Clientes satisfeitos potenciam qualquer negócio. Independentemente da área de atuação, é normal lidar com reclamações ou situações em que o cliente tem uma ou várias palavras a dizer. Enfrentar estes casos faz parte do dia-a-dia num CAMV. E a típica frase “Crises geram oportunidades” enquadra-se na perfeição.
A questão dos clientes insatisfeitos tem vindo a ser analisada por alguns especialistas e tem mesmo inspirado alunos nas suas teses de Mestrado. Foi o caso de Miguel Oliveira Pinto que apresentou, em 2014, a tese “Introdução ao marketing em Medicina Veterinária – Estudo de Casos” na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT). No estudo observou que “o médico veterinário já tomou consciência que este é um mercado não só em ascensão, mas com cada vez mais concorrência. Observa-se que a mentalidade do médico veterinário está a mudar, e que este já se apercebeu que é a diferenciação para os outros Centros de Atendimento que poderá ser o futuro, e que é necessário trabalhar nesse sentido”.
Também é de marketing e de gestão que falamos, não apenas de veterinária. “O tema da gestão de clientes inativos é uma gestão de controlo de danos e, sinceramente, já vamos tarde, especialmente se essa inatividade estiver relacionada com uma má perceção da qualidade do serviço ou do atendimento”, defende Elisabete Capitão, médica veterinária e responsável da REVET – Rethink Vet Business. Entramos no campo dos fatores que podem levar os clientes a deixar de procurar os serviços de determinado CAMV e um dos aspetos é o monetário. Na opinião de Ângela Martins, diretora do Hospital Veterinário da Arrábida (HVA) e do Centro de Reabilitação Animal da Arrábida (CRAA), existem clientes que, numa estratégia única de “poupar dinheiro”, não se interessam “pela qualidade do ato clínico”. E é aqui que esclarece o que pode ser considerado caro.
O tema é complexo, e por isso, a médica veterinária socorre-se de um exemplo prático: “Chega um cão com vómitos, diarreia e tem 14 anos. Para uns não é necessário o diagnóstico da etiologia e realiza-se um tratamento sintomático. Se correr bem será um excelente médico. Se correr mal até não gastou muito dinheiro (na perspetiva do proprietário), mas a verdade é que se aumentou a taxa de mortalidade do CAMV. Sendo o objetivo dos CAMV ter clientes, mas também sucesso clínico, é necessário ter um diagnóstico, e quem o faz acaba por ser mais caro. É obrigação clínica propor todas as abordagens necessárias para obter o sucesso clínico, mesmo que alguns meios de diagnóstico para abordar não sejam feitos no nosso CAMV, referenciando ou trabalhando com equipas multidisciplinares de CAMV´s diferentes. O objetivo final é o sucesso clínico”.
Preço ou atendimento?
Para alguns proprietários, sobretudo com a conjuntura económica difícil, o preço pode ser o principal fator a considerar. No entanto, na opinião de Elisabete Capitão só virá em terceiro lugar, antecedendo dois fatores. “Os clientes trocam-nos a nós, aos nossos CAMV’s e aos nossos serviços, acima de tudo por causa do nosso atendimento. Em seguida devido à falta de perceção de qualidade dos nossos serviços e/ou produtos”. A realidade hospitalar acaba por ser um pouco diferente da que é vivenciada em clínicas veterinárias. “Nos dias que correm há um grande êxodo de pessoas, com mudança de casa e de local de trabalho sendo esse, sem dúvida, um dos principais motivos.
A proximidade continua a pesar muito no momento de escolher um Centro de Atendimento”, defende Sónia Monteiro, diretora clínica do Casvet. Neste caso, os clientes acabam por realizar as consultas de rotina nos consultórios e clínicas mais próximas, procurando o hospital em situações de urgência. “É certo que o oposto também acontece, muitos clientes preferem escolher um local que ofereça todos os serviços e produtos que necessitam ou podem vir a precisar, com uma abordagem mais célere para um tratamento o mais correto e adequado ao seu animal”, acrescenta.
O facto de procurarem serviços menos onerosos não é desconhecido por parte dos profissionais deste hospital, pese embora os clientes não tenham, muitas vezes, perceção adequada do real valor do(s) serviço(s) prestado(s). “É extremamente importante informar os nossos clientes do que é o nosso serviço como um todo, desde a entrada no nosso hospital, até ao momento de saída e deixá-lo escolher, esperando que o faça em consciência, e que não decida apenas pela questão monetária”.
Estratégias de recuperação de clientes
Para o Casvet, um cliente é desertor quando não existe nenhum registo de entrada no hospital há menos de 14 meses. “Esperamos que, no limite, dois meses sobre a data do check up e revacinação anual seja suficiente para o cliente procurar os nossos serviços”, defende Sónia Monteiro. Para que tal aconteça é fundamental que os dados dos clientes sejam atualizados. “A nossa prática corrente é fazer um telefonema ‘de charme’, através do qual perguntamos se está tudo bem com o nosso cliente e com o nosso paciente, no qual tentamos perceber se o motivo da ausência é esquecimento e/ou com falta de tempo, se está a ser seguido noutro local, se mudou de residência, se faleceu, entre outros possíveis motivos”. É importante conhecer os motivos o que estão está por trás de uma desistência para melhorar os serviços e para ir ao encontro das expetativas e necessidades dos clientes.
Quando estes respondem que se esqueceram ou não tiveram tempo de levar o seu animal à consulta, a equipa alerta para os perigos da falta de prevenção e de acompanhamento do paciente. “Temos o cuidado de agendar uma próxima visita tão breve quanto possível. Se estiver a ser seguido noutro local questionamos o porquê de não ter regressado e tentamos sempre deixar o canal aberto para uma próxima visita (nem que seja numa situação de urgência) e ir mantendo o cliente ao corrente do nosso dia-a-dia com as nossas newsletters”, acrescenta a responsável.
Para Joel Ferraz, diretor clínico do Centro Veterinário de Exóticos do Porto, o diálogo lidera quando se trata de tentar recuperar um cliente. “Pessoalmente ou por telefone. O fulcral é conseguir a oportunidade de poder desfazer um mal-entendido ou acidente. São poucos os clientes que se perdem depois deste diálogo, se for bem conduzido, se os argumentos forem bem esclarecidos. Penso que se perdem mais clientes por não se conseguir chegar a este diálogo”. No que respeita a outros motivos, na sua opinião “mais pacíficos”, mas com expressão na atividade do CAMV, como o preço, a distância, a disponibilidade de horário, a falta de competências da equipa, pressupõem “um planeamento estratégico geral do CAMV”. E é neste ponto que Elisabete Capitão se foca quando de clientes inativos se fala. “Estamos a perder o tempo e energia na recuperação de clientes a quem, por algum motivo, não demos importância quando nos procuraram, em vez de nos concentrarmos em fazer o possível e impossível para os converter em fãs”.
Por outro lado não existe a chamada “cultura de satisfação dos clientes, nem um processo montado para responder de forma eficaz e rápida a um cliente que mostra insatisfação e que reclama, até porque os colaboradores da linha da frente não têm as competências, formação e, muitas vezes, o empowerment para entregar uma solução”. Por norma essa tarefa é delegada a um colaborador despreparado, que “fica incumbido de fazer telefonemas frios que podem ser muito difíceis e frustrantes”, ou a sistemas de Informação e tecnologia que “enviam SMS tipo, na expetativa de que os clientes se lembrem do CAMV”. É por tudo isto que a responsável da Revet considera inglória a função de tentar recuperar clientes inativos. “Uma fatia mínima de clientes esquece-se dos timings para as visitas de rotina. No entanto, continuo a enquadrá-los nos clientes insatisfeitos porque, por um lado, não desenvolvemos sistemas de alerta eficazes para os recordar e durante o tempo em que não nos procuraram tiveram que recorrer a outros fornecedores de produtos e alimentação”.
Também se pode dar o caso de os clientes considerados “perdidos” não serem bons clientes por não “interessarem” a determinado CAMV. Quem alerta é Ângela Martins, destacando aqueles que “não pagam, que procuram preços mais baixos e não respeitam o ato clínico, nem o próprio animal. Esses que fiquem perdidos”. O HVA e o CRAA têm uma política própria – todos os animais referenciados pelos colegas regressam à sua casa mãe. “O clima de trabalho nos dois centros não apresenta como objetivo obter clientes a toda a força, mas apresentar prestar um serviço com base na medicina”. Ângela Martins vê a referenciação como algo benéfico. “É muito importante explicar ao proprietário que trabalhamos para ele, mas também para o colega que referencia. “Se trabalharmos para solucionar problemas críticos de vida, o cliente torna-se cúmplice pois não há espaço para a novela entre cliente e profissional. A explicação clínica da falha e a resolução de um problema é o que permite ter clientes e não os perder”, conclui a responsável.
Cinco passos para evitar perder clientes
Elisabete Capitão sugere:
– Desenvolva em si e na sua equipa uma cultura de satisfação do cliente. Todos sem exceção devem ter como prioridade servir e exceder as expetativas de cada cliente que visita, que liga ou que procura determinado CAMV nas redes sociais.
– Desenvolva um processo que lhe permita medir a satisfação dos seus clientes.
– Registe os momentos em que o cliente dá um feedback negativo ou mostra insatisfação (quem recebe a reclamação, onde regista, que respostas e soluções pode adiantar de imediato e a quem deve reportar a situação).
– Não deixe nenhuma reclamação por atender mais de 24 horas. Segundo Philip Kotler[1] , “uma instituição pode perder até 80% dos seus clientes muito insatisfeitos; 40% dos insatisfeitos; 20% dos indiferentes; e talvez 10% dos satisfeitos, mas, quanto aos clientes muito satisfeitos, apenas 2%. E agora mais um número muito interessante: 95% desses clientes muito insatisfeitos não reclamam, simplesmente mudam de fornecedor. Ou seja, se o cliente reclama é porque ele se preocupa em continuar seu cliente. Dos clientes que fazem uma reclamação, entre 54% e 70% voltarão a fazer negócios com a empresa se suas reclamações forem resolvidas. A percentagem chega a espantosos 95% se eles sentirem que foram atendidos rapidamente”. Mas, infelizmente, a realidade é que apenas metade dos que reclamam, afirmam receber uma solução rápida e satisfatória para o problema. Outra estatística importante sobre a insatisfação dos clientes é que em média, um cliente satisfeito conta a três pessoas sobre a experiência positiva na sua empresa. Ao passo que um cliente insatisfeito relata a 11 pessoas a sua experiência negativa.
– Como o recrutamento de clientes novos é caro (dinheiro, tempo, publicidade, etc.), hoje em dia é imperioso desenvolver estratégias para recrutamento, e acima de tudo, para a fidelização. Temos que pensar no conceito de customer for life, “criar clientes para a vida”.