, digamos que a Madeira está um pouco mais à frente.
“Os cursos portugueses têm qualidade suficientemente reconhecida para formar. É um bom sinal, é uma boa bandeira do ensino português, seja ele público ou privado.”
Temos assistido a um fenómeno, uma espécie de “turismo académico” da medicina veterinária em Portugal, com cada vez mais estrangeiros a virem estudar no nosso País. O que é que isso diz sobre o ensino veterinário em Portugal?
Neste momento existem quatro instituições de ensino público e quatro instituições de ensino privado em medicina veterinária em Portugal e todas elas com características únicas. Alguns destes cursos têm estratégias voltadas para alunos internacionais, principalmente franceses. Por exemplo, na CESPU, onde já dei aulas de comunicação clínica, entre 70 a 80% dos alunos eram franceses. Mas também existem outros exemplos, como a Vasco da Gama e a Egas Moniz. Vemos, de facto, uma tentativa, particularmente dos cursos privados, de se virarem para um público diferente. Como existe um número pequeno de vagas de médicos veterinários em Portugal e, como um pouco por toda a Europa, uma crise de contratação e retenção destes profissionais, acabam por ter esta estratégia formativa. Estes estudantes estrangeiros fazem cá o curso, mas poucos ficam, acabam por voltar e depois são absorvidos no mercado de trabalho do seu país. O que é que isto nos diz? Que os cursos portugueses têm qualidade suficientemente reconhecida para formar. É um bom sinal, é uma boa bandeira do ensino português, seja ele público ou privado.
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