Resumo
No início do mês de Fevereiro, o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P. (INIAV, I.P.) recebeu amostras de cérebro e sangue de duas vitelas com malformações congénitas, suspeitas de infeção pelo vírus de Schmallenberg (SBV). A primeira vitela morreu após um parto distócico e a segunda dois dias após o parto. Os animais eram originários de duas explorações vizinhas, localizadas no concelho de Sabugal, com historial recente de abortos, partos distócicos e nascimento de vitelos com malformações congénitas. Os resultados laboratoriais associados aos sinais clínicos permitiram chegar ao diagnóstico definitivo de infeção por vírus de Schmallenberg.
História Clínica
Foi solicitada a intervenção do médico veterinário devido à taxa anormal de abortos tardios, de partos distócicos e ao nascimento de vitelos de termo com malformações congénitas registados em duas explorações do concelho do Sabugal.
As malformações relatadas pelos produtores coincidiram, na sua grande maioria, com as distócias ocorridas. Os vitelos que sobreviviam mostravam sinais de ataxia, dificuldade em se manter em estação, artrogriposes, braquignatia inferior, dificuldade de locomoção e nanismo. Foram registadas três mortes de vacas por metrite, não obstante a terapia antimicrobiana e anti-inflamatória instituída, tendo sido muito elevada a taxa de retenções placentárias nas vacas que pariram. Salienta-se que, apesar do ano de escassez de alimento, as vacas estavam com uma boa condição corporal sendo, suplementadas diariamente com tacos e feno.
Entre os diagnósticos diferenciais foi considerada a consanguinidade e as seguintes patologias: clamidiose, neosporose, intoxicação por plantas ou metais pesados e infeção pelos vírus BVD, IBR e Schmallenberg. Perante este quadro procedeu-se à colheita de sangue total e de soro de vitelos com malformações congénitas e das respetivas mães, bem como a um grupo de vacas que tinham sofrido abortos ou partos distócicos.
Os resultados das provas realizadas, assim como o historial clínico e relatos de acontecimentos e do maneio alimentar praticado pelos produtores permitiram descartar as restantes suspeitas e conduziram a pesquisa para o vírus de Schmallenberg, tendo-se solicitado, ao INIAV, a pesquisa de anticorpos para este vírus nos sangues dos vitelos e respetivas mães.
Uma vez que os resultados da pesquisa de anticorpos para o vírus de Schmallenberg foram positivos, foram enviados posteriormente, por sugestão da equipa do INIAV, os cérebros de duas vitelas com malformações congénitas. As análises laboratoriais confirmaram a presença do vírus por RT-qPCR, realizado a partir das amostras dos cérebros, e a presença de anticorpos específicos para o vírus no soro destes animais.
Vírus de Schmallenberg
O vírus de Schmallenberg foi detetado, pela primeira vez, em Novembro de 2011 na Alemanha em bovinos de leite provenientes de explorações localizadas na cidade de Schmallenberg, a qual dá o nome ao vírus (Hoffmann et al., 2012). Após sequenciação do genoma viral, o Instituto Alemão Friedrich Loeffler (FLI) reportou a descoberta deste novo vírus, relacionado geneticamente com os Orthobunyavirus do serogrupo Simbu, da família Peribunyaviridae. Estes vírus estão tradicionalmente relacionados com infeções em ruminantes em muitos países asiáticos e africanos, mas até à data, não tinham sido detetados na Europa. A causa da introdução do vírus no continente Europeu é desconhecida.
Desde 2011, o SBV propagou-se rapidamente e quase todos os países Europeus reportaram surtos da infeção. Curiosamente, o SBV foi descoberto na mesma região onde cinco anos antes ocorreu o primeiro surto de febre catarral ovina, provocada pelo vírus da língua azul (BTV) do serótipo 8 (Claine et al., 2015).
Tal como no BTV, a principal via de transmissão do vírus de Schmallenberg é por picada de insetos do tipo Culicóides spp. Além desta, a transmissão por via transplacentária em determinados períodos da gestação assume particular importância na gravidade da doença. Assim, a infeção dos fetos num determinado período de gestação (2-5 meses), relacionada com a fase de desenvolvimento embrionário, nomeadamente no que diz respeito ao desenvolvimento do sistema nervoso central e do sistema imunitário, determina a severidade das malformações congénitas nos bovinos (revisto por Claine et al., 2015). Também está descrita a deteção de vírus no sémen dos bovinos, embora a transmissão do vírus por via venérea não esteja ainda comprovada.
Ainda que a maioria das infeções tenha uma evolução subclínica, os animais adultos podem apresentar diarreias aquosas, inapetência, febre e quebra da produção de leite. Além destes sinais clínicos pouco específicos, a infeção por SBV está tipicamente associada a malformações congénitas, caracterizadas por artrogripose e hidrocefalia, precocidade e morte fetal em bovinos, ovinos e mais raramente em caprinos. Ainda que os ruminantes domésticos sejam mais suscetíveis à infeção, estudos serológicos, publicados em revistas internacionais, referem a presença de anticorpos neutralizantes contra o vírus em búfalos, cervídeos e bisontes sem, no entanto, haver evidência de manifestações clínicas nestas espécies. Com base no conhecimento atual, não existe indicação que este vírus cause infeção em humanos.
O diagnóstico clínico da infeção é um desafio para os médicos veterinários, uma vez que nos animais adultos os sinais clínicos são pouco específicos, podendo ser causados por outros agentes virais mais comuns, nomeadamente o vírus da diarreia viral bovina (BVDV), o vírus da língua azul (BTV) ou o vírus da rinotraqueite infeciosa dos bovinos (IBR/BoHV-1). A ocorrência de abortos nas explorações ou o nascimento de animais com malformações congénitas facilitam o diagnóstico clínico, ainda que seja necessário a posterior confirmação laboratorial.
Tal como no diagnóstico clínico, o diagnóstico laboratorial também é um desafio. O curto período de virémia (1 a 5 dias) dificulta a deteção do vírus a partir do sangue do animal infetado. Está também descrito na literatura que, mesmo a partir de amostras de cérebro de animais com malformações congénitas, a taxa de deteção do RNA viral é baixa (Loeffen et al., 2012). Assim, a deteção de anticorpos contra o vírus é o melhor indicador da circulação do vírus na exploração (Figura 1) (OIE, 2017). Não existe nenhum tratamento específico eficaz. Tal como para a febre catarral ovina, o controlo da população de insetos, bem como a vacinação, são os meios mais eficazes de controlo da infeção. Existem vacinas disponíveis no mercado, mas a prática de vacinação não sendo obrigatória, está sujeita, nalguns países, à autorização prévia das autoridades veterinárias.
Não sendo a infeção por SBV de declaração obrigatória é difícil estimar o impacto real da doença, devido essencialmente ao facto da maioria das infeções nos animais adultos serem subclínicas, ao elevado número de infeções não declaradas e ao número de casos subdiagnosticados. Estudos de seroprevalência realizados anteriormente pelo INIAV demonstraram uma percentagem elevada de animais com anticorpos para o SBV, o que comprova a circulação do vírus no país na totalidade do território continental. No entanto, tanto quanto é do nosso conhecimento, esta foi a primeira vez que se conseguiu detetar RNA viral a partir de animais com suspeita clínica de infeção. Os trabalhos prosseguem com vista à caracterização das lesões histopatológicas, ao isolamento do vírus e à análise genotípica.
Bibliografia
- Hoffmann, B., Scheuch, M., Höper, D., et al., Novel orthobunyavirus in cattle, Europe, 2011. Emerging Infectious Diseases. 2012; 18(3): 469-472.
- Claine, F., Coupeau, D., Wiggers, L., Muylkens, B., Kirschvink, N. Schmallenberg virus infection of ruminants: challenges and opportunities for veterinarians. Veterinary Medicine 2015:6,261-272.
- OIE Technical FactSheet (Update June 2017) http://www.oie.int/fileadmin/Home/eng/Our_scientific_expertise/docs/pdf/A_Schmallenberg_virus.pdf
- Loeffen, W., Quak, S., De Boer-Luijtze, E., Hulst, M., van der Poel, W., Bouwstra, R., Maas, R. Development of a virus neutralisation test to detect antibodies against Schmallenberg virus and serological results in suspect and infected herds. 2012, Acta Vet Scand 54, 44.