Dário Guerreiro é médico veterinário de ruminantes, principalmente bovinos, há mais de dez anos e trabalha agora na Serbuvet, uma empresa dedicada a estes animais onde a maioria dos médicos veterinários acompanha explorações leiteiras. Mas o veterinário assiste também várias explorações de carne, trabalhando nas zonas do Montijo, Moita, Pegões e Alcácer do Sal. “Só entre Moita e Pegões há cerca de 12 mil vacas, de leite e carne, a dar vitelos”, afirma.
O dia começa cedo, com uma paragem para um café e apanhar a estagiária espanhola, Elena Lopez, da Universidade de Cáceres e hoje também a jornalista e o fotógrafo da VETERINÁRIA ATUAL. E vai ser um dia longo: das 9h00 às 21h00 ou mais, com passagem por uma vacaria de leite, duas explorações de bovinos de carne e ainda outra de ovinos, já ao cair da noite.
No carro, que mais parece uma casa ambulante uma vez que tem quase de tudo – roupa e equipamento de trabalho, medicamentos, vacinas, mudas de roupa – a caminho da vacaria de jerónimo Gomes Borges, que tem cerca de 120 vacas em ordenha – onde vai verificar o resultado das inseminações e o tempo de gestação de algumas vacas – Dário Guerreiro vai-nos dizendo que “em dias como o de hoje, já muito preenchidos, se aparece uma urgência estraga o esquema todo… e também há chamadas à noite e fim-de-semana. No domingo à noite, à uma da manhã fui ver um vitelo que estava com pneumonia causada pelo vírus sincicial, que é muito agressivo e habitualmente provoca a morte muito rapidamente”. O médico veterinário conta que a maioria das urgências são “partos e prolapsos uterinos, mas também aparecem torções intestinais e outros casos cirúrgicos de animais com sintomatologia muito aguda”.
A partir dos 35 dias palpa à mão
Já a chegar, Dário Guerreiro refere que “esta é a vacaria mais feminina que conheço, quase só trabalham mulheres”. Maria de Lurdes Borges teve de agarrar a vacaria quando o marido faleceu e hoje também as filhas se dedicam ao negócio, explica-nos ela mais tarde. O pessoal é reduzido e Maria de Lurdes queixa-se que “há muita papelada a tratar e pouco tempo porque a prioridade são os animais”.
O médico veterinário lembra ainda que o carro tem sempre de ficar à sombra “por causa dos medicamentos, e com as janelas fechadas, para não entrarem moscas”. Com o apoio da estagiária Elena, que já esteve um ano a viver em Portugal para fazer o mestrado, Dário Guerreiro vai verificando as gestações, com ou sem a ajuda do ecógrafo portátil – a experiência já é muita e “a partir dos 35 dias já consigo palpar à mão”.
Aproveitamos para conversar um pouco com Maria de Lurdes Borges, que nos explica que as vacas são ordenhadas duas vezes por dia, que o leite é vendido à Lacticoop que o vem buscar dia sim, dia não. E daí a pouco chega o camião cisterna. Elena vai dizendo o número do animal para que Dário Guerreiro o possa verificar e depois anota se está grávida ou não e de quanto tempo. Ao fim de cerca de uma hora, hora e meia, está terminado, pelo que é necessário lavar a roupa de trabalho e o equipamento.
De seguida rumamos à Herdade do Rio Frio, dos irmãos Pedro e Hugo D’Orey, onde o médico veterinário irá também verificar as gestações de cerca de 100 vacas Mertolengas puras. Pelo caminho falamos mais um pouco desta profissão de veterinário de bovinos. “Sempre trabalhei com bovinos e sozinho, antes de me juntar à Serbuvet, criei a Sá Guerreio serviços veterinários, mas aqui tenho o apoio dos serviços da empresa. Por exemplo, criámos um programa de gestão da exploração de vacas de carne, de apoio ao produtor, porque os donos das explorações leiteiras tiveram de se especializar há muito, mas os produtores de carne percebem muito menos de vacas”. E adianta: “ali estão definidas todas as ‘tarefas’ que têm de se ir fazendo e inclui todas as informações do animal, como a nutrição. O produtor só tem de ir alimentando o programa mensalmente com as informações de nascimentos, ocorrências, etc.”. Dário Guerreiro refere ainda que nas explorações leiteiras, apesar de os produtores perceberem mais dos seus animais, “ainda falta uma gestão profissional, são os próprios que a fazem… pelo que falta tempo e profissionalismo. E esta é uma área onde os serviços veterinários também podem ajudar. Já há cada vez mais médicos despertos para esta área, de gestão da exploração”.
A diferença de uma grande exploração
Chegados ao Rio Frio é necessária a ajuda dos produtores e seus colaboradores – que já colocaram antecipadamente no parque junto à manga os animais a ver – para levarem as vacas à manga, abrirem e fecharem as portas e as restringirem com um tubo metálico para que Dário Guerreiro possa observá-las. Isto porque são animais rústicos que andam a campo e, nestas alturas, tornam-se bastante agressivos, ‘distribuindo’ cornadas e coices a quem não se precaver. E todos os que trabalham com estes animais têm a sua marca, como nos mostra Hugo D’Orey: um rasgão num braço.
Nos cerca de 1.600 hectares da herdade, sendo cerca de 1.400 de pasto, os produtores têm 600 vacas Mertolengas puras e cruzadas com Limousine e 100 Pretas, que andam sempre a campo e são cobertas por monta natural. Hugo D’Orey explica à VETERINARIA ATUAL que “temos várias pastagens e este ano quase ainda não foi necessário dar palha”, estando separadas por pastos as prenhes das não prenhes. Os vitelos são desmamados com cinco/seis meses, ficam em pré-recria até aos sete/oito meses e depois são vendidos para engorda. O irmão, Pedro D’Orey, adianta que “a possibilidade de exportar para Israel foi muito boa porque os preços são compensadores, senão perdíamos o dinheiro do vitelo na ração. Vendemos à Raporal e eles exportam”. A herdade faz parte da Associação de Criadores de Bovinos Mertolengos, mas “a valorização cá é muito pouca”.
Na manga, Dário Guerreiro vai fazendo palpação e observação com o ecógrafo e vai dizendo se a vaca está alfeira (não prenhe, em cio) ou grávida e qual o tempo de gestação, enquanto Pedro D’Orey toma nota na sua lista e Hugo D’Orey abre as cancelas de cada parque consoante o estado do animal. Aparece uma que não está prenhe porque tem endometrite, normalmente poderia ser sujeita a tratamento hormonal e com antibióticos, ficando separada das outras, mas como já é uma vaca com alguma idade e baixa performance reprodutiva irá para refugo (venda).
Mais tarde, Dário Guerreiro explica-nos que “as vacas de leite são palpadas normalmente 21 dias pós parto para poderem ser detetadas estas questões atempadamente”. Nas vacas de carne, o principal trabalho é a reprodução que se concentra mais precisamente no mês de agosto “porque os produtores querem fugir aos partos no tempo quente. Assim, são cobertas normalmente em julho para parirem em abril e os vitelos também não apanharem muito calor”. As vacas têm cerca de 90 dias para ficarem prenhes, de forma a terem um parto por ano.
Consulta no campo
A palpação é interrompida para almoço e volta-se depois. Saímos do Rio Frio já a tarde vai longa com destino a Alcácer do Sal, à Marinhais Sociedade Agrícola, para vacinação e desparasitação de cerca de 80 vitelos e dois reprodutores Limousine puros, bem como de uma vaca ferida devido a um acidente que provocou também a morte de alguns animais. Durante a noite rebentaram com uma vedação de um dos parques para outro numa zona de manga, pelo que algumas vacas foram espezinhadas e outras ficaram encurraladas.
Por causa da vacinação e desparasitação destes vitelos, Dário Guerreiro teve de ligar para uma das empresas que fornece estes medicamentos para lhe virem trazer mais, porque inicialmente seriam 50, mas depois confirmaram-lhe que eram mais. As empresas fornecedoras de medicamentos e outros equipamentos veterinários também têm de estar adaptadas a esta realidade de ‘veterinário de campo’ e levaram-nos onde o médico está: “é fundamental”. A meio de uma das conversas, sobre o acompanhamento por estagiários, Dário Guerreiro diz-nos que já os teve portugueses, espanhóis e holandeses, mas “prefiro os portugueses porque são, de longe, os mais desenrascados”.
Em Alcácer, depois da vacinação e desparasitação na manga, foi a vez de ver a vaca que foi espezinhada e que tem um vitelo com uma semana. Estava prostrada, sem se mexer. Dário Guerreiro avisou logo que “o vitelo vai ter de ser alimentado com leite de substituição e também têm de arranjar um recipiente com água para colocar ao pé da vaca, bem como feno”. O médico veterinário detetou que tinha problemas traumáticos, deu soro salino e glicose “para dar energia e também vitaminas, bem como um recuperador hepático. Estou a aplicar também um corticosteroide de ação rápida para ajudar na recuperação da locomoção e das lesões nervosas e ainda um antibiótico por causa de uma outra lesão na barriga”. Deixou segundas doses de medicamentos para os dias seguintes e combinou nova visita daí a dois dias. “Vamos ver se ela reage.” Ainda foi preciso ver outra vaca ferida, com um trauma numa pata, que teve de ser apanhada porque investiu contra Elena, que apanhou um valente susto. Deixou-nos na Moita e ainda foi a uma outra exploração de ovinos e caprinos ver uma meia-dúzia de animais.