A Provedoria dos Animais do Município de Almada organizou o 1.º seminário dedicado à medicina veterinária de desastre e catástrofe. Na sessão de abertura do encontro, Pedro Fabrica defendeu a integração dos médicos veterinários nas equipas de resposta a eventos catastróficos, pois considera que ainda há alguma relutância em reconhecer a importância destes profissionais na ajuda às comunidades afetadas por este tipo de episódios cada vez mais frequentes.
“O médico veterinário é um profissional que vai muito além de tratar de animais. Ele é um agente essencial para a resiliência das comunidades afetadas pelos desastres”, declarou Pedro Fabrica na sessão de abertura do 1.º Seminário Internacional de Medicina Veterinária de Desastre e Catástrofe, que decorreu em Almada nos dias 10 e 11 de janeiro.
No encontro, organizado pela Provedoria dos Animais do Município de Almada, o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários (OMV) defendeu que a atuação do profissional especializado em saúde animal na medicina veterinária de desastre e na gestão de catástrofes “ajuda a preservar a saúde animal, a prevenir doenças zoonóticas, a reconstruir economias locais e a garantir o bem-estar de uma parte fundamental da biodiversidade, que é um património vivo de todos nós”.
“Tivemos o 11 de setembro em 2001, depois tivemos o furacão Katrina, em 2005. Antigamente estas equipas [de socorro animal] avançavam [para as catástrofes] e depois paravam e tinham tempo para descansar. Atualmente, estas equipas são quase profissionais em constante atividade” devido à constante ocorrência de situações, sejam catástrofes relacionadas com fogos, com cheias ou de outro tipo. – Nuno Paixão, Provedor do Animal de Almada
Um património que, ano após ano, tem sofrido com sérias ameaças, como as vividas em Portugal – por exemplo, com os incêndios de Pedrógão, em 2017, ou de Oliveira de Azeméis, em 2024 – em Espanha com as cheias em Valência no final do ano passado e, coincidentemente, com os incêndios devastadores que estavam (e ainda estão) naqueles dias a assolar Los Angeles, nos Estados Unidos da América.
Em todas estas situações, que configuram vários tipos de catástrofes, os animais de companhia podem ser separados dos seus detentores “ou até abandonados, e o médico veterinário é uma peça-chave na reabilitação e no retorno desses animais às suas famílias, em conjunto com todas as associações de apoio à causa animal”, argumentou Pedro Fabrica, lembrando que esses animais “desempenham um papel psicológico crucial para os sobreviventes, oferecendo conforto e apoio emocional, o que reforça ainda mais a importância da sua recuperação e proteção”.
Daí que o bastonário tenha declarado de forma perentória: “A Ordem dos Médicos Veterinários defende a introdução de médicos veterinários em equipas de proteção civil, assim como a sua inclusão ativa em planos de contingência, quer regionais, quer nacionais”.
Na opinião de Pedro Fabrica, o concelho de Almada é um exemplo, por ter escolhido um médico veterinário para Provedor do Animal, no caso Nuno Paixão – e a escolha para Provedora do Animal de Laurentina Pedroso, também médica veterinária, outro bom exemplo na perspetiva do bastonário – que pode dar “um contributo sólido para a preparação para o desastre e a catástrofe e garante aos almadenses uma sensação de maior segurança e capacidade de socorro a possíveis atuações futuras de desastre ou catástrofe”.
O mesmo não observa o responsável noutras regiões do País, e até mesmo a nível nacional, onde identifica “uma existência, ou de uma insensibilidade, ou um desconhecimento, ou alguma relutância na participação de médicos veterinários nestes planos” que procuram organizar a proteção civil e a resposta a momentos de catástrofes. “A Ordem de Médicos Veterinários não entende essa resistência, mas pode assegurar que os médicos veterinários, sejam de atividade liberal, sejam os médicos veterinários municipais, estiveram, estão e estarão sempre prontos para fazer o seu papel nestas e noutras situações onde a saúde animal, a saúde humana e a saúde ambiental necessitem da sua intervenção, pois esta ‘Uma Só Saúde’ é a verdadeira razão da existência do médico veterinário”, declarou.
“A Ordem dos Médicos Veterinários defende a introdução de médicos veterinários em equipas de proteção civil, assim como a sua inclusão ativa em planos de contingência, quer regionais, quer nacionais.” – Pedro Fabrica, bastonário da OMV
Nessa medida, Pedro Fabrica reforçou na intervenção que é premente “reconhecer a necessidade de políticas públicas que integrem os profissionais de medicina veterinária nas equipas de resposta [a desastres], porque só assim conseguimos lidar de forma eficiente com as catástrofes protegendo as vidas humanas, os animais e o meio ambiente”.
Equipas de socorro e resgate “são quase profissionais em constante atividade”
Nas boas-vindas aos participantes, o anfitrião do simpósio acolheu as palavras de Pedro Fabrica, garantindo que “estamos alinhadíssimos em todas as áreas”.
Nuno Paixão sublinhou a importância de a medicina veterinária de desastre e catástrofe se integrar e funcionar no enquadramento nacional da proteção civil e congratulou-se por o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) estar atento a esta questão. O Provedor do Animal de Almada lembrou que o ICNF o convidou para “ter uma disciplina na pós-graduação de medicina de abrigo, exatamente sobre medicina veterinária de desastre e catástrofe, na qual estive várias aulas a ensinar o que era o Sistema Nacional de Proteção Civil, para que toda a gente saiba lutar por dentro e não por fora”.
Tem-se um melhor entendimento sobre a importância da integração do socorro animal na proteção civil quando se olha para o passado e se organiza a linha do tempo das várias catástrofes, como explicou o médico veterinário à VETERINÁRIA ATUAL. Em declarações à margem do encontro, Nuno Paixão lembrou que “tivemos o 11 de setembro em 2001, depois tivemos o furacão Katrina, em 2005. Antigamente estas equipas avançavam [para as catástrofes] e depois paravam e tinham tempo para descansar. Atualmente, estas equipas são quase profissionais em constante atividade” devido à constante ocorrência de situações, sejam catástrofes relacionadas com fogos, com cheias ou de outro tipo.
Esse cenário faz com que o grau de prontidão tenha de ser bem preparado e as equipas tenham de ter formação mais específica para dar respostas às necessidades dos animais e das populações. Até porque, admitiu o médico veterinário, a sociedade está mais desperta para a proteção e o bem-estar animal. Daí que, perante os cenários que assolam Portugal de tempos a tempos, “não é aceitável, hoje em dia, que tenhamos tantas perdas animais só porque não queremos pensar nisso”, frisou.
Formação é essencial
Laurentina Pedroso alinhou, igualmente, pela importância de criar no terreno estruturas para dar apoio aos animais em situações de emergência e catástrofe. A Provedora do Animal frisou, em declarações à VETERINÁRIA ATUAL à margem do encontro, ser imperativo “criar equipas que possam socorrer de uma forma muito profissional os animais, de maneira a podermos garantir o bem-estar e a saúde desses animais, mas também salvaguardando a saúde e o bem-estar das pessoas que os vão socorrer. Porque, de alguma forma, o resgate e o socorro envolvem técnica e a técnica precisa de formação”.
Todavia, a médica veterinária considera que há uma carência de formação específica nesta área. “Como Provedora, as duas primeiras medidas que propus ao Governo foram a criação de uma rede de resgate nacional que pudesse intervir nestas situações e estivesse preparada, com formação e com treino, para, de acordo com as várias espécies de animais – desde animais domésticos, animais de pecuária, aos silvestres – saber adequar no resgate desses animais”, lembrou, acrescentando que a outra proposta “foi a criação de uma rede que garantisse o apoio e cuidados a esses animais, posteriormente a serem resgatados. Propus, na altura, uma rede nacional de apoio médico-veterinário para esses animais em risco. Acho que a rede de resgate só faz sentido existir se, a seguir, houver uma rede de socorro”.
“O resgate e o socorro envolvem técnica e a técnica precisa de formação.” – Laurentina Pedroso, Provedora do Animal
Ideias que estão muito alicerçadas na forma como a sociedade passou a olhar para o bem-estar animal. Se há alguns anos, nos momentos de catástrofe, as ordens de evacuação se limitavam a pessoas, os animais ficavam para trás, hoje, nem os proprietários, nem a comunidade admite essa possibilidade, seja de animais de companhia ou de animais de produção. “A sociedade vai evoluindo no sentido do que é a emoção de ter um animal de companhia, por exemplo, que faz parte da sua família. Mas, também nos animais de produção que, ao fim e ao cabo, são importantes para a sobrevivência daquela família, porque são um fator económico. Ou de quem tem cavalos, que, muitas das vezes, são também os animais de companhia dessas pessoas”, argumentou a médica veterinária.
Mas, mais importante até que o fator económico, ressalvou a responsável, em Portugal os pequenos produtores – tantas vezes pessoas de idade avançada, que criam pequenas quantidades de animais – são uma vasta maioria para a qual os animais são “muito importantes do ponto de vista do estilo de vida, dos objetivos e das concretizações dessas pessoas terem uma ocupação no seu dia-a-dia”, lembra a Provedora do Animal, que reforça: “Aquele animal faz parte da família e também faz parte da saúde mental de quem o tem, do equilíbrio de vida das pessoas”.
Provedora do Animal com “esperança” no acolhimento das recomendações pelo Governo
Questionada à margem do simpósio sobre o mandato enquanto Provedora do Animal, Laurentina Pedroso revelou que, aquando da mudança de Governo em março 2024, viu o atual Executivo “depositar confiança na Provedora para continuar, pelo menos até ao termo do meu mandato, que é em julho”.
A dirigente revelou à VETERINÁRIA ATUAL que tem estado a ter “uma boa relação e a comunicar algumas das minhas recomendações” ao Executivo e até tinha estado reunida com o secretário de Estado da Agricultura, que detém a tutela da Provedora do Animal, nas vésperas do encontro em Almada.
“Estou com esperança de que algumas das minhas recomendações, que não tiveram tempo de ser adotadas pelo anterior Executivo, ainda possam adotadas por este. Afinal, a nossa causa na defesa e na proteção dos animais tem de ser soberana em relação a qualquer cor política”, rematou.