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Opinião

Tendências do sector veterinário

Tendências do sector veterinário

Durante a minha palestra na 8ª edição do Vetbizz – Encontro Anual de Gestão Veterinária tive a oportunidade de apresentar algumas tendências do sector veterinário. Mas mais importante que isso foi a participação de toda a plateia através de uma dinâmica interactiva, em que as pessoas puderam responder a questões via smartphone, cujos resultados iam sendo apresentados em tempo real no powerpoint que estava a ser projectado, e de forma totalmente confidencial. Pedi que fossem apenas profissionais que trabalham diariamente com CAMVs a responder ao inquérito, nomeadamente directores clínicos, médicos veterinários e gestores. Num universo superior a 200 participantes, tivemos um total até 113 a responder ao questionário. De início quis saber qual a amostra que tinha para este estudo:

  • Tipologia do CAMV: 30,1% eram Hospitais, 40,7% Clínicas, 14,2% Consultórios e 15,0% outras entidades, nomeadamente Petshops, Pet Hotéis e Pet Spas;
  • Antiguidade do CAMV: 3,8% tinha menos de 1 ano, 5,7% de 1 a 3 anos, 7,6% de 3 a 5 anos, 27,6% de 5 a 10 anos e 55,2% com mais de 10 anos.

Tendências do sector veterinário

 

Perante o âmbito do evento, cujo segmento-alvo são os profissionais de veterinária que demonstram interesse pela área da Gestão, esta amostra não me surpreendeu: estavam maioritariamente estruturas maduras, muitas delas consolidadas, sendo que cerca de 1/3 eram Hospitais Veterinários. Não obstante, cerca de 55% da amostra correspondia a Clínicas e Consultórios.

O mercado veterinário (CAMV) está a apresentar crescimentos assinaláveis nos últimos anos, em termos de volume de negócios, tendo alcançado 173 milhões de euros em 2017, sendo a minha previsão para 2018 de um crescimento entre os 10% e 15%, ou seja, muito próximo dos 200 M€.

 

 

 

Cerca de 33,3% indicou que estava a crescer a dois dígitos, dos quais 9,8 p.p. estava a crescer acima dos 20%, o que não deixa de ser digno de destaque. Surpreendente foi descobrir que 24,5% dos presentes não tinha a mínima noção de qual era o seu crescimento (ainda que apresentado em intervalo de valores) e cerca de 2% indicou que o seu negócio decresceu. Para os próximos 12 meses, os participantes mantêm uma perspectiva positiva para o seu negócio, ainda que um pouco menos optimista. A maioria dos participantes (37,4%) respondeu que o seu negócio crescerá entre 5% e 10%, havendo mais de 20% de participantes que acreditam que o seu CAMV crescerá mais de 15%.

 

Temos em Portugal 1.518 CAMV (à data de Julho/2018), mais 80% do que tínhamos há meia de dúzia de anos. A questão que se coloca é se esta “febre” de abertura de novos CAMV/ Petshops/ Pet Spas/ Pet Hotéis manter-se-á nos próximos tempos e a resposta foi elucidativa: 25,5% tenciona abrir uma nova unidade nos próximos 12 meses e 4,3% ainda está na dúvida se o fará. Ou seja, potencialmente cerca de 1/3 dos participantes pretende expandir o seu negócio através da abertura de novas unidades.

Ao contrário do que se verificou há uns anos, neste momento os CAMV estão cada vez mais preocupados com a fidelização, retenção e reactivação de clientes, pois a tendência de captação de novos clientes tem vindo a diminuir no último triénio, conforme se pode observar no gráfico retirado do Observatório do Mercado (OMV). Os micromercados saturam-se e, subsequentemente, assiste-se a uma diminuição do ritmo de captação de novos clientes.

De clínica a hospital

Após um período de maior movimento e tendência de upgrade de clínicas para hospitais, neste momento apenas 8,5% dos CAMV tenciona passar para Hospital, ainda que haja 10,6% que está na dúvida se deve dar este passo. Os CAMV têm cada vez mais consciência das dificuldades de gestão de recursos humanos, horários, processos e operações num Hospital. Um serviço permanente implica necessariamente maior sacrifício pessoal e profissional dos envolvidos e, inevitavelmente, uma menor qualidade de vida. E, em muitos casos, diminuição da rentabilidade líquida do negócio.

 

Quando questionados se estão a pensar nalguma operação de concentração (fusão, aquisição ou venda) cerca de 16,3% respondeu afirmativamente e 26,1% refere que não está a pensar nisso, mas que gostaria de estar envolvido numa operação dessa natureza. Num sector cada vez mais concorrencial e fragmentado mantenho a ideia que teremos várias operações desta natureza nos próximos anos.

Preços

É sabido que o sector veterinário não pratica preços em conformidade com o seu nível de qualificação profissional e que consultas a 25€ não elevam nem dignificam a classe médico-veterinária, no entanto é a realidade. Naturalmente que nos anos mais recentes, as estruturas low cost acabaram por ter um efeito psicológico no sector, não contribuindo para uma estratégia (mais integrada) no aumento dos preços. Cerca de 49,5% acredita os preços médios dos serviços veterinários irão aumentar nos próximos 2 anos, mas é curioso como aproximadamente 42,9% indica que os preços irão manter-se (o que na realidade significa uma diminuição, dado o efeito da inflação). Cerca de 7,7% dos inquiridos considera mesmo que os preços irão diminuir nos próximos 2 anos.

 

Questionei a audiência quais eram as áreas da gestão em que sentiam maiores dificuldades e a resposta não foi surpreendente: 40,1% referiu serem os Recursos Humanos, 25,7% Processos Internos (necessidade de optimização) e 17,1% o Marketing e Controlo Financeiro e Fiscal, em ex-aequo com a mesma percentagem de respostas. Temo pelos potenciais conflitos geracionais que possam vir a surgir num par de anos entre a nova geração “Z” dos Digital Natives (nascidos após 1998 e que, entretanto, integrarão o mercado de trabalho) e a geração “X” (que nasceram no início dos anos 60 até o início dos anos 80). Se os Millennials (geração “Y”) têm sido alvo de tantas tertúlias e são acusados de privilegiar a sua vida pessoal em detrimento da vida profissional, o que será que poderemos contar com os Digital Natives? Um desafio muito interessante ao qual todos estaremos seguramente muito atentos.

 

Contudo, quando questionados quais são as áreas onde pensam investir mais, a resposta foi contundente: cerca de 44% pretende apostar mais na optimização dos Processos Internos, indiciando claramente que o Lean Management é uma aposta dos CAMV, pois é uma filosofia de gestão centrada na melhoria da produtividade, reduzindo ou eliminando custos e tempos, com vista a promover as actividades que realmente acrescentam valor para o Cliente. O Marketing também registou um aumento do seu peso relativo, perfeitamente compreensível pelo aumento da competitividade do sector veterinário e nível de exigência dos tutores.

Serviços de bem-estar

Temos vindo a registar nos últimos anos um aumento do volume de negócios dos serviços de bem-estar, em particular dos banhos, tosquias e hotel animal. Mais de 47% dos participantes considera que esta área de negócio irá aumentar o seu peso relativo no total da facturação do seu CAMV, o que valida o que temos observado no mercado. Estes serviços de bem-estar representam em média entre 2% e 4% do total da facturação de um CAMV, sendo que com a crescente abertura de unidades específicas para estes serviços estimo que nos próximos 2 anos o peso relativo possa representar entre 3% e 5%.

Contabilidade

Um outro problema que assiste os CAMV está relacionado com a falta de controlo de gestão, em grande parte potenciado pelo papel menos activo da sua contabilidade. A maior parte das estruturas ainda conta com o tradicional “guarda-livros” (o contabilista que apenas se preocupa em pedir os documentos e emitir as guias de imposto) em vez de assumir o papel de “controller de gestão”, um verdadeiro parceiro de negócio. É fundamental que o contabilista: a) conheça a realidade médico-veterinária e reúna-se periodicamente com o director clínico/gestor; b) produza mapas de gestão para a gerência (ex.: mapa de exploração mensal ou controlo orçamental); c) faça um correcto processamento salarial; d) realize um planeamento financeiro e fiscal atempado (ex.: mapa previsional de tesouraria e estimativa do IRC a pagar); e) esteja muito bem preparado para a gestão da relação com o IEFP e Segurança Social, pois as leis estão sempre a mudar! Cerca de 59,1% dos inquiridos referiu que tem um “guarda-livros” no seu CAMV. Sintomático.

Alimentação natural e Planos de Saúde

Apenas 31,7% dos inquiridos tenciona apostar na alimentação natural para pets, sendo que 25,6% ainda não se debruçou sobre esse assunto. Os Planos de Saúde têm sido amplamente divulgados nos anos mais recentes, contudo ainda têm uma expressão muito residual no mercado veterinário. O conceito é muito positivo e faz todo o sentido, no entanto o povo português ainda não está devidamente formatado para a medicina preventiva (vs. medicina terapêutica). É uma questão de natureza psicográfica que levará certamente muito tempo a ser contornada.

Na resposta à questão “tem planos de saúde no seu CAMV” realço os 41,6% dos participantes que refere não ter avançado para esta solução por ter dúvidas em relação à sua rentabilidade. Na realidade, o receio destes CAMV é que a maior parte dos clientes de planos de saúde sejam os que já estão fidelizados, diminuindo, por conseguinte, a rentabilidade neste segmento de clientes. Outra questão que muitas vezes se levanta nos CAMV é qual o modus operandi para a gestão dos fees que os clientes pagam (ex.: mecanismos de controlo informático, gestão de débitos directos, gestão dos produtos compostos, entre outros).

Marketing, comunicação e redes sociais

O negócio gira cada vez mais à volta do Cliente e acções de marketing e comunicação são fundamentais para potenciarmos o relacionamento multicanal com os clientes, numa lógica de Customer Centricity. Há uns anos um CAMV gastava, em média, entre 3% a 5% do total da sua facturação em acções de Marketing. Neste momento, o intervalo varia entre 5% e 7%. Curiosamente, 68,5% dos participantes referiu que gastava menos de 5% do total da sua facturação.

 

Outras das tendências do sector, e que ganha cada vez mais força pelas novas funcionalidades e dinâmicas de interacção que vão surgindo, é a gestão de redes sociais. Nesta análise descarta-se de imediato o LinkedIn (página institucional) e o Twitter, por não terem qualquer expressão no panorama nacional. O Facebook continua a ocupar o primeiro lugar do pódio, mas de realçar a ascensão meteórica do Instagram como canal de relacionamento com os Clientes, e que aposta muito no aspecto visual (fotos e vídeos). Esta rede social tem registado um crescimento assinalável no sector veterinário, em particular nos Insta Stories. É fundamental que os CAMV compreendam que os conteúdos que mais engagement geram são os que são produzidos no próprio CAMV (ex.: festa de aniversário de um elemento da equipa, eventos, o antes e depois de uma cirurgia, uma sessão de fisioterapia, o resultado de um banho ou tosquia, entre muitos outros). No fundo temos que contar histórias felizes! Relatar situações que despertem as emoções dos tutores. Cerca de 55,3% dos participantes referiu que não faz sentido ter uma empresa externa a gerir as suas redes sociais, sendo que 18,8% já tem esse serviço subcontratado e 25,9% está a pensar em ter.

Tendências do sector veterinário

O postal, outrora um canal privilegiado de envio de recordatórios de vacinas (e até desparasitações), está cada vez mais em desuso. Além das moradas potencialmente erradas, tem um custo unitário nunca inferior a 0,53 € (sem considerar o postal e a mão-de-obra).  Os emails têm uma taxa de abertura inferior a rondar os 18%, pelo efeito do spam. Os recordatórios por telefone costumam ter um impacto muito interessante, contudo está limitado a um segmento de clientes que tem disponibilidade para atender. Funcionam bem em meios menos urbanos. Os SMS têm a vantagem de terem uma taxa de abertura de 99,1% e serem “telegramáticos” e não invasivos. As mensagens via whatsapp são manuais e estão dependentes da internet. A sua massificação e automatização não está para breve. Em suma, os SMS são claramente o canal privilegiado para a comunicação digital com os Clientes, havendo surpreendentemente 11,6% dos participantes que refere que não envia qualquer tipo de recordatórios aos seus clientes.

O conceito de Practice Manager (gestor) não está devidamente enraizado no mercado veterinário português, até pela dimensão que este tem. O Practice Manager nos nossos CAMV acaba por ter um papel demasiado abrangente, pois lida com todos os assuntos (e mais alguns) do dia-a-dia do CAMV. O foco deveria ser nas áreas da gestão estratégica, marketing, recursos humanos, gestão de operações e finanças. Por norma não têm uma descrição clara das suas funções. No fundo, este profissional acaba por ser mais um Gestor de Operações, do que propriamente um Practice Manager.

Por outro lado, um gestor que nunca teve experiência com CAMVs terá uma dificuldade acrescida no conhecimento da realidade médico-veterinária e das suas especificidades. Uma das tendências que identifico para os próximos anos é a criação de cursos certificados de Practice Management, pois a evolução do nosso mercado obriga-nos a uma crescente profissionalização da gestão de clientes, colaboradores, fornecedores, processos, operações, entre muitas outras situações da rotina diária de um CAMV. São já dezenas de estruturas a nível nacional que já necessitam de um Practice Manager a full time. Mais de 1/3 dos participantes afirmou já ter uma pessoa dedicada apenas à gestão, sendo que 9,4% está a pensar em contratar num futuro próximo.

É consensual que o “mito” do excesso de médicos veterinários não passa disso mesmo. De um mito. Mais de metade dos participantes está à procura de médicos veterinários, sendo de destacar os 9,8% dos inquiridos que afirma necessitar pelo menos 3 médicos veterinários!

A mesma tendência também se começa a verificar ao nível dos enfermeiros veterinários: 16,9% dos inquiridos estão à procura de um enfermeiro veterinário, 5,2% de dois e 9,1% de mais de dois enfermeiros veterinários.

Quando questionados se já estão a apostar numa cultura de especialização dos seus CAMV, com a contratação de médicos veterinários especialistas, 36,4% respondeu afirmativamente e 13,0% indica já estar a pensar nisso. Todavia, mais de metade dos inquiridos (50,6%) referiu que ainda não está a apostar em veterinários especialistas (recordo que 30,1% dos inquiridos pertencem a hospitais).

Com a crescente escassez dos médicos veterinários no mercado nacional, impera a teoria económica da elasticidade do preço-procura: se há menos veterinários e mais CAMV, os salários médios sobem, naturalmente. Os seus salários médios têm vindo a aumentar nos últimos 12 meses: 6% a 10% no Norte e 5% a 8% no Sul. A aliar a esta menor oferta há uma exigência cada vez maior dos veterinários na gestão dos seus horários (ex.: não fazer urgências, fins-de-semana, noites) de forma a manter um certo equilíbrio na vida pessoal. A questão que coloco é a seguinte: esta forma de estar na vida é compatível com a realidade médico-veterinária? Pois. Os salários reais médios (acima da inflação) dos médicos veterinários tende a aumentar nos próximos anos. Cerca de 30,4% dos inquiridos referiu que os salários da sua equipa médica aumentaram entre 5% e 10% e 16,5% dos inquiridos afirmou que os salários subiram mais de 10%.

Seguros de saúde animal

Por último, cerca de 38,6% dos participantes acredita na afirmação dos seguros de saúde animal nos próximos anos, 24,1% não acredita e 37,3% afirma ter dúvidas. Na minha opinião é fundamental que as seguradoras repensem a forma de comunicar no mercado, apostando mais numa estratégia push, utilizando canais above-the-line (imprensa, TV, rádio) para sensibilizar os tutores para a importância e benefícios dos seguros de saúde animal. Por outro lado, dever-se-á reformular a proposta de valor de forma a que seja inequivocamente um bom negócio para os CAMV e para os seus Clientes. Acredito que este produto ainda vá “dar cartas” nos próximos anos, mas tal como os planos de saúde, carece substancialmente de um trabalho de forte sensibilização dos stakeholders associados.

Enfim, tenho consciência que muitas outras questões relevantes ficaram por responder, mas acima de tudo agradeço a todos os participantes do estudo de mercado, pois contribuíram certamente para uma melhor compreensão do mercado veterinário, assim como perceber quais são as tendências do sector veterinário para os próximos anos.

(O autor escreve de acordo com a antiga ortografia)

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