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Médicos Veterinários

“Praticar preços baixos não é uma lógica de lucro”

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Falar de dinheiro em Portugal causa sempre um certo constrangimento, mas Rodrigo Riba de Ave considera que esse tabu tem de cair de vez, sobretudo entre quem trabalha por conta própria. O médico veterinário esteve no congresso que reuniu os profissionais que se dedicam aos equinos e não teve pudor em reconhecer que a atividade tem de dar lucro. Aliás, essa é a forma para salvaguardar a qualidade dos cuidados prestados aos clientes e, em última análise, aos animais.

A par das questões científicas e técnicas do quotidiano veterinário, no Congresso Anual da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários de Equinos (APMVE), que este ano decorreu na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa a 25 e 26 de outubro, houve também espaço para abordar as matérias relacionadas com a organização do profissional que se dedica à saúde e bem-estar dos cavalos.

Afinal, como lembrou Inês Leal Reis, presidente da APMVE, neste ramo da medicina veterinária “quase todos trabalham por conta própria e a parte da gestão das finanças vai ter de passar por nós”. Contudo, como reconheceu a dirigente, não raras vezes, os profissionais centram toda a sua atenção na componente da arte médica veterinária, “mas esquecemo-nos do resto: de faturar, de contabilizar e de tudo o resto [que implica a prática da profissão]”.

Para abordar essa vertente mais orientada para a organização financeira do profissional médico-veterinário, o programa do encontro contemplou a conferência “Finanças e Gestão: a claudicação n. º1 do veterinário”, que encerrou o primeiro dia de trabalhos.

O momento esteve a cargo de Rodrigo Riba de Ave, médico veterinário fundador da Horsevet Team, que já tinha estado anteriormente num congresso da APMVE a falar de claudicação. Com graça, o orador anunciou que este ano ia fazer o mesmo “falar de claudicação, mas de outra espécie que é a nossa”. Por “nossa”, entendam-se médicos veterinários a trabalhar unicamente com equinos e de forma independente. Os chamados trabalhadores por conta própria ou profissionais liberais, com todos os encargos e especificidades que estão associados a esta categoria profissional.

A premência da temática explica-se porque “apesar de termos uma vida muito atarefada, com pouco tempo para tudo, temos de parar um bocadinho para pensar nesta questão das finanças”, frisou o orador, reconhecendo que essa componente, tantas vezes esquecida ou relegada para segundo plano, “afeta diretamente a qualidade do serviço que prestamos”.

“Fazer preços mais baixos para conquistar clientes é uma mentira que precisa de ser contestada. Os clientes ganham-se por fazer o serviço com competência, no momento certo e entregar a solução que o cliente precisa. Trabalho com competência é a chave” – Rodrigo Riba de Ave, médico veterinário de equinos

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Apesar de não ter formação em finanças pessoais, o que Rodrigo Riba de Ave fez durante a apresentação foi falar do seu exemplo, assente em largos anos de experiência no terreno, com os erros e os acertos que lhe trouxeram os ensinamentos que decidiu partilhar com os restantes profissionais que assistiam ao congresso. Afinal, sublinhou, “sou apenas médico veterinário e sofro na pele aquilo que sei que muitas pessoas sofrem”. E o caminho até agora percorrido incluiu algumas contrariedades, como admitiu: “Tive de para e considerar o que andava a fazer. Vi que perdia dinheiro todos os meses”. Pelo menos, até ter encontrado a organização que lhe permitiu trazer mais tranquilidade financeira para a vida profissional e para a vida pessoal.

Os primeiros conselhos de Rodrigo Riba de Ave foram para os mais jovens, que ainda estão nos bancos da faculdade ou que estão a dar os primeiros passos enquanto médicos veterinários dedicados à saúde dos equinos. Ainda assim, podem ser aplicados a todos os profissionais que estão a trabalhar por conta própria e precisam de estabelecer preços para os serviços que praticam. A ideia de que, para conquista clientes, sobretudo numa fase inicial da profissão, a melhor estratégia é “atacar pelo dinheiro, fazendo os serviços mais baratos, é uma prática muito comum nas pessoas mais novas, mas tem vantagens e muitas desvantagens e, na minha modesta opinião, tem mais desvantagens do que vantagens”. A ideia implícita na declaração do orador é que, ao prestar um serviço com baixo valor, é provável que o profissional até ganhe o caso. Contudo, num próximo contacto do cliente, ele continuará a querer que o preço se mantenha e o profissional ao subir o valor aumenta a probabilidade de perder o cliente. “Na minha modesta opinião, há que ter uma organização – seja na forma de uma empresa ou em nome individual – que tem de seguir a lógica de lucro. Praticar preços baixos não é uma lógica de lucro”, defendeu o médico veterinário. Afinal, acrescentou, se o profissional não tiver esta visão, “a vida vai mostrando que trabalhamos muito, passam-se anos em que estão a trabalhar e a chegar ao fim do ano ou do mês e não têm dinheiro”. Um cenário que acabará a levar o profissional a procurar ajuda entre a família o que, “psicologicamente, para o veterinário, é degradante, porque passa seis anos a estudar e depois precisa de ir pedir dinheiro aos pais”, pois não consegue viver, nem pagar as contas com o rendimento que tem do trabalho.

Assim sendo, Rodrigo Riba de Ave considera que “fazer preços mais baixos para conquistar clientes é uma mentira que precisa de ser contestada. Os clientes ganham-se por fazer o serviço com competência, no momento certo e entregar a solução que o cliente precisa. Trabalho com competência é a chave”.

Como organizar a vida profissional e não viver em stress permanente

Determinante para quem trabalha por conta própria é a relação que estabelece com todos os agentes com quem tem de lidar.

Em primeiro lugar, com os bancos. “Temos de trabalhar com eles”, admitiu o orador, seja para os atos simples de pagamentos ou transferências, mas também para a concessão de crédito na aquisição de equipamentos ou de diversos materiais. O truque neste campo, segundo o orador, é estar atento às comissões cobradas pelas entidades bancárias, obviamente escolher as que praticam valores mais baixos, e ponderar ter conta aberta em dois bancos. Desta forma será possível avaliar as melhores condições de crédito de ambas as entidades em caso de necessidade e, por exemplo, usar uma das contas apenas para o pagamento de impostos, como o IVA.

O Estado é outra relação a que é preciso prestar atenção. Pagar todas as obrigações a tempo e horas é fundamental para evitar as multas e, nessa medida, o orador aconselhou os profissionais a tirarem uma manhã por semana para organizarem as faturas e tratarem dessas questões fiscais.

A relação com os fornecedores também se rege pelo mesmo princípio – pagar tudo no prazo estipulado – desta feita para manter uma relação profissional com base na honestidade, o que poderá possibilitar negociar preços, negociar prazos de pagamento e as margens de lucro.

A relação com os clientes “é obviamente muito importante”, constatou Rodrigo Riba de Ave. Ainda assim, a bem da saúde mental e da saúde financeira, o profissional veterinário não deve esquecer nunca que falar de dinheiro e pagamentos não deve ser um tabu. “Devem estipular os prazos de pagamento por parte do cliente e informá-lo disso. E se sabe que tem de pagar e não paga, temos de lhe enviar o lembrete. Se continuar a não pagar, recordamos que o caso vai para o advogado e se continuar a não pagar, aí segue a minuta do advogado. A partir do momento em que não há respeito pelo nosso trabalho, e o respeito é pagamento, temos de ser perentórios e não podemos deixar passar”, frisou.

O orador reconhece que esta atitude é pouco praticada em Portugal, onde ainda parece haver um certo pudor em falar de dinheiro. Uma atitude mais assertiva, como a que sugeriu, pode ser vista como algo “pesado e parecer muito antissocial, mas já trabalhei em países diferentes e aprendi a lidar com o dinheiro de uma forma muito mais fria. Nós lidamos com o dinheiro quase com vergonha” e esse complexo pode ter repercussões ao nível da vida financeira do médico veterinário e, em última instância, na saúde mental pelas preocupações que acaba por gerar.

Outra dica deixada pelo médico veterinário é a criação de fichas de clientes muito completas. Devem estar atualizadas, ter informação precisa e com frases curtas para facilitar a consulta e, sobretudo, devem ser ferramentas importantes para a organização do trabalho. Por exemplo, para enviar recordatórios aos clientes na altura das vacinas, da desparasitação ou da avaliação de dentisteria. “Tudo isto é dinheiro que está do vosso lado para poder ganhar. Se não mandarem esses recordatórios, o cliente não se vai lembrar [de vocês] e pode chamar outra pessoa [para esse trabalho]. Se chamar outra pessoa, é dinheiro que perderam por vossa culpa”, admitiu.

Houve um ponto que Rodrigo Riba de Ave reconheceu: “Mudou a minha vida ter uma tabela de preços detalhada, quer para produtos, quer para serviços”. Este pormenor permite enviar ao cliente orçamentos muito detalhados que ajudam a estabelecer uma relação de confiança e clareza. E não esquecer de cobrar ou enviar a fatura ao cliente no próprio dia da prestação de serviços. “Diminui a quantidade de trabalho, melhora a vossa saúde financeira e o saldo”, afirmou.

Outro ponto em que foi perentório: “Não façam descontos por sistema nas vossas faturas. Os descontos aplicam-se como os saldos em épocas. Podem ser utilizados em situações pontuais, mas sejam minuciosos”.

O que é igualmente importante – tanto para quem decida abrir uma empresa, como para quem trabalhe como profissional liberal – é “estabelecer um salário realista e paguem-se primeiro”. O orador admitiu que esse foi também um passo importante para mudar o decurso da vida profissional. Anteriormente, lembrou, pagava primeiro a fornecedores, ao Estado e aos bancos e “no fim estava falido, deprimido, mas os outros estavam satisfeitos. Se a vossa saúde mental não estiver boa não vão conseguir pagar a ninguém”, rematou.

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