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Animais de produção

Pecuária de precisão já é realidade

Pecuária de precisão já é realidade

A tecnologia, principalmente no plano dos sensores, permite hoje ao médico veterinário trabalhar em conjunto com o produtor para maximizar a eficiência da exploração pecuária, mas também o bem-estar e a saúde dos animais. Os sensores são colocados individualmente no animal (bovinos e pequenos ruminantes) ou em parques (todos, mas principalmente nos suínos) e permitem analisar vários indicadores que ajudam a perceber cios, padrões de comportamento e estado de saúde dos animais.

O uso de novas tecnologias na produção pecuária ainda não está generalizado, mas cada vez mais produtores começam a perceber as vantagens de investir em alguns equipamentos que podem ajudar na gestão e rentabilização da sua exploração pecuária. A aposta por equipamentos de ponta é feita, principalmente, por produções de média e grande dimensão de bovinos (principalmente de leite, mas não só), de suínos e, em alguns casos de ovinos.

 

As tecnologias mais recentes assentam na identificação eletrónica e trabalham em conjunto com sensores e antenas, e em articulação com os softwares de gestão, por forma a dar o maior número de informação possível ao produtor e ao médico veterinário.

“Estes sensores são usados pera medir as alterações de comportamento dos animais, individualmente e em grupo”, explica à VETERINÁRIA ATUAL António Ferreira, secretário-geral da Associação para apoio à Bovinicultura Leiteira do Norte, referindo-se ao sistema Nedap, utilizado por alguns dos produtores acompanhados pela ABLN.

 

Também o médico veterinário e produtor, João Diogo Ferreira, considera que “o sistema é muito interessante”, referindo-se à tecnologia da SCR by Allflex que a sua empresa, a Agriangus, está a usar, sendo a primeira exploração de bovinos em extensivo na Península Ibérica a utilizar esta tecnologia.

Deteção de cios é principal benefício

Os sistemas utilizam smart tags (colares, brincos ou pedómetros) que comunicam por RFID (identificação por radiofrequência) com antenas colocadas em locais estratégicos de passagem das vacas, que transmitem as informações para as unidades de processamento para que o produtor, o engenheiro zootécnico e o médico veterinário possam analisar os dados, em tempo real, nos seus computadores, tablets ou smartphones e agir em conformidade.

 

“Não vou deixar de ir ver as vacas”, salienta João Diogo Ferreira, mas “a informação, principalmente, de que o animal está em cio e de qual o período ótimo para a inseminação é muito útil.” E frisa: “Desde que estamos a usar este sistema, aumentámos em cerca de 10% a nossa taxa de gestação.” O médico veterinário lembra, todavia, “que este sistema implica que tem de haver na exploração uma pessoa que saiba inseminar, porque o período dado pelo sistema é de 12h” ou alguém que possa ser contactado e dar resposta dentro deste intervalo.

Assim, a colaboração entre o produtor e o seu médico veterinário terá de ser ainda mais estreita, até porque a monitorização da atividade dos animais, nomeadamente da alimentação e ruminação, dá-nos indicadores da sua saúde e eficiência, referem tanto João Diogo Ferreira como António Ferreira.

“Não vou deixar de ir ver as vacas”, salienta João Diogo Ferreira, mas “a informação, principalmente, de que o animal está em cio, é muito útil
Diversos alertas de saúde
 

Pecuária de precisão já é realidadeO sistema pode ser programado com alertas diversos de cio, mas também de não conformidade em relação à ingestão e ruminação, “porque inclui algoritmos com base em dados de explorações de todo o mundo e avisa-nos se o comportamento da vaca sai fora do padrão normal de comportamento”, refere o produtor da Agriangus.

Há também a possibilidade de detetar abortos, uma vez que se for sinalizado um comportamento de cio numa vaca que deveria estar gestante, tal poderá ser indicador de que esta abortou. O veterinário pode então agir imediatamente para confirmar esta situação.

Uma vez que monitoriza a atividade de cada vaca, o sistema alerta também para comportamentos desviantes em termos de velocidade de andamento, o que pode indicar que o animal está coxo, sugerindo que se examine a situação.

“Há três níveis deste programa: base – que deteta os cios; intermédio – que monitoriza também a ruminação e ingestão de alimento; e avançado – que analisa igualmente o grupo, em termos de comportamento de pastoreio, permitindo avaliar se os parques estão bem dimensionados, se têm sombras suficientes, dando-nos vários indicadores de bem-estar animal”, refere João Diogo Ferreira. “Por isso, considero que este sistema tem grande potencial para a certificação de uma exploração em termos de bem-estar animal, o que é cada vez mais considerado pelo consumidor e pode contribuir para a valorização do produto [carne]”. A Angriangus dedica-se apenas à genética, comercializando reprodutores, mas, para as explorações de bovinos de carne, esta valência poderá ser interessante.

Maior eficiência reprodutiva e genética

Outra valência, que o médico veterinário considera de grande importância para as explorações extensivas, é o facto de o brinco ter memória: “Se a antena estiver colocada junto ao bebedouro, por exemplo, sempre que a vaca lá vai a informação é descarregada e fica acessível em tempo real, pelo que temos informação muito mais atualizada em relação a cada animal, quando anteriormente, em alguns casos, só nos apercebíamos do problema no final da época.”

João Diogo Ferreira salienta que “assim conseguimos tornar o efetivo muito mais eficiente do ponto de vista reprodutivo, reduzindo os intervalos entre partos e aumentando a taxa de gestação, mas também em termos de melhoria genética, porque podemos usar a inseminação artificial em todas as vacas ou usar o touro em algumas selecionadas, para aumentar a diversidade genética”.

Nos bovinos de leite, o secretário-geral da ABLN salienta que, em muitos casos, estas tecnologias estão interligadas com outras já usadas nas vacarias, como os robôs de ordenha, sistemas de alimentação automática e sistemas de organização de animais (mangas, cercas elétricas, etc.), referindo que além da importância para a reprodução (deteção de cios), esta tecnologia permite uma monitorização da saúde do animal, “pelo padrão de ingestão e ruminação”.

Robôs e contrastes mais sofisticados

António Ferreira fala-nos ainda de outros sistemas que podem trabalhar em conjunto com estes, como “os bolos ruminais, que permitem a análise do ph do rúmen, detetando acidoses, por exemplo, ou brincos auriculares que medem a temperatura do animal”, adiantando que alguns robôs de ordenha mais modernos também já fazem a análise da condutividade elétrica do leite, que, “quando aumenta, é um sinal da alteração do leite, que, em conjunto com a cor, pode indicar a presença de mastite subclínica”, permitindo ao médico veterinário tratar imediatamente o animal.

Alguns robôs têm também câmaras 3D, cujas imagens podem detetar mastites pela imagem térmica, uma vez que a infeção provoca aumento de temperatura localizada na região do úbere, além de que a imagem 3D dá também indicação da condição corporal da vaca. A instalação de câmaras em zonas diversas da vacaria em pontos superiores e inferiores, em conjunto com balanças (que medem o peso do animal em equilíbrio) permitem igualmente verificar a existência de claudicações ou laminites em fases iniciais, possibilitando uma intervenção atempada do médico veterinário.

O responsável refere ainda que “as mais recentes análises de contraste leiteiro, além das células somáticas [fundamentais para detetar a presença de mastites, e para a valorização do leite], podem também analisar a percentagem de gordura, de proteína e de lactose e identificar alguns indicadores como ureia ou beta hidroxibutirato, que é um indicador de cetose”.

Genotipagem também já é usada

Continuando nos bovinos de leite, António Ferreira esclarece que “quando se colocam as marcas auriculares também já se faz recolha de tecido do animal que depois permite várias análises, como da BVD [diarreia viral bovina], mas que também serve para a avaliação genética”.

“Tem havido um desenvolvimento muito grande da capacidade de ler os snips [SNP – Single Nucleotide Polimorphism] de ADN dos animais, por isso a ABLN já presta este serviço, enviando as amostras para laboratório na Europa para a extração do ADN e determinação do genótipo.” O secretário-geral conclui a explicação: “Depois, enviamos esse resultado para um organismo nos EUA, que faz a avaliação na base genética norte-americana e envia a ficha genética do animal.”

Esta avaliação genética indica o potencial futuro de cada animal em termos de produção leiteira, níveis de gordura e proteína, bem como células somáticas, que indicam a possibilidade de resistência a mastites e outros indicadores de saúde, como deslocamento de abomaso, entre outros.

António Ferreira destaca que na análise das proteínas, as K caseínas do tipo B são importantes, por exemplo, para a produção de queijo, e começam a ser cada vez procuradas. Também as betacaseínas A2A2 têm despertado muito interesse, “devido a alguns estudos que indicam a melhor digestibilidade do leite de vacas com este gene”, pelo que a cada vez mais comum ‘intolerância à lactose’ pode ser na realidade uma intolerância à betacaseína, especificamente ao gene A1.

Ainda quanto à melhoria das tecnologias de análises, António Ferreira informa que: “A partir do final do ano, a ABLN vai passar a disponibilizar a possibilidade de análises de gestação, a partir dos 28 dias de inseminação, através do contraste leiteiro, passando a haver assim mais uma ferramenta complementar para o apoio à reprodução dos médicos veterinários.”

Softwares vários

Falando ainda de bovinos, José Pais, secretário-técnico da Associação de Criadores de Bovinos Mertolengos, diz à VETERINÁRIA ATUAL que a associação utiliza “uma plataforma online da RuralBit, que na prática tem duas plataformas – a GenPro e a E-Exploração – que, no caso do GenPro, nos permite fazer a gestão do livro genealógico da raça Mertolenga”. O E-Exploração é para ser utilizado por cada produtor e está ligado ao RCampo, a que os produtores podem aceder nos tablets ou smartphones e introduzir dados no campo, que depois sincronizam com o E-Exploração no computador no escritório.Pecuária de precisão já é realidade

O responsável explica que toda a informação sobre cada animal, por exemplo, em relação à reprodução e inseminação, está disponível na plataforma e pode ser acedida pelo produtor e também pelo médico veterinário.

José Pais fala também de um outro sistema, que funciona igualmente com base na identificação eletrónica dos animais. “Tudo se baseia nisso”, salienta. Este método faz o controlo da ingestão de cada animal, sendo usado principalmente na selação de futuros machos reprodutores. “O animal tem uma coleira que sincroniza com uma antena e uma balança que estão colocadas no comedouro, o alimento está pesado e a diferença vai dar exatamente o que o animal comeu, para se poder analisar depois a eficiência da conversão em carne.” Além de permitir maior rentabilidade ao produtor, os animais mais eficientes são também mais ‘amigos do ambiente’, porque, diz o secretário-técnico, “se come menos, tem menos fermentação entérica e menor emissão de gases”.

“O animal tem uma coleira que sincroniza com uma antena e uma balança que estão colocadas no comedouro, o alimento está pesado e a diferença vai dar exatamente o que o animal comeu” Joel Pais
Produção suína também usa sensores

No caso dos suínos, as tecnologias mais recentes também se baseiam em sensores, que são colocados nos parques e avaliam vários indicadores de cada grupo de animais.

António Correia, da Agrupalto, o maior agrupamento nacional de produtores de suínos, indica que “os nossos médicos veterinários usam depois muitos dos dados dos sensores do FarmControl, um sistema desenvolvido em Portugal, como ferramenta de diagnóstico precoce”. O responsável refere que “os sensores medem, por exemplo, temperatura e CO2 em tempo real, sendo que os dados são introduzidos no sistema de gestão da exploração e podem ser correlacionados com dados de fertilidade e doenças”.

Estas informações são depois fundamentais para as auditorias que avaliam a sustentabilidade e bem-estar animal nas explorações.

Numa exploração de suínos, a ração representa cerca de 70% dos custos: “Também controlamos em tempo real o consumo de ração e de água, recebendo alertas se algum grupo não está nos padrões habituais de consumo médio por animal, podendo ser indicador de alguma doença.”

O médico veterinário tem também acesso a toda a informação das reprodutoras, ajudando o produtor nas decisões de escolha de novas reprodutoras ou refugo de algumas porcas, já que “todos os dados de cada animal são registados e a rastreabilidade é completa”.

António Correia salienta que este sistema também é utilizado na produção de frangos.

Ovinos com muito caminho a percorrer

Falámos com um produtor de ovinos de leite e um responsável de uma exploração de ovinos de carne e, apesar de usarem um software da PecPlus, o Ovigest, e, no caso dos ovinos e carne, até sincronizarem com o sistema de identificação e leitura da Allflex, ambos reconhecem que os sistemas lhes permitem colocar e interligar muito mais informação do que a que inserem e utilizam. No que diz respeito ao uso destas ferramentas pelos médicos veterinários, principalmente João Ferreira, produtor de ovinos de leite, sublinha que “ele [o seu veterinário] parece não estar muito interessado nas potencialidades desta ferramenta”.

Pecuária de precisão já é realidade

Joaquim Potes, responsável de uma exploração de ovinos de carne, refere que “o veterinário trata de toda a parte sanitária, mas não insere os dados no sistema. Toda essa informação, bem como o plano profilático

e o livro dos medicamentos, existem apenas em papel, mas sei que poderia estar tudo no Ovigest”.

Na exploração não faz registo de partos, nem sincronização de cios. “É tudo por monta natural, retiramos os carneiros em novembro/dezembro e depois voltamos a colocá-los com as ovelhas em março.”

Já João Ferreira frisa que, nos “últimos três anos, tenho vindo a introduzir no sistema toda a informação de cada animal, incluindo os ciclos de lactação, e até problemas de saúde com os animais, para poder analisar a rentabilidade de cada uma”. Além do médico veterinário, o produtor lamenta também que nem os outros produtores da região (de Castelo Branco), nem mesmo as associações de produtores se interessem por este tipo de ferramentas. “Tenho a certeza de que este é o futuro de uma produção profissional e rentável”, afirma. “Há espaço para melhorar a rentabilidade, mas as associações de produtores não estão sensibilizadas.”

Além do sistema Ovigest, o produtor tem também uma manga eletrónica, com a qual organiza os animais em lote: “Faço a sincronização de cios e faço contraste leiteiro para ir monitorizando a qualidade do leite e assim também é mais fácil separar as ovelhas para a secagem”, explica.

 

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