A corporatização das clínicas veterinárias está a ganhar força na Europa, com grandes redes a dominar o setor e a alterar a dinâmica da profissão. De acordo com pesquisa da Federação de Veterinários da Europa (FVE), 16% dos veterinários atuam em práticas corporativas, com destaque para países como o Reino Unido (44%), Suécia (34%) Noruega (27%), Lituânia (26%) e Portugal (21%).
A investigação da FVE – “Quo Vadis: A corporatização está a remodelar os cuidados veterinários com animais de companhia na Europa?” – também revela que a propriedade independente das clínicas diminuiu de 35% em 2015 para 27% em 2023, evidenciando a crescente concentração do mercado.
O novo cenário da medicina veterinária
Grandes empresas como a IVC Evidensia, CVS Group e Mars Petcare estão a dominar o mercado europeu, com diferentes modelos de gestão e uma expansão acelerada em diversos países. Para os veterinários, as práticas corporativas oferecem benefícios como estabilidade financeira, acesso a novas tecnologias e estrutura administrativa. No entanto, esses avanços trazem também desafios, como o aumento dos custos para os tutores e a crescente preocupação com a independência na tomada de decisões clínicas.
A pesquisa revelou que os veterinários em práticas corporativas têm uma carga horária similar à dos independentes (entre 37 e 43 horas semanais), mas usufruem de uma maior quantidade de dias de férias remuneradas. No entanto, muitos profissionais apontam uma pressão crescente para atingir metas financeiras, o que pode prejudicar o compromisso da profissão com o bem-estar animal.
Regulação e concorrência: a resposta dos Governos
O crescimento das grandes redes corporativas no setor veterinário tem gerado discussões regulatórias. Em países como França, Itália e Alemanha, a legislação impõe restrições à propriedade de clínicas e farmácias veterinárias por profissionais que não sejam veterinários, com o objetivo de preservar a autonomia profissional. No Reino Unido, a Autoridade de Concorrência e Mercados (CMA) iniciou uma investigação para avaliar os impactos da concentração de mercado, especialmente em relação aos preços e à qualidade dos serviços prestados.
Nos Estados Unidos, o debate sobre a consolidação de capital privado no setor também está em andamento, com preocupações sobre os efeitos dessa concentração no acesso e na qualidade dos cuidados veterinários.
O futuro da profissão veterinária
Neste âmbito, os profissionais do setor defendem uma maior transparência nas estruturas de propriedade e a implementação de regulamentações que procurem equilibrar a viabilidade económica com a autonomia profissional. Com a tendência global da corporatização, encontrar um modelo sustentável que beneficie tanto os profissionais como os tutores e os seus animais será crucial para o futuro da profissão.
Uma das maiores preocupações levantadas pelo estudo é garantir que o princípio fundamental da medicina veterinária — priorizar a saúde e o bem-estar animal — não seja comprometido por pressões financeiras. A pesquisa destaca a necessidade de mais investigação sobre os efeitos da corporatização e maior transparência nas estruturas de propriedade das clínicas, com o objetivo de criar soluções que equilibrem as realidades económicas com as necessidades sociais e profissionais.
Garantir acesso a cuidados veterinários de qualidade: o desafio das áreas rurais
Outro ponto crítico identificado é a manutenção de uma rede veterinária forte e acessível, especialmente nas zonas rurais, onde as clínicas veterinárias desempenham um papel essencial no apoio à saúde animal e pública. A consolidação de grandes grupos corporativos pode reduzir a atratividade de clínicas menores nessas regiões, comprometendo o acesso aos cuidados veterinários. Proteger a tomada de decisões clínicas de pressões externas e manter uma competição saudável são fundamentais para assegurar a qualidade dos serviços prestados e o bem-estar dos animais.