Em Portugal, o interesse pela fisioterapia e reabilitação tem vindo a expandir-se sobretudo na área de animais de companhia. Tal facto deve-se à maior ligação dos donos com os seus animais. “Cada vez mais os proprietários consideram o seu animal como parte integrante da família e, por isso, procuram um tratamento médico individualizado e de excelência. Contrariamente à crise económica, temos constatado que existe um número crescente de donos a investir na recuperação do seu animal até que se esgotem todas as possibilidades terapêuticas. Isso dá vida ao nosso trabalho e motiva-nos dia a dia para irmos mais longe”, defende Carina Ferreira, médica veterinária do IFRA-VetOeiras HVCLC.
A fisioterapia e a reabilitação podem e devem ser aplicadas em todos os animais, “inclusive nos cavalos, que são bastante sensíveis às terapêuticas de reabilitação e nos quais é possível alcançar excelentes resultados (segundo testemunhos de colegas de fisioterapia em cavalos). Podemos também aplicar algumas técnicas de reabilitação a alguns pequenos mamíferos, em especial nos coelhos que se demonstram colaborantes nas sessões”, avança Henrique Armés, médico veterinário e diretor clínico do Hospital Veterinário de São Bento (HVSB).
A Ortopedia é uma das especialidades que beneficia muito com os tratamentos de fisioterapia e reabilitação. “As técnicas mais utilizadas na recuperação de pacientes ortopédicos, nomeadamente displasia da anca, são a terapia manual, electroestimulação, laser, ultrassons e hidroterapia. É importante considerar que, geralmente, estas técnicas são utilizadas em conjugação e potenciam na sua eficácia na disfunção músculo-esquelética, que inclui o tratamento da dor, atrofia muscular, reabilitação do ângulo articular, entre outros”.
A fisioterapia tem dado um apoio fundamental à cirurgia ortopédica e inclusive algumas reabilitações só são possíveis com o apoio desta especialidade. “Acresce que, em alguns casos como pacientes ortopédicos geriátricos, a cirurgia não é, sequer, a solução. Nestes casos resta ao paciente o recurso a fisioterapeutas que, desta forma, têm a difícil tarefa de manter ou melhorar a qualidade de vida do paciente. No caso de necessidade de aplicar próteses de anca sabe-se que o sucesso depende, em muito, da preparação fisioterápica”, adianta o diretor clínico do HVSB.
Recuperação e qualidade de vida
A recuperação precoce do paciente cirúrgico e a melhor qualidade de vida são alguns dos resultados práticos mais evidentes da fisioterapia e da reabilitação. Por outro lado, pode ainda potenciar “uma interessante poupança em medicação analgésica e anti-inflamatória. Sem o apoio de fisioterapeutas, a tarefa de reabilitar alguns pacientes pode ser quase impossível. Por exemplo, preservar a função do membro amputado e manter a massa muscular, bem como a mobilidade articular durante o tempo de integração do implante, só é conseguido com recurso à fisioterapia, adotando um tipo de exercícios sem carga e de hidroterapia”, acrescenta o médico veterinário.
O Hospital Veterinário da Arrábida segue protocolos de reabilitação que obedecem ao princípio “respeitar a função motora e sensorial”, no sentido de a desenvolver e a estimular. “Num protocolo de reabilitação para uma situação de displasia da anca devemos sempre realizar em primeiro lugar o exame de fisioterapia, avaliando os andamentos, conformações, ROM articular (amplitude de movimento) e medição da massa muscular. É essencial procurar pontos de stresse e de tensão por forma a evitar contraturas musculares secundárias do quadrícipede femural, do pectíneo, e do sertório e ainda realizando sempre o maneio da dor”, explica Ângela Martins, diretora clínica do hospital. As técnicas de fisioterapia são realizadas passo a passo, com avaliações semanais e alterações de protocolo, se necessário. “Numa fase inicial realizamos os movimentos de cinesioterapia passivos, associados a exercícios propriocetivos para estimular a noção de equilíbrio e promover o centro de gravidade. O suporte do peso é de 60% nos membros anteriores e de 40% nos membros posteriores, muitas vezes uma posição incorreta do centro de gravidade e das cadeias de movimento levam a compressões cervicais e possíveis síndromes de Wobbler, devido à cronicidade das lesões”, acrescenta Ângela Martins.
No VetOeiras-HVCLC foi criada uma entidade isolada – IFRA (Instituto de Fisioterapia e Reabilitação Animal) – localizada num espaço independente do hospital (a cerca de 2km de distância) de forma a tornar o processo de referência transparente. “Os donos entendem que não estão a mudar de veterinário, mas sim a usufruir de um serviço externo que tem protocolo com o seu veterinário assistente, com o objetivo de providenciar o melhor tratamento para o animal em questão. O IFRA foi criado nesse sentido e estará de mãos dadas com os colegas de profissão. Será um espaço onde apenas se pratica fisioterapia, com acesso a todos os meios, de equipamento e de pessoal médico especializado na área da Medicina de Reabilitação”, explica Carina Ferreira.
Avanços recentes e os biomateriais
Os principais desafios da fisioterapia passam por sustentar cientificamente o trabalho que é feito nesta área através do desenvolvimento e publicação de estudos. Além disso, “aperfeiçoar e desenvolver novas técnicas para aplicação nos animais, e especificamente em Portugal divulgar esta área e formar mais veterinários”, afirma Catarina Costa, diretora clínica da Fisiopet. Atualmente, os grandes avanços a nível de técnica cirúrgica e de implantes biomateriais centram-se no desenvolvimento das próteses de cotovelo, joelho e anca. “Com os avanços no desenvolvimento de próteses de cotovelo, joelho e anca conseguiremos, na prática, recuperar membros que tinham perdido a sua função ou atuar eficazmente em situações de dor crónica, através da utilização de biomateriais. Estas técnicas permitem alcançar resultados extraordinários, devolvendo ou maximizando a qualidade de vida dos animais intervencionados”, explica Carina Ferreira.
A nível cirúrgico há cada vez mais uma consciência dos cirurgiões em relação aos passos a seguir nos períodos pré e pós cirúrgicos, relacionados com a reabilitação, e que vão permitir um melhor retorno à função e uma recuperação mais rápida após a intervenção. “No período intracirúrgico sabe-se cada vez mais que a preservação das estruturas musculares, ligamentosas, ósseas e cartilagíneas, nervosas e vasculares, vão permitir uma recuperação mais célere e fisiológica”, explica Catarina Costa. Em termos de novos materiais, a diretora clínica da Fisiopet destaca “as novas próteses biónicas, que permitem o crescimento de pele por cima da prótese, e que permitem que mesmo um animal amputado volte a caminhar sobre quatro membros novamente. Este avanço permite manter toda a estrutura do animal e a sua biomecânica o menos alterada possível, prevenindo lesões a longo prazo dos membros não afetados, e desvios a nível da coluna vertebral.” Melhores tempos de recuperação, maior quantidade e qualidade dos movimentos e menos lesões a longo prazo são os grandes benefícios conseguidos com os avanços nesta área.
Benefícios da hidroterapia
A hidroterapia permite a correta mobilidade dos membros, sem o efeito negativo do peso, minimizando o efeito da gravidade patente durante a marcha. “Do ponto de vista biomecânico, a hidroterapia é ideal para problemas articulares. Geralmente, animais com doença degenerativa articular são mais pesados e sedentários. Nestes casos fazer exercício e diminuir peso torna-se uma necessidade. Nenhum outro exercício tem maior benefício e eficácia na recuperação de mazelas articulares do que a hidroterapia e é por isso insubstituível nesse tipo de reabilitação”, defende Henrique Armés.
Um dos grandes benefícios da hidroterapia baseia-se “na redução da carga sobre as articulações através da nivelação da água em relação ao corpo do animal, permitindo um exercício menos doloroso. A resistência oferecida pela água promove um aumento da massa muscular, perda de peso e aumento da função cardiovascular; a sua pressão hidrostática reduz os inchaços e edemas locais; a sua gravidade específica promove um efeito estabilizador e de impulsão, o que permite que os animais realizem movimentos dentro de água que não conseguem realizar em piso térreo, originando uma melhoria da proprioceção”, explica Carina Ferreira. Esta modalidade pode ser realizada nas piscinas e na passadeira aquática submersa.
“A hidroterapia permite, através da flutuabilidade e da viscosidade (propriedades da água) o estímulo da noção de estação e de equilíbrio, enquanto através da resistência, tensão superficial e turbulência permite uma atividade muscular superior à realizada a nível terrestre. Permite ainda a redução de edemas devido à pressão hidrostática que estimula a circulação de retorno e assim uma melhor circulação dos tecidos, levando a um aumento da hidratação e oxigenação dos mesmos.
A hidroterapia é recomendada para patologias ortopédicas e neurológicas, podendo ser aplicada em ambas como modalidade de reabilitação, tanto no tratamento conservativo, como no tratamento pós-cirúrgica”, revela Ângela Martins. A hidroterapia permite que o corpo possa ser trabalhado e movimentado num meio com reduzida carga articular, permitindo assim o uso de articulações que estejam dolorosas de uma forma mais confortável. “A pressão hidrostática ajuda a reduzir os edemas, melhora a circulação sanguínea e a drenagem linfática. A resistência exercida pela água permite um fortalecimento muscular e um aumento da resistência cardiovascular. Quando trabalhamos com água aquecida, a temperatura tem um efeito relaxante sobre a musculatura, propiciando um maior relaxamento muscular e alívio consequente de tensões musculares acumuladas”, diz-nos Catarina Costa.
Que futuro?
Para Henrique Armés, a fisioterapia e a reabilitação são “das áreas mais promissoras da medicina veterinária”. Na sua prática clínica “são os donos de cães com patologia neuromuscular que demonstram maior disponibilidade para este tipo de tratamentos”, mas é notório que o potencial deste mercado “se encontra ainda numa fase de subaproveitamento”. A fisioterapia animal deve ser praticada por pessoas com conhecimentos veterinários precisos. “Para reabilitar são exigidos conhecimentos cardíacos, ortopédicos e neurológicos e embora as enfermeiras veterinárias ou técnicos especializados sejam essenciais e primordiais nesta área, devem ser chefiados por um médico veterinário da área da reabilitação. O futuro desta área deve passar pelo trabalho intenso, baseado na formação e na especialização”, acrescenta Ângela Martins.
A acreditação generalizada por parte da classe veterinária no serviço médico da fisioterapia e da reabilitação é um dos grandes desafios nesta área. “Ainda somos poucos profissionais dedicados à área, mas estou confiante de que o trabalho desenvolvido está a direcionar-se num bom caminho. Espero que a fisioterapia seja incluída numa vertente integrada do planeamento cirúrgico, onde o plano de reabilitação do animal já estará equacionado e planeado com os proprietários, à partida”, defende Carina Ferreira. A veterinária espera ainda que os seguros de saúde animal contribuam na comparticipação deste serviço médico, o que traria “enormes benefícios a nível clínico e a nível económico a longo prazo, quer para os donos, quer para as seguradoras”. O futuro da fisioterapia passa “pela criação de centros especializados de referência em fisioterapia para onde os colegas poderão referenciar os animais sem correrem o risco de perder o cliente”, diz-nos Carina Ferreira.
Técnicas de fisioterapia
– Começando pela parte dos exercícios terapêuticos, podem não envolver nenhum tipo de equipamento (exercícios passivos), ou podem ser assistidos por algum tipo de equipamento (tábuas de proprioceção, Cavalleti Rails, obstáculos, Fisiobolas, entre outros).
– Existem ainda técnicas como eletroterapia, laserterapia, magnetoterapia, ultrassons, termoterapia, crioterapia, massagens, hidroterapia, entre outras.
– As diferentes técnicas têm uma vasta gama de aplicações nas diferentes patologias. Por exemplo, para um tratamento de manutenção de um animal assintomático com displasia de anca, a hidroterapia será a técnica de eleição.
– Para tratamento de artroses, a laserterapia apresenta ótimos resultados. Mas na maior parte dos casos há uma conjugação das técnicas disponíveis de forma a fazer um trabalho mais completo e a recuperar o animal o mais rapidamente possível.
Fonte: Catarina Costa, diretora clínica da Fisiopet