A cidade de Coimbra volta a receber mais uma edição do Fórum de Medicina e Gestão de Abrigos. Este ano, o encontro apresenta novidades, nesta que é uma temática cada vez com maior destaque nas preocupações de entidades oficiais, de profissionais de saúde veterinária e também da sociedade civil.
O Convento de S. Francisco, em Coimbra, vai receber a 15 e 16 de abril o IV Fórum de Medicina e Gestão de Abrigos. Desta feita, a edição de 2025 começa por apresentar como novidade, precisamente, o facto de decorrer durante dois dias, ao contrário dos encontros anteriores que tinham apenas um dia de trabalhos.
Mariana Portugal, do Serviço Médico Veterinário e Segurança Alimentar da Câmara Municipal de Coimbra, acrescenta ainda em conversa com a VETERINÁRIA ATUAL que, ao contrário das edições anteriores, em 2025 a organização deste ano junta os serviços municipais, a Escola Universitária Vasco da Gama (EUVG) e a Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC), numa tentativa de levar até ao mundo académico as preocupações e os desafios de quem trabalha na medicina veterinária de abrigo.
Segundo a responsável, “ainda não há essa valência, essa unidade curricular nas faculdades [de medicina veterinária], mas, na realidade, é uma área que está a crescer” e a ocupar um espaço cada vez maior nas preocupações da sociedade com o bem-estar animal. “Por exemplo, nos Estados Unidos da América só passou a existir um curso de medicina de abrigo em 1999, por isso, podemos considerar que esta é uma temática relativamente recente. Mas, efetivamente, é uma área que precisa crescer porque necessitamos, cada vez mais, de ter conhecimentos para perceber quais são as melhores soluções para problemas que são iguais na maioria dos municípios”, frisou ainda Mariana Portugal. Daí que, acrescenta, o Fórum tenha por objetivo, “para além de ser um espaço de divulgação de conhecimentos nesta área, ser também um momento de partilha de experiências entre os colegas” que têm de lidar com desafios que são transversais a várias regiões do globo, nomeadamente as matérias relacionadas com a sobrepopulação de animais errantes, sejam cães ou gatos, com o abandono animal e as questões que se levantam a respeito da visão One Health.
As expectativas da organização para este evento “são sempre altas e têm sido sempre superadas. Na última edição tivemos à volta de 300 participantes”, lembrou Mariana Portugal uma cifra que, espera, seja ultrapassada este ano pela participação não só de profissionais de medicina veterinária como também de forças de segurança, académicos, voluntários de associações de bem-estar animal, elementos dos corpos de bombeiros, ou seja, todos quantos se preocupam com a saúde e bem-estar animal.
“Efetivamente, [a medicina de abrigo] é uma área que precisa crescer porque necessitamos, cada vez mais, de ter conhecimentos para perceber quais são as melhores soluções para problemas que são iguais na maioria dos municípios.” – Mariana Portugal, médica veterinária do Serviço Médico Veterinário e Segurança Alimentar da Câmara Municipal de Coimbra
Um programa que vai da teoria à prática
O programa do IV Fórum está dividido em dois grandes temas: as sessões relacionadas com a temática One Health e as intervenções sobre a vertente de medicina veterinária de catástrofe.
Na vertente de saúde global está programada uma palestra da infeciologista da Unidade Local de Saúde de Coimbra, Magda Gonçalves, sobre a “Prevalência de Doenças Infecciosas Zoonóticas no CHUC”, à qual se segue a intervenção de Paulo Afonso, professor no Instituto Universitário de Ciências da Saúde (CESPU), dedicada ao tema “CRO’s: Sentinelas de Saúde Pública”.
Alexandre Azevedo, investigador do EUVG, abordará a temática “Animais errantes em Portugal – Atitudes e perceções”, que se estende depois à palestra de Susana Pombo, diretora-geral da Diretora-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), que falará sobre” Animais errantes – competências da DGAV no bem-estar animal”.
Está igualmente prevista uma mesa-redonda com uma “Discussão de Casos Clínicos – Tomadas de decisão em Medicina de Abrigo”, com a participação de nomes como Manuel Sant’Ana, especialista europeu em Ética e Bem-Estar Animal, Nuno Paixão, provedor do animal do Concelho de Almada, Paulo Afonso e Joana Gibson, docentes na EUVG.
A temática do bem-estar animal estará entregue a Manuel Sant’Ana, que fará uma palestra subordinada ao tema “Trabalhar com animais: como saber o que é melhor para eles”, uma visão que será complementada com a intervenção de Ana Neves, médica veterinária e professora na EUVG, que falará sobre “Alojamento e bem-estar de cães e gatos”, à qual se segue a palestra de Rodrigo Viola, médico veterinário, sobre “Comportamento canino e reabilitação social”.
Serão ainda abordados os temas “Contaminação parasitária dos parques públicos em Coimbra”, por Sérgio Sousa, professor da EUVG, e será feita uma “Introdução às guidelines de standards de cuidado em Medicina de Abrigos da ASV (Association of Shelter Veterinarians)”, pele médica veterinária Catarina Morais.
As médicas veterinárias Inês Oliveira e Rita Jorge, voluntárias nos Veterinários sem Fronteiras, irão contar as experiências das várias missões realizadas pela organização não governamental nos países de língua oficial portuguesa.
Os participantes têm também a oportunidade de ter uma visão mais prática de todas estas matérias nos vários workshops programados, nomeadamente “Simulacro – MV Forense Cenário de Suspeita de Crime – Como intervir?”, que estará a cargo de Anabela Santos Moreira, professora na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, o workshop “Comportamento Maneio e contenção com reforço positivo”, ministrado por Rodrigo Serrão, treinador de cães e voluntário no Centro de Recolha Oficial de Coimbra, e a formação “Atendimento ao público – Como lidar com a pressão dos munícipes – respostas assertivas no atendimento ao público”, da responsabilidade de Marta Videira, diretora técnica da Casa dos Animais de Lisboa, da Câmara Municipal de Lisboa.
Na perspetiva de Mariana Portugal, esta componente prática do Fórum dará a possibilidade aos participantes de ganharem uma visão mais aproximada dos teatros de ação. “Se estivermos numa formação prática, se virmos como é que alguém que sabe [destas matérias] reage, como funciona na prática o que nos está a querer ensinar, parece-me que se torna mais fácil assimilar o conhecimento do que estar a ouvir uma palestra ou só a ver powerpoint’s”.
Medicina de catástrofe: aprender a prevenir
O encontro tem também um grande foco na medicina veterinária de catástrofe, que ocupará a agenda de uma das salas de trabalhos. Está planeada a intervenção de Joana Oliveira, do Serviço Municipal de Proteção Civil de Coimbra, que falará sobre “Voluntários em Catástrofes – como organizar?” e, depois, em cena o convidado internacional desta edição, Aldair Pinto – médico veterinário, bombeiro civil, professor da Faculdade Arnaldo e Centro Universitário Uni-BH e mentor de duas equipas de resgate e socorro animal no Brasil – que vem falar sobre os temas “Equipas de intervenção imediata em situações de catástrofe”, “Resgates e capturas de animais errantes” e “Resgate Técnico de pequenos e grandes animais”.
Nuno Paixão, Provedor dos Animais de Almada com larga experiência em resgate e socorro animal nos Estados Unidos da América, abordará o tema “Abrigos de emergência temporários – onde, quem, como?” e também será responsável por mais uma das ações práticas do Fórum com a organização de um “Simulacro – MV Emergência – Como evacuar um alojamento de animais?”
“Equipamentos e contactos imprescindíveis para uma resposta eficaz em situações de catástrofe” é o tema da intervenção de Nelson Antunes, coordenador do Serviço Municipal de Proteção Civil de Coimbra nesta matéria de medicina veterinária de catástrofe.
Haverá ainda lugar para a intervenção de Diogo Themudo, professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro sobre o tema “Emergências decorrentes de situações de incêndios florestais”.
Quando o mundo está a braços com eventos naturais cada vez mais intensos – sejam períodos muito concentrados de chuva que resultam em cheias ou tempos de seca que levam a incêndios de dimensões inéditas – a sociedade já não se contenta apenas com a organização da resposta de resgate e salvamento de vidas humanas. Nessa medida, Mariana Portugal considera importante formar as entidades que se ocupam da saúde animal “para percebermos como é que, efetivamente, podemos lidar com estas situações, mesmo sabendo que é muito difícil estar totalmente preparados [para uma situação de catástrofe]”.
Mas, mesmo sendo imprevisível o resultado de uma cheia ou de um fogo florestal, para, pelo menos, mitigar as consequências, é imperativo “saber como funciona a proteção civil, com quem é que temos de trabalhar, quais são os contactos que temos de ter para podermos dar uma resposta integrada”, explica, uma responsabilidade que não deverá recair apenas nos serviços municipais, mas também nas associações de voluntários que recolhem e tratam animais, nas universidades, nas forças de segurança e nos profissionais de medicina “porque numa situação de catástrofe todos contam”, concluiu.